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quinta-feira, 30 de julho de 2015

JORNALISMO E LITERATURA

A escrita é a incapacidade de ver o mundo sem as pontas dos dedos. É sentir a vida em braile enquanto dedilha (para ela) algumas composições.

Sempre existirá o jornal. A arte, nem se fala. A literatura ganhou silhueta através dele (até o mundo recebeu novos pares de olhos por conta dessa reunião). A moça (a literatura), há tempos que já faz camada sob essas peles. As linhas ganharam força e acabaram por formar veias que percorrem, até hoje, os corpos das edições, cheirando a tinta fresca de impressão. Não, precisamos dele (do jornal, o físico). Tal como aquele pãozinho francês que parece fazer o Sol acordar junto conosco. E mesmo em tempos de rapidez digital, faz-se necessário a medida, a credibilidade que organiza alguns fatos a partir de olhares mais calmos. Desses que sabem pensar e investigar todas as fontes antes de apertar o OK perigoso da divulgação. O dia a dia precisa de faros apurados e de pessoas que saibam se expressar pelos dedos. De gente que não tenha medo da chuva ou do frio ao serem puxadas por uma das pontas da vida, esta que exige todos os dias certa novidade para poder amarrar-se.
Sei que hoje dispomos de uma gama de informações. Mas até que ponto pode-se confiar nelas? O hábito de ler um jornal não se apaga por isso. Pois veja bem: Visitamos nossas redes sociais. Pensamos com a ajuda do Google. Contudo, a imprecisão dos fatos ainda é um fantasma que perambula a todos, pelo menos aos que gostam de pensar pouco mais seriamente sobre as coisas. Não há certezas. Tente fabricar uma mentira, por exemplo. Exponha a peça no Facebook. Sei que em menos de um minuto será capaz até de atear fogo em uma casa que nem existe. Só que ela existirá, ganhará potência e velocidade. Tempo que pode ser perigoso e, em certos casos (como já se viu), fatal. Outro dia mesmo ouvi falar em um linchamento. Verdade? Não, engano. Só que a pessoa morreu. Eis o despreparo de quem não é e não tem compromisso profissional em colorir – cuidadosamente – algum aspecto da mesma verdade.  
Deixemos as invenções para a Arte. Ela é quem sabe contar as melhores mentiras, tudo sem precisar danificar o mundo com isso (ela o engorda, deixa-o maior). Quanto aos fatos. Há quem saiba apurar, sentir o momento e a hora certa de expor, sem danos, a notícia. Acho melhor.
Enfim, é certo, o jornalista busca; a literato inventa/“brincria”. Casamento perfeito. Ação e cor. Cor e ação. Coração. Tamborilar afinado por dois tambores que se animam pela mesma canção. É isso. 

quarta-feira, 29 de julho de 2015

TEMPO DE DESPERTAR

“Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden,dass er nichts mehr hält.”
                                    (Rainer Maria Rilke)

Hoje pensei meu próprio corpo como uma prisão. Não uma prisão qualquer. Pensei no que seria se ele estivesse imóvel e surdo para meus comandos. Daí, envolvido por um filme que passava na televisão, parei para acompanhar um personagem enquanto recitava um poema de Rilke, Der Panther ("A pantera"), para ser exato. “Quanta delicadeza!” – pensei. “Será que as coisas se organizam para que possamos pensar melhor sobre elas?” “Improvável!” – atendeu um lado mais racional de mim. “Na certa já estavam por ali, eu é que não tinha olhos para tanta reunião.”
Sei que o leitor está curioso para saber que filme é esse. Confie nos sentidos, o nome é o mesmo que dá título a este texto, meu caro! A obra trata da história de um médico (interpretado por Robin Willians) que é contratado para trabalhar em uma clínica psiquiátrica. Em determinado momento, para sua surpresa, se depara com uma realidade nova – ele nunca havia clinicado. Perdido na vida (era tímido e antissocial) encontra, entre os pacientes, o Sr. Leonard (Robert de Niro) que, carregando uma doença misteriosa, passou trinta anos da vida em estado de vegetação. Enfim, quando conseguiu se comunicar, soletrou em um tabuleiro “ouija”, não o seu nome, preferiu um poema, “A pantera”. O espirito humano é realmente muito mais forte do que as grades.
Através da tradução de Augusto de Campos, deixo vazar dois versos do poema que expus acima. Eis a Pantera:
 De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Não foi a única via que já me fez pensar na existência. Há muito que reflito sobre. Quando deixo de brincar com minhas filhas, penso nisso. Ao furtar um tempo maior com a família, mais outro. E assim vamos ficando para dentro. Não é à toa que o nome do paciente do filme se chamava Leonard (lembra lion, leão, só que aprisionado). Quantos felinos a rotina ainda vai aprisionar? Quantos jardins precisaremos ainda matar para que possamos desacelerar e refletir sobre o que deixamos para o lado de fora da grade?
Sugiro que pare de ler este escrito e vá imediatamente até o gramado. Solte os pés e ande descalço sobre ele, porque não, os olhos não concordam com os espíritos. Ignoram todos. Conversam de longe, ali, cada par por detrás de seu próprio vitral. Essas são as nossas gaiolas.

Carpe diem! Agora vai! Ainda dá tempo de despertar. 

segunda-feira, 27 de julho de 2015

SÓ EXISTIR...

“Todos estamos sozinhos por debaixo das peles.”
(Paulo Autran)

Nunca procurei desafiar as pessoas. Elas são difíceis de ler – salvo quando estão em grupo. Sozinhas são intransponíveis, admito. Não há motivo para se perderem. Contudo, quando alguém se aproxima, abre-se um buraco, uma lacuna na qual se perde quase tudo para ganhar os olhos daquele que faz o mesmo para poder existir. Aí fica fácil para quem acompanha os movimentos. E eis que o “penso, logo existo” faz todo o sentido. Sim, temos medo do que vão pensar de nós. Dá para sentir nos rostos, nos ânimos. Falta-nos chão debaixo dos pés, sobretudo se o ser que chega já está perdido dentro de si mesmo, viciado em não ser mais ele próprio.  
Explico: De tanto vivermos na tentativa de criar imagens para os demais, acabamos nos esquecendo da essência. Claro que somos uma soma, construções que estão constantemente se refazendo pelo contato. Mas o perder-se ao qual me refiro – podem apostar! – é o contrário disso. É o deixar-se de lado para viver o que o próximo deseja de mim, tal como espelho, uma cópia.
Tenho um amigo que é mago nessa arte (a da existência). Envolve-nos tão suavemente dentro de sua filosofia que até quem não gosta deixa de viver um pouco para existir em sua fala. Perigoso, já que conhece um dos infernos mais férteis de todos – o pesadelo existencial. Sartre escreveu: “O inferno é o outro.” Por isso que o cuidado deve ser extremo ao arrecadar tanta atenção. Um só desvio e acabamos desenvolvendo o que determinado ouvinte mais teme dentro de si mesmo. Lembrando que, encantado, ele vai ouvir conforme sua afinação. Não saberá distinguir uma ideia de fora, de uma de dentro.
Nessa mesma linha, Sócrates, o filósofo (não o jogador), conseguia manter seu público. Primeiro ele ouvia. Uma vez em poder da voz, não retornava mais, usava a existência dos falantes para fazer brotar uma nova, a sua. O erro de todos foi terem deixado falar tanto. Ele existiu. Tanto que todos sabem quem ele foi, mesmo depois de tanto tempo. Quem foram os demais? Perderam-se os nomes.
Enfim, quero dizer com isso que se expomos nossas armas é porque não vamos usar. Não é possível que alguém atire por nós, que encontre tiro onde não houve disparo. Acontece. É o inferno sartreano. Jamais escreveria isso se tivesse tal intenção, nunca deixaria às claras se fosse tão importante para mim. Pois, pasmem! Só quero existir em paz. Não há mito para se instaurar. Só o que, demasiado, deixa vazar o humano. O que fica é um silêncio denso, fechado. Silêncio enlouquecido para ser engravidado por um barulho que passa.   

sexta-feira, 24 de julho de 2015

PAIS E FILHOS


Tente entender o leste do horizonte, se conseguir se emocionar ao nascer do Sol, saberá o que um homem sente ao ser iluminado pai.

Não me pergunte o que é ser (pai), há coisas que precisamos sentir. Tal como um compositor ao ouvir a orquestra que ama, dando voz a sua obra pela primeira vez. Quando isso acontece, tudo fica bem ali, escondido no paladar que lambe sutilmente aquele chorinho instalado para sempre em nossos ouvidos. O problema é que sentimos as músicas de maneiras diferentes, é impossível precisar uma verdade tão plural quanto esta. Pois é. Difícil entender. Assim como há muitas canções, há também sentimentos que ‘infinitamos’ a partir de cada uma delas. Ou seja: o que parece comum para uns; é um universo inteiro para outros. As línguas de nossos corações degustam o mundo, separando-o, inexplicavelmente, em outros que (antes de provarmos) nem sabíamos que habitavam dentro de nós.
“Cara, quando eu a vi nascendo, chorei!” Eis o desabafo de um amigo ao ver sua filha (a Sofia) enquanto entrava no mundo. As emoções se confundiam, as lágrimas se misturaram em uma vontade gigantesca de existir. Sua voz, inclusive, estava rouca de tanto dizer para si mesmo: “Foi o que fiz de melhor nesta vida!”.
 Saiba amigo, a música dá ouvidos à Vida. Dá voz a todos os silêncios. Desregra o estômago do Tempo com suas tintas. Por isso é que faço ideia de seu estado, estado de pai, daquele ser que se “amorosa” ao ter contato com aquelas mãozinhas que julga melhor do que as suas. E é. Ninguém poderá dizer o contrário, porque ela é uma pintura que ajudou a fazer: é a repercussão impecável de seu pequeno concerto, maestro! Sim, o amor é estranho, não sabemos direito de onde vem. Se do corpo, se da alma, ou se de uma criança que nasce... Mas sabemos sobre a cura – e o pensamento sobre a cura, quanto mais profundo, nos ‘enfebra’ ainda mais. Deixe-se febril, pois o amor não é preciso (no sentido de precisão, exatidão). Contemple, chore... Não tente entender, só sinta a quentura.
Enfim, invisto em uma metáfora para concluir, para tentar ler a ocasião. Aí vai:
O dia parece brotar em pequenos concertos. Primeiro a lua, devagarzinho, se ‘desilumina’ para que outras luzes possam se horizontar. Depois o latejo de alguma vida vai dando cor e forma aos silêncios que engravidam o leste das distâncias. E um a um, os pássaros parecem entender tudo em um grandioso coro que se esvoaça em um grandiloquente parto do Sol. E então a pequena chega, seu pai chora, dando vida a um dia inesquecível e de pura sabedoria. Porque eis que surge o dia de Sofia.


Voilà!

sexta-feira, 17 de julho de 2015

VOZES QUE NOS RELIGAM

Rezar é uma forma de pensar no outro, mesmo mediado pelo murmúrio silencioso de alguma solidão que, antes de dormir, se ajoelha contigo na beiradinha da cama.  

Acostumei meus sábados pela manhã com o chimarrão servido na casa de meus pais. Só que não neste. A esta altura devem estar em outras distâncias, mais precisamente em São Paulo, visitando a cidade de Aparecida do Norte – se não ando perdido entre o tempo e o local de destino de suas andanças.
Diferente deles, todos sabem, sou um ser descarregado de crenças e religiões. Em meu templo habitam outras palavras, não as sacras, algumas pouco mais afastadas dessas verdades. Claro que sinto falta, minhas memórias estão cheias disso, tanto que me abasteço em vozes cheias de fé que se mostram nas conversas entre mim e meus ‘velhos’. Elas me encantam, confesso, mesmo as ouvindo com outras afinações (descrente, como já afirmei, não me furto, a arte sempre me inquietou, sendo assim, amo as composições barrocas, religiosas na essência, sobretudo, preciso dizer, as de Johann Sebastian Bach). Se necessárias para eles (meus pais), me faço ouvidos sem pestanejar a boca. Sinto-me muito jovem para falar sobre, encima das falas deles. Ouço-os como se regessem cantatas escritas por um grande compositor. Isso eu posso fazer.
Pois é, as crenças populares são belas, enfim. Isso eu admito. Ainda me lembro de minha avó nos mandando entrar quando via um redemoinho de vento varrendo a rua. Dizia que era o capeta e que precisávamos rezar. O engraçado é que só depois de maduro soube encontrar em um livro os mesmos medos em um personagem de Guimarães Rosa (ali, no “Grande sertão: veredas”) – lembrando que a Mercedes (este era o nome dela) era analfabeta. Quanta boniteza havia na simplicidade dessa Mercedita! Religo suas imagens às minhas memórias, isso sem desfiar nenhum rosário, ou tentando não rompê-lo.
Também não é raro encontrarmos na literatura, mesmo que ironicamente, elementos que se mantêm acessos dentro da cultura popular. Se não me acredita, leia um Machado de Assis, um Jorge Amado, um Rosa. Perdi até as contas das vezes que perguntei para minha mãe: “Quem foram Cosme e Damião?” “Santa Rita representa o quê?” Precisava disso para entender mais profundamente os elementos que ansiavam dizer mais, fragmentos estes que escondiam um universo inteiro de vozearias.  

Então, não me estendo mais, agora fico. Brusco assim. E não, não vou rezar – se é o que pensa. Só escrevi para me revisitar um pouco. Agradeço a companhia!  

terça-feira, 14 de julho de 2015

ESCRITORES DA LIBERDADE

Ser livre é cuidar para que o meu próximo seja liberto comigo, pois quando eu o inspiro, livro mais um que libertará mais outro, e outro...

Ontem fomos surpreendidos por alunos que resolveram deixar as salas mais limpas. Matação de aula? Não mesmo. Saibam que há muito na atitude. Inspiração que move lugares bem mais desenvolvidos do que o nosso. Se pesquisarem perceberão que no Japão isso é bastante comum, portanto, é natural que sua educação acompanhe o mesmo senso de nobreza.
O fato é que se hoje passarem por alguma classe de qualquer uma das turmas da Escola José Alfredo Kliemann (Santa Cruz do Sul), certamente, poderão observar clarões, luzes que nos mostram um futuro bem sólido e cheio de ‘logo alis’. Sim, outro dia todas as manchas foram apagadas das carteiras (tal como já disse) para serem “reescritas” com muito detergente, esponjas, baldes, sorrisos e pequenas mãos de alunos que aprenderam a desenhar uma nova forma de perceber a educação: a do cuidado. Bela lição que tivemos, pois acreditem, não temos mais tempo a perder, já que, de vez em quando, faz-se necessário parar, levantar e agir. Maravilhoso? Exato. Presenciamos uma pequena mudança, breve bater de asas de borboleta que, por ser tão importante, provocou em nossos ânimos uma ventania avassaladora e necessária.
Muitas pessoas poderiam achar a atitude um tanto arbitrária e pouco animadora. Tolos. Mal sabem que a Escola serve justamente para isso. Trata-se de um lugar onde aprendemos, além da matemática, do português... também o verdadeiro princípio da cidadania. E cuidar do que é seu nada mais é do que encher de músculos um amanhã pouco mais rico, palatável e iluminado. Exercitar o cuidado, inclusive, nos faz lembrar o principezinho, de Exupéry: “somos todos responsáveis por aquilo que cativamos”. Eis uma obrigação moral.
Escrever a liberdade com sabão e muito esfrega esfrega é quase uma metáfora, pois se tivermos um ambiente bonito e limpo é provável que possamos avançar um pouco mais por essa estrada tão difícil que se tornou a educação no Brasil. É preciso limpar sempre, e mais. Atitude que parece simples, mas que infelizmente ainda não é. Por isso é bom fazer. Quanto vandalismo não se evita assim!
Enfim, penso que esse é o grau mais elevado e bonito do que podemos chamar orgulhosamente de educar.

Continuemos parando para escrever...   

sábado, 11 de julho de 2015

(G)ATOS

O que me falta em espíritos quem supre é o gato.

Não imagino companhia mais agradável. Mesmo quando meus silêncios estão secos – às vezes nem os ecos desejam abraçar as pedrinhas lançadas ao rio –, lá vêm eles para tornar o ar pouco mais respirável. A “umidade relativa do ar”, como querem alguns meteorologistas, consegue chegar exatamente quando eles chegam. Um molhado invisível, leve, silencioso e, para mim, necessário. Será que funcionam como condicionadores de ambientes?
Há algumas horas, humano que sou, andava triste e cheio de pensamentos ruins (venenos que volta e meia produzimos e entornamos feito vinho). Momentos embriagados fazem o tempo cambalear assim, tal como chute em bola murcha, bola que nos fica presa no pé. Raramente perco os espíritos para essas distâncias, confesso, mas quando perco, não fico, meus gatos não me deixam perambular muito por esse limbo. Vou com eles, abandono meu deserto e acompanho as sete vidas de cada um dos bichanos. Desintoxico.  
Dizem até que, no escuro, os gatos enxergam de 6 a 8 vezes melhor do que nós, mulheres e homens. Mesmo assim – e isso é curioso – são extremamente confiáveis, pois, indiferente desse poder todo, sabem nos avaliar muito além do que parecemos aos seus olhos. Leitores fabulosos, esses bichanos. Os daqui, por exemplo, parecem que farejam quando resolvo preparar os temperos para uma possível cicuta. Aparecem, pulam no colo, olham e depois saem, deixando para trás fantasmas que dizem assim: “vêm conosco, nós te salvaremos!”. Nossa, é um sofrimento em dois Atos. I: a melancolia; Ato II: a lucidez. Bom, pelo menos sinto assim!
Pois então, o gato é ou não é um ser mais magnífico? Penso assim porque além da destreza, da personalidade sincera e dos ânimos autônomos (se maltratá-los não voltam a te olhar), ainda são eternos por não fazerem conta de sua própria morte, não futuram o presente pensando no próprio fim: só os silêncios lhes são caros, só os silêncios vivos e sentidos em um tempo qualquer de algum de seus 'agoras'. Vai ver que é por isso que são tão pouco queridos pelas pessoas: não são submissos, nem barulhentos. Ou eles amam ou te deixam. Negam-se a gastar suas vidas rodando em bajulações vazias. Sim, os gatos são investidores. Contudo, e é o que nos assusta, eles nos fazem lembrar alguns de nossos espíritos mais atávicos, instintivos e recônditos – e isso inquieta, nos incomoda. Ainda bem! 


Enfim, acho que estou melhor. Nada como ter em casa dois purificadores de alma. 

domingo, 5 de julho de 2015

‘OS PRECONCEITUOSOS LADRAM, MAS A MAJUZINHA PASSA.’

“Cada homem é uma raça.”
(Mia Couto)

Somos falhos, se não respeitarmos determinadas regras que nos agridam os bolsos, o mundo se perde e a História volta a se repetir. Infelizmente, por conta de algumas pessoas que gazetearam as aulas dos amigos historiadores, precisamos de regras bem claras para que nos lembremos de que não devemos nos referir às pessoas como macacos, negrinhos, ou coisas do gênero. Tal como a que muitos estão tentando barrar. Aquela em que proíbe a mesma coisa, só que com homossexuais. Os comentários ofensivos à jornalista Maria Júlia Coutinho (a Maju), acontecidos recentemente, é só a ponta do iceberg. Nossas mentalidades andam doentes, carentes, não de mais politiqueiros, mas de profissionais que pensam respeitosamente sobre o que somos e o que precisamos ser (digo, moralmente). Se historiadores tivessem o mesmo prestígio nas vozes que certos políticos têm, não precisaríamos ser exigidos por tantas leis. O bom-senso prevaleceria.
Não entendo, as pessoas ouvem rock n’roll. Prestigiam bossa nova. Acham sofisticadíssimos os sons que iluminam o blues, por exemplo, mas são incapazes de raciocinar sobre as origens desses ritmos e, por sua vez, os ‘porques’ de seus próprios ouvidos gostarem tanto disso. Será que os sentidos não se afinam em um mesmo tom? Ou será que os tons é que não se afinam para os mesmos sentidos? Difícil saber.
Por outro lado, retiro o que disse no último parágrafo. Para ouvir sons desse tipo, é preciso saber mais, desenvolver-se mais. Duvido que gente agressiva tenha o mínimo de cultura para entender desses gêneros tão ricos, pois se tivessem, não encheriam o mundo de opiniões nitidamente ridículas a cerca do povo que os criou. Digo isso por estar cansado desses discursos fascistas e idiotas dos tipos velados, que só vêm à tona em situações de raiva ou de inveja (o que ocorreu claramente no caso Maju).
Enfim, não me demoro mais. Este tema me assusta. Temáticas assim nos ofendem por arrancar de nós uma série de verdades, que acreditávamos superadas. Verdades necessárias, preciso dizer, mas perdidas em algum cantinho que deveria ser lembrada como algo feio nas entranhas de alguma pesquisa coletada em arquivos já decompostos e amarelados. Cuidemos de nossa evolução, não precisamos voltar ao barbarismo intelectual. Mediocridade se cura com uma boa aula de História, como eu já disse.

Agora fico. Baixo a caneta. E me ausento deste texto. A Maria J. Coutinho já disse tudo por mim: “Os preconceituosos ladram...”. 

sábado, 4 de julho de 2015

UMA NAU CHAMADA REDAÇÃO DO ENEM

Sou incapaz de dizer algo para além da fala, a alma precisa saber braile, deixar-se invadir pelos ‘falos’, que são os dedos. Por isso escrevo.

‘A língua portuguesa é minha pátria’, já escreveu certa vez Fernando Pessoa. Só que não escrevemos em uma única língua. A escrita, em qualquer idioma, é um modo de organizar os pensamentos. Trata-se de uma leitura fina que fazemos de nós mesmos, por isso nosso país não ESTÁ, ele É aquela linguagem que usamos para pensar o mundo. Logo, – cuidado! – nela também somos pensados. Os ventos (independente da nau) podem dizer muito mais sobre o navegador do que o porto em que ele pretende chegar. Portanto, devemos tecer nossas velas com os instrumentos que temos. Não é necessário furá-las com agulhas difíceis e intransponíveis à grossura dos panos. Ela precisa ser leve e bem feita. Em outras palavras: use expressões simples e que lhes sejam familiares. Brinque com elas, fabrique um mundo organizado com o que tem. Termos obscuros não clareiam nenhuma ideia. São como furos responsáveis pelo vazamento do vento. Isso desacelera o barco e incomoda os passageiros que pretende levar. Eles têm pressa e esperam que você os conduza bem.    
Repetições de palavras também são nódulos que precisamos tirar. Um texto não é como a fala, ele precisa estar limpo – problemas recorrentes nas peles que os mastros seguram. E que feia fica uma vela cheia de fios soltos. O que me faz lembrar às velhas bordadeiras. Observem-nas e aprendam. Elas não têm pena de destruir uma coberta inteira, tudo porque no meio dela há um fio solto. Quando (des)cobrem isso, puxam a linha até a parte que não se alinhou. E prosseguem dali. Como são sábias as velhinhas. Velhas capazes de tecer lenções perfeitos para grandes veleiros.
Sim, quero dizer com isso que produzir um texto requer um grande trabalho de releitura e desconstrução. Jamais terminamos uma tessitura. Escrevemos por meia hora, mas precisamos relê-la por duas. Segredinho para quem pensa que há “dom” para isso. “Aprendemos a fazer, fazendo.” Faça, e não tenha medo de ter que refazer, pois se não o fizer, não será capaz de atravessar nem sequer um riozinho. O tema que escolheu é um mar inteiro, não o subestime. A jornada é longa e um furo, seja no casco, seja na vela pode sim te afundar, ou se tiver sorte, só te atrasar. Cuidemos com isso.
Podem acreditar – todos nós vivemos um caos. Saibam que é muito difícil ser simples, complexo todos já somos. Eis o motivo pelo qual os novelos devem ser desenrolados devagar. Se achar complicado desenrolá-lo todo, enrole novamente, desfie o que já fez e recomece. É necessário estar preparado para quando ventar, pois quando o ar se movimentar, carecemos dar direção ao destino desejado. Ele é que levará nosso barco para além do oceano exigido.
Enfim, quer ser o capitão dessa caravela chamada Redação do Enem? Então afaste este texto, pegue uma folha e uma caneta e comece já a construir sua própria embarcação. Firme o mastro. O papel será sua vela.

Vamos trabalhar, marujos!