Certo dia, sentada em
frente da casa, uma senhora de espíritos rejuvenescido pelo excesso de idade
foi abordada por um velho que somava, no máximo, quinze anos:
–
O que está olhando?
–
Nada. – desassuntou a mulher.
–
Ora, nada! Não vê que me assustou, sua bruxa?!
Pobre senhor de pouca
raça! (Sim, o tempo te dá muitas raças. Cada versão nova de nós pertence a uma
devida e única etnia. Quanto mais se (des)vive, mais povoamos o corpo de
juventude) O que o idoso não sabia era que o nada também é de tudo um pouco,
ele pode ser um mestiço ou a multidadão de muitas nações. Aquele olhar que
havia recebido pertencia a uma plural verdade que, por ser tão vivido de uma só
vida, jamais poderia entender. Ele mesmo, debutante, não tinha olhos para
lamber os outros gostos que teve de si mesmo até aqui. Sendo assim, nunca
poderia entender de juventudes, sempre achou que o Sol de ontem é o mesmo de
hoje.
– Menino, meu nome é Marta, a dona da casa. Bruxa?
–
Por que ficou me encarando enquanto eu passava? Fique assustado.
–
Nada. Como eu disse, nada.
–
Então, sra. Marta, gasta vida tentando
ver nada nas pessoas?
–
Moço, sem água as piranhas não tem poderes. Sem as pessoas, eu é que não tenho.
Construo meus tudos através das várias raças de tempo que os olhares me trazem.
–
Maluca!
E se foi.
A mulher ficou ali.
Tentou buscar outra em suas interioridades, aquela que, como o rapaz, não
ultrapassava os quinze. Encontrou. O tempo, tal como havia previsto, trouxe
novamente aquela velha que tirou do baú. Contudo, logo recordou: “Oitenta! Esta
sim é a mais nova de todas as que fui.” Sentia-se mal por não poder mais
retornar às suas oitentações. Olhou para o rio que passava do outro lado da
rua, mas as águas pareciam parar.
Assim, Dona Marta deixou
de habitar aquela casa para fazer parte da correnteza. Aquela última foi a mais
jovem que a força daquelas raças ribeirinhas poderiam lhe dar. Atravessou e
ficou bem ali, presa com aquela de si mesma que recordou: uma terceiraidosa de
quinze anos de idade.
E o rio continuou de
onde havia parado...
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