Não havia mais salvação. Os espíritos estavam transtornados. As vozes
andavam confusas, eram muitas vozes. O professor andava perdido, sem norte. Desse modo, não demorou muito para que uma doença o assolasse: a doença da alma.
Assim, em profunda depressão, eis que a sabedoria, sem que soubesse, apareceu
pequena para que ambos crescessem juntos. Assim foi, a ‘panaceia’ veio vestida
como uma gata. Seu nome? Não poderia ter sido menos do que Sabedoria. Assim foi.
Eis a história:
“Maio, de 2012.
Quando tudo anda perdido, eis que
vem um amigo para adotar nossos espíritos e amá-los independente de todas as
suas imperfeições. Assim me sinto desde que adotei Sofia, minha gatinha de
estimação (que prefiro que seja tratada pelo nome, pois não o pus por obra do
acaso). Explico: há tempos ando observando os bichanos. E em uma tardinha,
acompanhando um em especial, prestei-me ao seguinte relato: ‘Vi um gato atento
no telhado da casa, assim, quietinho, só esperando o momento oportuno para
saltar. Sabia que, apesar da longa parada e do cálculo, ele se moveria rápido e
de maneira que logo o perderia de vista. Assim, enquanto refletia sobre a
habilidade felina em ponderar, pisquei e o felino desapareceu.’
Depois disso, naturalmente, fiquei dias e dias refletindo sobre a
possibilidade de ter um desses seres tão interessantes por perto. Claro, como
membro de uma família com quatro componentes, tivemos que deliberar, pois não
seria uma decisão qualquer, atropelada. Tratava-se do quinto membro. Precisava
de votos. Fiz a campanha e, com isso, fui ganhando atenção. O impacto foi bem
recebido e amortecido pelo recente acontecimento, minha cocota Creúsa havia
morrido e – confesso – isso ajudou no resultado. Depois de convencer a todos da
casa, comecei a epopeia da busca do amigo. Perguntei aqui. Falei com alguns
amigos nas redes sociais... E quando menos esperava – em meio a um aniversário
– surge a oportunidade. Recebi a notícia de que uma gata havia parido
recentemente, bastava apenas aguardar que seus meninos e meninas desmamassem.
Semanas depois, ansioso, minha filha e eu fomos buscá-lo. Vi muitas figurinhas
bem tratadas, com uma mãe dedicada ao entorno e uma dona feliz conversando
comigo sobre o futuro de um deles. Escolhemos uma, a cinza, a Sofia.
Enfim, sem esperar que tudo fosse tão intenso, acabei apaixonando-me por
ela, não apenas eu, mas minhas filhas e esposa também. A casa se iluminara de
uma forma que até eu passei a correr e brincar por todo o canto atrás de todas
as minhas gatinhas. E, ainda hoje, quando todas estão fora, passamos horas,
apenas Sofia e eu, lendo e conversando em uma conversa desconversada, sem
compreensão linguística, mas em contato de um contrato feito de carinho e
reciprocidade. Sofia salvou-me de mim, equilibrando-me com seus ronrons... Não
é à toa que Sofia vem do grego e significa sabedoria. Sábia Sofia!”
“02 de Março, de 2014
Encontrei a Sofia, os cachorros a pegaram. E se acham a imagem forte, não
me importo: "comedia finita est". Não é para ter graça mesmo, é para
ter força, pois um rio já saiu inteirinho de dentro de mim e está saindo ainda,
bem agora enquanto minhas mãos tremem para digitar... E para que ambos virem
terra e mundo mesclados com um pedação que se amputa de mim, resolvi enterrá-la
junto com o último livro que lemos, só eu e ela. Sim, Filo + Sofia = o amigo da
Sabedoria. Fica o amigo, morre a Sabedoria. É certo, acabo de enterrar uma
pequena biblioteca, a melhor leitora que tive de mim. Obrigado por me ajudar
quando estive deprimido, lamber meus cabelos e pelo mestrado que me ajudou a
concluir. Parece que veio ao mundo só para isso, me fazer Mestre. Quero minhas
vozes de volta, estou confuso...”
“04 de Março, de 2014
Quando chegou era assim, olhos cheios de silêncios. Contudo, ninguém
nunca pôde me falar tanto sem usar palavra alguma, eram vozes demais dentro de
minha cabeça, eu estava doente, tu é que me afinou. Veio quando eu precisava,
parece que foi feita para me salvar e só saiu quando viu que eu estava já
pronto: uma semana depois de eu ter garantido aquilo que, sem você, teria me
custado a sanidade. Sofia, tu duraste o tempo de um mestrado e foi a melhor
companheira de leitura que alguém poderia desejar, pois cada linha escrita,
cada livro lido para minha dissertação/para a nossa dissertação ainda cheira a
você, nelas estão você. Sim, nunca me senti tão especial, se sofro é natural,
pois é como uma filha que se vai. Se te mereci, não sei, mas me sinto honrado
por ter me escolhido. Veio para me proteger de mim mesmo. Ah, guria, não
aguento mais, mas se veio para isso, pode ir, me deixe aqui, já estou salvo,
querida! Vá! Mas vá com a certeza de que te amo muito, menina!”
E a vida seguiu. Teve que seguir...
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