Longe, tão longe quanto
a maior de todas as lonjuras... distância de dentro de mim. Enfim, lá estava eu
sentado num dos bancos de um ônibus. Na mochila, além da marmita fria, um livro
iluminava a parte menor da bolsa. Não, não gostava quando alguém se sentava ao
meu lado e puxava conversa. Mal sabiam eles que não podia “esquizofrenar” entre
o livro que estava lendo e as perguntas que me faziam. Lembro que sempre me
questionavam se era o livro sagrado que tinhas nas mãos. Nossa! Ninguém
acreditava quando percebia aquele baixinho mestiço e mal vestido lendo um livro
que não fosse a bíblia (pobres, em suas cabeças, precisam ter fé!). Cansado
daquela rotina, logo que descia do coletivo, puxava um cigarro e um isqueiro do
bolso e acendia como quem diz: “não sou religioso, amigos!”
Já no trabalho, era
operário, puxava outro livro e punha-o no bolso (há livros meus que ainda estão
sujos de terra por isso). Seguia. Trabalhávamos na poda de árvores, nosso
caminhão recolhia tudo o que ficava na calçada e na rua. Quando enchia a
caçamba, lá íamos nós em uma viagem de meia hora de ida e meia de volta para
descarregar o dito cujo. Sim, era ali que minhas viagens ganhavam outros rumos.
Sacava do bolso o livro e fazia todo o trajeto em uma leitura calada ao lado do
motorista.
Quando o dia finalmente
terminava. Tomava banho por lá mesmo e quebrava mais um dos paradigmas sociais,
já que muitos, utilizando-se de olhos comuns, me viam o dia todo como um
analfabeto. Eu era um estranho, admito, pois à noite (com uma sacola batendo
panelas quando caminhava) me dirigia para a faculdade de Letras. Chegava sempre
uma hora antes de começar. Naquele momento puxava o terceiro livro do dia, tinha
um para cada momento. Como as coisas estavam ruins, pelo menos financeiramente
naquela época, muitas vezes aguardava até o final da noite para almoçar em casa
– meu estômago acabou acostumando e até hoje comida não me faz falta. E assim
passaram-se dez anos. Dez anos de leitura e vozes que no final das contas só
sei ouvir agora. Através delas aprendi a amar a noite. Desacelerei a vida ao descobrir
que os silêncios são muitos e as vozes sinfonias que nem sempre sabem dizer o
que o maestro quer, pelo menos não seu tempo certo.
Hoje, quando olho para
dentro, penso se suportaria passar por tudo novamente. Os restos de mim se
tornaram cientes de que aqueles que eu fui (mesmo estranhos) são os que fizeram
de mim este tudo que nada lhes parece. Só se que o tempo ainda me abriga..