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sábado, 22 de junho de 2013

LEITURA: UMA CONDIÇÃO EXISTENCIAL

Quando falamos em leitura sempre nos vêm à mente aqueles velhos e surrados dilemas: “Mas eu não gosto de ler. Não tenho o hábito...”. Sim, isso tudo compreendemos. Contudo, esse tal de ‘não gostar’ pode até ser intragável a alguns paladares menos apurados, mas afirmar com tanta convicção que não é capaz de ler, meus amigos, é o mesmo que considerar-se, paradoxalmente, incapacitado de existir ou sentir nem que seja uma leve brisa ao lhe desgrenhar um pouco os cabelos, exatamente como vemos em funerais antes do corpo descer e esperar transformarem-se em poeira os fios do cabelo do novo morto.  
Acreditem, senhores, a leitura independe de nossas vontades, pois temos aparelhos ‘ledores’ e isso já vem de fábrica, vem de dentro, vem conosco. Eles são vivos, servem para sentir a vida, mas a nossa só é capaz de existir se formos capazes de sentir e deixar-se sentir pelas demais. Sim, falamos de nossos sentidos, todos eles, sem faltas. Falamos do tato, do olfato, do paladar, da visão e de alguns outros sensores que vão brotando com o tempo e com experimentações nossas para com as escritas feitas pelas anotações do mundo e nas páginas de nós mesmos.  

A leitura escrita, contrariando o que muitos tendem a acreditar, não define o processo de ler, pelo menos não integralmente. Enganam-se os que creem nisso, pois decodificar códigos gráficos (a escrita tal como a conhecemos no papel) é apenas uma de nossas muitas capacidades leitoras. Digo mais, esta é uma das poucas que não nascem conosco, de fato precisamos aprendê-la, jamais nascerá prontinha, mas uma vez apreendida, ela tende a crescer dentro de todos nós e apurar e confundir nossos outros veículos ‘ledores’. Sim, elas podem, inclusive, nos levar até a mais difícil e formidável de todas elas: a leitura de nós mesmos.

sábado, 8 de junho de 2013

A MULHER QUE CONVERSAVA COM OS VENTOS

“Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando.” Assim costumava dizer Ana Terra. Eis o vento, o tempo, O Tempo e o Vento... E aproveitando esta brisa, falemos então dela, de Ana, a Ana de todos os ventos.
Quem um dia não a imaginou real, perto, tão perto que chegou a reconhecê-la em um familiar distante? Já ouvi pessoas afirmarem ter sido Ana uma pessoa existente, ou no mínimo, que já existiu. Não os censuro, pois ela viveu em mim também. Viveu enquanto relia a obra (‘O Continente’, o primeiro livro da trilogia ‘O Tempo e o Vento’, de Erico Veríssimo). Sim, a personagem parida por Erico se perdeu em mim, foi ganhando formas novas sob minha voz, minhas imagens, meu conhecimento de mundo desnudado pela leitura.
Ouviram? Está ventando, algo importante vai acontecer... Então explico o que me aconteceu: o ventou zuniu um tempo novo aqui em casa, minhas leituras ganharam outra leitora. De Veríssimo para mim, de mim para minha filha. Sim, ela anda fazendo a velha cidadezinha de Santa Fé reviver dentro de si. Como é bom ouvir dela o fascínio das vozearias que brotam e vão reconstruindo o que há tempos já haviam ocorrido em mim... Desse modo, esses ventos já sopram além dos tempos, uma vez que sempre é hora de visitá-lo, basta dispor-se a sonhar e entregar sua fome aos apetites da obra.

Como sempre, não darei o resumo, muito menos tomarei posturas didáticas por aqui. A Literatura, assim como toda expressão artística, não está para moralizar ou te auxiliar em caminhos “certos” da vida, ela existe para inquietar. Aqui em casa reinventamos as nossas sob duas perspectivas: uma que refiz e outra refeita por minha filhota. Ler é isso: um caminho para pluralizar verdades. Pluralizar caminhos onde sopram ventos e onde se perdem todos os tempos... 

sábado, 1 de junho de 2013

SANDUÍCHES DE PAPEL

Não pense você que pode aprisionar um livro. Livros são livres. Eles não te pertencem. Não há motivos para deixá-los empoeirar. Contudo, sendo um pouco realista, não podemos também jogá-los desamparados de volta ao mundo. Precisamos saber para quem confiá-los. Costumo dizer que são eles quem escolhem suas novas casas, seus novos amigos, suas novas completudes. Quando um livro é deixado à sorte, esquecido num canto, já está na hora de ir. Livros empoeirados são como almas no limbo. Almas lutando para voltar novamente a ter um corpo, uma voz, uma vida nova. Não os aprisionemos, pois se o fizermos, mundos podem nunca acontecer, assim como a verdade pode nunca ter a chance de se pluralizar.  
Há quem os use para decoração. Livros não são bons nisso. Fechados não passam de sanduiches recheados com muito papel. Mas sabem o que é mais engraçado e não menos interessante em toda essa desmedida estética na visão vazia de uma obra fechada? Só quando abertas são capazes de matar a fome de nós mesmos, de outros de nossos sentidos. Fomes de vozes que nem sabíamos que tínhamos. Fome daquela velha matéria-prima da qual se fazem os sonhos: que é a imaginação. Portanto, penso que ler é o exercício de imaginar, de treinar para o sonho, de inquietar, de reinventar e reinventar-se. Livros não servem para decorar ambientes. Livros só existem quando deixamos que nos leia, quando nos abrimos para eles, sim, muito antes de abri-los. Esquecê-los é esquecer uma parte que poderia ser sua.
Para encerrar, completo a reflexão com o pensamento do colega e amigo Professor Irineu Di Mario, logo após ter lido a primeira parte desse escrito/desabafo. Disse ele:

“Esse é um dos motivos legais de comprar em ‘sebos’, alí nos deparamos com obras que já pertenceram a outras pessoas e casas, enfim.”