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sábado, 19 de setembro de 2015

A MENINA E SUA BICICLETA

Estamos cheios de lonjuras, as mais distantes estão dentro da gente.

Não lembro o ano. Estávamos ali, em uma das disciplinas do Curso de Letras – Literatura Africana de Expressão Portuguesa, para ser mais exato. Imersos pelo encanto que aquelas verdades nos provocavam, ao meu lado vi uma figura. Tratava-se de uma menina magrinha e que, aos poucos, afinava-se conosco. Já havia a conhecido entre os bancos ‘azuis-infinitos’ das aulas de Antropologia Cultural, mas naquele momento, igualmente fascinados, dividíamos um azul diferente, agora colorido pelas costuras que nos ensinavam os mestres-agulhas de outros tecidos: os da Literatura.
Falei em tecidos, no entanto, para fora dos panos acadêmicos, ouvi dela uma história que enredou outros alinhamentos. Então, durante alguns intervalos, compartilhou comigo parte daquelas vontades reais, dessas que se engordam em pontos pouco mais difíceis do que qualquer teoria de alfaiate. O que me fez pensar: “Nossa! Seus traços entrelaçam-se pelas franjas da vida. Ela é uma bordadeira.”.
Pois então, saibam que para ocupar um daqueles bancos azuis, a moça teve que viajar bastante. Soube que em determinados momentos (geralmente à noite), ela pegava sua bicicleta e pedalava do interior de Vera Cruz até a cidade vizinha, onde, cansada, podia desfrutar das vozes que emanavam do Curso de História, sua paixão. E não, ela não era esportista – se querem saber – fazia isso porque tinha que fazer, por necessidade mesmo. Na época não havia outra maneira para chegar. Então, cheia de coragem, fez de sua ‘monark’ um passaporte.
Assim ela andou por muito tempo. Para os menos sábios, aquele veículo não passava de um amontoado de ferro retorcido sobre duas rodas (e como os olhos nos traem!). Naquela bicicleta ganhava estrada uma historiadora, Mestre e, hoje, doutoranda em Arqueologia – ciclista de pistas sinuosas e de distâncias muito mais longas do que qualquer outra lonjura. Refiro-me às lonjuras de dentro da gente.
Enfim, hoje a menina não precisa mais pedalar – pelo menos não naquela monark. Neste momento pega carona nas palavras e se "enlenha" preparando-se para, como uma faísca crescida por um sopro, virar uma fogueira enorme.  A garotinha magrinha e que só desejava assistir às aulas na Universidade, agora virou Patronesse, não apenas da Feira do Livro (de Vera Cruz), mas da vida. É só tirar um tempinho para ouvi-la. Peçam esta história. Ouçam a menina Marina Barth... Peguem carona em sua bicicleta.  

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