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sábado, 2 de outubro de 2010

Os teares da escrita e a importância de tecer

  O tecido pode ser o melhor condutor para sentirmos que o prazer pode ser experimentado, também, através das pontas de nossos dedos... O mundo compreendido pelo tato pode fazer com que reflitamos sobre algo mais do que o simples fim e a futura utilidade que o pano terá. O tipo de fio, a maneira como ele foi tramado e, enfim, a forma que tomou, contribui para que aprendamos sobre as várias texturas até que possamos, finalmente, poder tecer – fiando com nossas próprias linhas coloridas – uma “fazenda” (do verbo fazer) que muitos poderão observar, sentir e compreender como uma contribuição nossa para o mundo.
  Ao lermos boas obras com atenção, infalivelmente, sentiremos em seus veludos, desde um simples véu até as mais finas das sedas, pois é necessário primeiro sentir para depois fazer-se sentir pelos tecidos produzidos dentro de nossos próprios teares. Sabendo disso, não é difícil perceber a relação de tessitum, tecido, textura, texto...
  Enfim, ao contrário do que muitos pensam, o ato de produzir um texto não está vinculado a nenhuma força divina que nos sopra aos ouvidos e nos vem inspirar. A palavra chave para uma boa produção textual é ‘trabalho’. Deve-se cultivar o hábito da leitura e submeter suas produções a releitura, a reescrita e – fundamentalmente – à crítica (pedir para que outros sintam a textura e apontem para os fios soltos que precisam ser consertados). Estes são alguns elementos que fazem parte dessa construção. A atenção a esses pontos é essencial para que não se abandone o processo de estar sempre trabalhando com ideias já desenvolvidas. Pois o texto, assim como nosso conhecimento de mundo, sempre está em constante transformação. E é assim que vamos dando forma e cor aos nossos tecidos.
  Agora é sentar, puxar um fio e começar a tramá-lo.

domingo, 6 de junho de 2010

NO AMOR E NA MORTE


   - Meu amor!
   Assim chamavam o pequeno Felipe...
   Quando se conheceram, Damião e Maria Tereza, logo se entenderam. A paixão os levou para casa, para a cozinha, para o quarto e acabaram por satisfazer-se, apropriadamente, na cama. Tudo estava perfeito, porém o fogo que queimou não estava em nível incendiário. O plano original, pós-flerte, devia ser assim: cada um para seu lado. Os dias, as semanas, os meses passaram. Maria Téia estava grávida. Até localizar o homem, passaram-se mais tempo. Enfim, reencontraram-se e acertaram-se por conveniência.
   - O amor é coisa que a convivência traz. - dizia ele.
   O amor realmente o trouxe, seu nome já o dissemos. Felipe nasceu raquítico, traços chupados e com uma tristeza aparente no olhar. A vida tornara-se tumultuada para a nova família. O que deveria ser um presente, logo se tornou um grande estorvo. As chagas abateram o menino alinhavando marcas de velhice desnudadas por problemas graves de saúde.
   - Esse guri está podre, Téia!
   - Cala a boca, ele é apenas uma criança!
   A piedade da mãe durou apenas até a factual notícia: O amor estava em estado crítico, não apenas terminal, mas em um estágio contagioso. Toda a solução se encontrava no celeiro abandonado. Alí apenas um velho cavalo perecia e, certamente, seria um bom lugar para afastar a doença de Felipe do resto das pessoas da casa. Os dias longamente passavam e o garoto já incapaz de alimentar-se com a parca comida que vinha, começou a ofertá-la inteiramente ao cavalo que, alimentado pelo velho amor que morria, em troca, lambia suas feridas. As noites foram duras naquele inverno e o pangaré e seu amigo, para se protegerem do frio, enroscavam-se quase a formar um mesmo corpo.
   - Meu Amor, – a voz vinha da mãe – onde está?
   O menino fora encontrado morto em meio ao feno, aparentemente, sufocado. O animal relinchava em estridente tristeza, mexia-o com o próprio focinho, mordiscava suas roupas, mas nada acontecia.
   - O cavalo matou Felipe! - ouvia-se de longe.
   O equino não resistira aos castigos e acabara morrendo no mesmo dia. Mas uma coisa boa aconteceu. A morte do garoto tornou certo o destino verdadeiro de cada um e todos os antigos planos puderam ser seguidos.
   Quanto aos pais, esses finalmente encontraram a paz.