Manhã, o sol ainda nem
nasceu, mas estou aqui. Fico esperando que uma nova verdade renasça. Fico
aguardando por mim. Neste meio tempo, penso no que prometi aos meus pais: “vou
melhorar!”
Nem sempre estive aqui.
Passei uma temporada perdido dentro de mim mesmo. Estive em um inferno tão
profundo que não vale nem a pena espiar. Pela manhã, como sempre, ia até a casa
de minha família para tentar sair daqueles “dentros” sombrios. Não aguentava
mais tanta escuridão. Minha mãe, tentando iluminar alguns de meus cantinhos,
sempre ressaltava o melhor do que eu era. Meu pai, mais duro, dava-me um pouco
de realidade, mas para o bem. Sempre que voltava para casa – sozinho – lia como
nunca li. Até quando não fazia, as palavras pareciam que se espalhavam em murmúrios
constantes naqueles escuros interiores que eu carregava. ‘Esquizofrenia’ –
pensei. Sim, era um início! Nunca a entendi bem e confesso que até sinto falta
daquelas vozes todas que se desprendiam de meus livros sem que eu os abrisse. Ah,
se eu estivesse bem...
Não, confesso que não
voltei sozinho para minhas interioridades. Mesmo sabendo que todos estamos a
sós por debaixo de nossas peles (como quer Paulo Autran). Sabia que precisava
de ajuda. Certa tarde, então, meu pai me levou até um lugar, num campo desses
que se fazem rodeios. Tratava-se de um Centro de Tradições Gaúchas, um CTG. Ali
no Candeeiro da Amizade (nome do Centro) vi muitas pessoas e cavalos. Mas não
eram homens comuns, nem mesmo os equinos dali se classificavam assim. Vi que
havia mais no mundo além de meu sofrimento pessoal. Já li muita coisa nesta
vida, mas nunca tinha visto, ao menos não com meus próprios olhos, tanta força
de vontade para viver. Olhei para o meu pai e perguntei: “Eles têm algum
problema? Quem paga por isso?” E sem olhar para mim, ele respondeu: “Ninguém.
Os fisioterapeutas, os psicólogos e até os puxadores fazem isso
voluntariamente. Sou um deles. Creio até que nem os cavalos se importam em
receber tanto carinho daquelas crianças, pequenos que se sentem incapazes de
existir como nós. São especiais. Todos eles são!”
Nossa! Na semana
seguinte passei a melhorar. As vozearias dos livros começaram a obedecer minhas
vontades. Meu mundo, aos poucos, andou se clareando. Senti-me um egoísta, um
ex-prisioneiro do próprio corpo. Como podia estar me sentindo mal comigo mesmo?
Aqueles meninos sobre o cavalo. Aqueles ‘centaurinhos’ eram muito melhores do
que eu. Nisso comecei a sarar e minhas manhãs são só de espera. Reverencio o
Sol.
Hoje não sou mais
frustrado, sou um “frestrado”. Deixo que as luzes entrem.
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