O tempo faz parecer que tivemos muitas vidas dentro
da mesma vida – principalmente se somos leitores. Mas hoje não vou narrar a
história de nenhum livro que gostei, pelo menos não diretamente. Contarei sobre
as dedicatórias que marcaram alguns dos que ganhei e me ganharam nas
interioridades.
Certo dia um sebo me revisitou em seu próprio lugar.
Como sempre, seu ar estava temperado de velhices e vozes esquecidas. Mas então
um “livrinho” me veio amar os olhos. Gritou pra mim, o pequenino. Pus as mãos
nos bolsos e a gordura dos vazios que envolviam as poucas moedas que eu tinha,
para minha tristeza, só se diferenciavam por uma nota de pouco valor, esta lhes
serviam de coberta – moedas são frias, todo o dinheiro é. Disfarçado pelo pouco
poder de compra, abri aquele ‘livro-menino’ e encontrei o seguinte pedido: “’Não
despreze estes livrinhos antigos. Este traz uma cômica tradução da vida’.
Carmem Heck, março/2010.”. Tratava-se de
“As mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch. Ainda o tenho aqui, ele está sorrindo
bem na minha frente enquanto meus dedos ‘cronicam’ este texto pra ti. Já deve
saber. Sim, comprei. Li todo o rapazinho em voz alta até que minhas próprias
vozes se afinaram com as dele. Hoje, depois de muitos anos, ele ainda é uma das
obras que mais amo. E pensar que paguei apenas R$ 1,50 nele. Parece irônico,
não parece?
Ah! Recordo agora de outra bela dedicatória. Ela veio
do Anderson, fazia Filosofia, na época. Disse que havia ouvido nas vozes de Dostoiévski,
um comunicado sobre a vontade que uma de suas obras tinha em morar ali atrás de
meus olhos. Quando dois volumes de “Crime e Castigo” (distribuídos em duas
partes) estenderam-se na carona de suas mãos. Abri o primeiro, e encontrei isto:
“’Só há uma maneira de escrever para todos, é escrever sem pensar em ninguém,
escrever para o que existe em nós de essencial e profundo’. Marcel Proust.
Verão em Julho/2010. Ao amigo Dilso, um espírito evolutivo”. Mas para
minha surpresa, ao iniciar a leitura da obra. Vejam só o que encontrei: “Numa
dessas tarde mais quentes dos princípios de julho...”. Lindo, não é?
Já em outro caso (prometo que será o último que
conto por aqui), eis uma dedicatória que eu mesmo fiz. Explico:
"Em um depoimento em branco
Há muito do que já foi dito
Diferente do vazio, que não tem cor,
O nada no infinito."
Pois é. Em 31 de janeiro, de 2011 escrevi estes
versos na primeira página de um livro que ganhei de presente: um ‘pocket’, de
Fernando Pessoa. Como o amigo não havia feito dedicatória alguma, louvei o ato
dedicando ao nada aquele vazio bem cheio. Ainda mantenho seu nome no nome que
não digo, pois hoje, ao catar uns versos do tal livro, encontrei-o em branco na
folha de rosto que o tempo desmascarou. Ah! Ainda me lembro daquele Ninguém que
existiu e existe no que não disse!
Enfim, não esqueçam: mesmo que compremos ou ganhemos
livros, eles não são nossos, pertencem ao mundo. O que fazemos é dedicá-los aos
espíritos, às memórias e a esta, que é a mais difícil das tarefas: deixá-los
partir quando necessário.
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