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quarta-feira, 5 de março de 2014

SOFIA E O PROFESSOR

Não havia mais salvação. Os espíritos estavam transtornados. As vozes andavam confusas, eram muitas vozes. O professor andava perdido, sem norte. Desse modo, não demorou muito para que uma doença o assolasse: a doença da alma. Assim, em profunda depressão, eis que a sabedoria, sem que soubesse, apareceu pequena para que ambos crescessem juntos. Assim foi, a ‘panaceia’ veio vestida como uma gata. Seu nome? Não poderia ter sido menos do que Sabedoria. Assim foi. Eis a história:
“Maio, de 2012.
 Quando tudo anda perdido, eis que vem um amigo para adotar nossos espíritos e amá-los independente de todas as suas imperfeições. Assim me sinto desde que adotei Sofia, minha gatinha de estimação (que prefiro que seja tratada pelo nome, pois não o pus por obra do acaso). Explico: há tempos ando observando os bichanos. E em uma tardinha, acompanhando um em especial, prestei-me ao seguinte relato: ‘Vi um gato atento no telhado da casa, assim, quietinho, só esperando o momento oportuno para saltar. Sabia que, apesar da longa parada e do cálculo, ele se moveria rápido e de maneira que logo o perderia de vista. Assim, enquanto refletia sobre a habilidade felina em ponderar, pisquei e o felino desapareceu.’
Depois disso, naturalmente, fiquei dias e dias refletindo sobre a possibilidade de ter um desses seres tão interessantes por perto. Claro, como membro de uma família com quatro componentes, tivemos que deliberar, pois não seria uma decisão qualquer, atropelada. Tratava-se do quinto membro. Precisava de votos. Fiz a campanha e, com isso, fui ganhando atenção. O impacto foi bem recebido e amortecido pelo recente acontecimento, minha cocota Creúsa havia morrido e – confesso – isso ajudou no resultado. Depois de convencer a todos da casa, comecei a epopeia da busca do amigo. Perguntei aqui. Falei com alguns amigos nas redes sociais... E quando menos esperava – em meio a um aniversário – surge a oportunidade. Recebi a notícia de que uma gata havia parido recentemente, bastava apenas aguardar que seus meninos e meninas desmamassem. Semanas depois, ansioso, minha filha e eu fomos buscá-lo. Vi muitas figurinhas bem tratadas, com uma mãe dedicada ao entorno e uma dona feliz conversando comigo sobre o futuro de um deles. Escolhemos uma, a cinza, a Sofia.
Enfim, sem esperar que tudo fosse tão intenso, acabei apaixonando-me por ela, não apenas eu, mas minhas filhas e esposa também. A casa se iluminara de uma forma que até eu passei a correr e brincar por todo o canto atrás de todas as minhas gatinhas. E, ainda hoje, quando todas estão fora, passamos horas, apenas Sofia e eu, lendo e conversando em uma conversa desconversada, sem compreensão linguística, mas em contato de um contrato feito de carinho e reciprocidade. Sofia salvou-me de mim, equilibrando-me com seus ronrons... Não é à toa que Sofia vem do grego e significa sabedoria. Sábia Sofia!”
“02 de Março, de 2014
Encontrei a Sofia, os cachorros a pegaram. E se acham a imagem forte, não me importo: "comedia finita est". Não é para ter graça mesmo, é para ter força, pois um rio já saiu inteirinho de dentro de mim e está saindo ainda, bem agora enquanto minhas mãos tremem para digitar... E para que ambos virem terra e mundo mesclados com um pedação que se amputa de mim, resolvi enterrá-la junto com o último livro que lemos, só eu e ela. Sim, Filo + Sofia = o amigo da Sabedoria. Fica o amigo, morre a Sabedoria. É certo, acabo de enterrar uma pequena biblioteca, a melhor leitora que tive de mim. Obrigado por me ajudar quando estive deprimido, lamber meus cabelos e pelo mestrado que me ajudou a concluir. Parece que veio ao mundo só para isso, me fazer Mestre. Quero minhas vozes de volta, estou confuso...”
“04 de Março, de 2014
Quando chegou era assim, olhos cheios de silêncios. Contudo, ninguém nunca pôde me falar tanto sem usar palavra alguma, eram vozes demais dentro de minha cabeça, eu estava doente, tu é que me afinou. Veio quando eu precisava, parece que foi feita para me salvar e só saiu quando viu que eu estava já pronto: uma semana depois de eu ter garantido aquilo que, sem você, teria me custado a sanidade. Sofia, tu duraste o tempo de um mestrado e foi a melhor companheira de leitura que alguém poderia desejar, pois cada linha escrita, cada livro lido para minha dissertação/para a nossa dissertação ainda cheira a você, nelas estão você. Sim, nunca me senti tão especial, se sofro é natural, pois é como uma filha que se vai. Se te mereci, não sei, mas me sinto honrado por ter me escolhido. Veio para me proteger de mim mesmo. Ah, guria, não aguento mais, mas se veio para isso, pode ir, me deixe aqui, já estou salvo, querida! Vá! Mas vá com a certeza de que te amo muito, menina!”
 E a vida seguiu. Teve que seguir...


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