Queria ter sido parido para dentro de outro lugar.
Para alguma lonjura mais próxima dos ‘foras’ de ‘quandoleio’.
Dia desses ganhei de
presente um livro de contos. Li o primeiro. Reli. Deixei com que me lesse.
Refestelamo-nos um para o outro. Enfim, acompanhamos (o conto e eu) o que
aquele tempinho de troca nos quis informar.
Os dedos. Pensei logo nos
olhos daqueles dedos que se ‘musicoescreveram’ por ali. Eles não me saiam da
cabeça. Entendo, já que a escrita é a incapacidade de ver o mundo sem eles, sem
suas pontas. Deve ser como sentir a vida em braile enquanto dedilham (para ela)
algumas composições pouco mais faceiras, tal como um parto de imagens trigêmeas:
a do ler; do ler-se; e a do ‘ser-lido’.
Sim, conheço o dono
daqueles “telequeteques” de máquina de escrever. Conversávamos muito durante os
intervalos do Curso de Mestrado, lá da Unisc – ele foi meu professor. Para fora
dos silêncios dos dedos, curiosamente, representava um ser sorridente e de voz
mansa. Adorava falar da terra, da vida simples que mantinha paralela a de ‘docentescritor’.
Também sempre deixou claro o amor que nutria por Rosa, por João Guimarães Rosa,
o autor – e de tanto folhar aquelas pétalas, seus dedos acabaram prendendo
alguns daqueles perfumes. Leia-o e sentirá.
Sei que o leitor deve
estar querendo saber de quem são os dedos, porém não sei se devo contar, percebo
que temos um pouco de dificuldade em aceitar os nossos, os nossos autores
locais. Todos só se deram ao trabalho de ler Lya Luft, por exemplo, somente
depois de já ter sido lida e consagrada para fora daqui, para outras distâncias.
Quando esteve ao nosso alcance (ela é santa-cruzense) estávamos em outros
cantos, dentro de algum livro que nem lembramos mais, de um best seller talvez esquecido. O que me
deixa um pouco apático em relação a este “subestimar-as-nossas-letras”. Bom,
vou dizer, não vou negar a informação a quem gastou seu tempo até aqui. O nome
é Sérgio Schaefer. Pronto, falei.
Pois então. Poetas, professores
e escritores (de um modo geral) carregam a mesma linha, o mesmo fio de Ariadne.
Por hora são amados (quando alguma alma mais sensível resolve lê-los); por
outra, na maior parte do tempo, esquecidos. Mas o que move as asas desses
nobres não é o vento, não é o céu. O que move é a vontade de levar todo mundo
junto – mesmo sem poder. Então, esperançosos, ficam pesados e resolvem andar,
tal como albatrozes caminhando pateticamente sobre o convés de algum navio. No
chão se tornam instrutores de passarinhos. E como é bonito quando algum deles
alça voo, quando alguém resolve tomar emprestadas algumas de suas vozes para voar
e cantar, eis o espetáculo que faz existir o céu.
Mas nonada, diz o
artista quando velho. Ele só está escrevendo, pintando, ensinando (vozes escuras
para ouvidos não muito claros). Contudo, quando morre, ganha alguns dias de
fama, para só então receber a devida atenção: daí existe por um tempinho, existência
de fumaça que se dissipa... A não ser que tenha um bom agente, um com bastante
dinheiro e que possa fazer com que seus “nonadas” se transformem em muito mais.
Lya Luft teve sorte,
sorte que nem todo o artista tem. Não é nada. Nonada, não...