Estamos cheios de lonjuras, as mais distantes estão
dentro da gente.
Não lembro o ano.
Estávamos ali, em uma das disciplinas do Curso de Letras – Literatura Africana
de Expressão Portuguesa, para ser mais exato. Imersos pelo encanto que aquelas
verdades nos provocavam, ao meu lado vi uma figura. Tratava-se de uma menina
magrinha e que, aos poucos, afinava-se conosco. Já havia a conhecido entre os
bancos ‘azuis-infinitos’ das aulas de Antropologia Cultural, mas naquele
momento, igualmente fascinados, dividíamos um azul diferente, agora colorido pelas
costuras que nos ensinavam os mestres-agulhas de outros tecidos: os da
Literatura.
Falei em tecidos, no
entanto, para fora dos panos acadêmicos, ouvi dela uma história que enredou
outros alinhamentos. Então, durante alguns intervalos, compartilhou comigo
parte daquelas vontades reais, dessas que se engordam em pontos pouco mais
difíceis do que qualquer teoria de alfaiate. O que me fez pensar: “Nossa! Seus traços
entrelaçam-se pelas franjas da vida. Ela é uma bordadeira.”.
Pois então, saibam que para
ocupar um daqueles bancos azuis, a moça teve que viajar bastante. Soube que em
determinados momentos (geralmente à noite), ela pegava sua bicicleta e pedalava
do interior de Vera Cruz até a cidade vizinha, onde, cansada, podia desfrutar
das vozes que emanavam do Curso de História, sua paixão. E não, ela não era
esportista – se querem saber – fazia isso porque tinha que fazer, por
necessidade mesmo. Na época não havia outra maneira para chegar. Então, cheia
de coragem, fez de sua ‘monark’ um passaporte.
Assim ela andou por
muito tempo. Para os menos sábios, aquele veículo não passava de um amontoado
de ferro retorcido sobre duas rodas (e como os olhos nos traem!). Naquela bicicleta
ganhava estrada uma historiadora, Mestre e, hoje, doutoranda em Arqueologia – ciclista
de pistas sinuosas e de distâncias muito mais longas do que qualquer outra
lonjura. Refiro-me às lonjuras de dentro da gente.
Enfim, hoje a menina
não precisa mais pedalar – pelo menos não naquela monark. Neste momento pega
carona nas palavras e se "enlenha" preparando-se para, como uma faísca
crescida por um sopro, virar uma fogueira enorme. A garotinha magrinha e que só desejava
assistir às aulas na Universidade, agora virou Patronesse, não apenas da Feira
do Livro (de Vera Cruz), mas da vida. É só tirar um tempinho para ouvi-la.
Peçam esta história. Ouçam a menina Marina Barth... Peguem carona em sua
bicicleta.
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