Não adianta. Por mais
que nos encontremos cercados de gente, no final das contas estamos sempre
sozinhos. Neste sentido, ainda me lembro do dia em que morreu o ator Paulo
Autran. Naquele tempo, como um pão fresquinho recém-saído do forno, a notícia
recebeu mídia. Já eu, ainda ignorante aos fatos, liguei o televisor e, preguiçosamente,
passeei pelos seus canais. Parei. Uma figura havia interessado meus dedos.
Larguei o controle remoto e fiquei ali, numa entrevista que passava na TV
Cultura. “Mora sozinho?” “Moro.” – respondeu Paulo àquela jornalista. “Sozinho?!”
“Sim, saiba que todos nós estamos sozinhos por debaixo das peles.” Tratava-se
de uma reprise colocada ao ar por conta do falecimento do entrevistado. Consultando
mais algumas fontes, só então fui capaz de entender aquela perda, aquela
exposição matinal. Nossa! Desde então aquelas palavras grudaram em minha cabeça:
“Todos nós estamos sozinhos...”.
Por muito tempo pensei
sobre os dizeres daquele poeta/ator. Sei bem que todos já choramos. Chorar,
sorrir... Tudo isso é natural. Há quem chore sorrindo, os que sorriem chorando
e até os rostos que se calam, se fecham para qualquer um dos dois: pedras. Percebi
então que nem toda lágrima se liberta, alguns encontros sociais exigem que
choremos para dentro. Afinal, a norma diz: “Está só, amigo! E se derramar desinteresse
em estar conosco, não haverá mão, pois está preso dentro de ti mesmo, estamos.
Libertar-se não é possível, dispensamos tudo o que não reflita a nós mesmos. Se
não for nosso espelho, fique em casa e sofra sozinho.” Daí minha vida de
ermitão. Sou um anti-herói. Isso acontece quando as imagens nos vêm puras, de
nós para os outros de nós.
Difícil entender, não
é? Pois então explico de outra forma:
Medusa (a Górgona) é a
melhor de todas as representações dos espelhos. Quando a olhamos, petrificamos,
pois é quando percebemos que a feiura dela é também a nossa. Sim, só no reflexo
dos escudos dos outros é que ficamos mais confortáveis para confrontarmos
nossas próprias imagens. Elas recebem os filtros dos "tu és legal". E
não, não dá mesmo para encarar diretamente nenhum "eu". Viramos
pedras, daí (conhecem o mito). Perseu, por exemplo. Ele só conseguiu
vencer(-se) desse modo, espreitando e não olhando para o que ele mesmo era, já
que nenhum ego suporta um confronto tão direto assim. Aí está. A sinceridade é
vista desse mesmo jeito: uma Górgona feiosa e cheia de cobras na cabeça, jardim
de mármores que escondem profundas solidões.
Espelho, espelho meu...
Não! Pare! Está louco! Jamais pergunte isso a ninguém! Queres virar pedregulho?
Todos já andamos tão sozinhos...