Hoje, buscando
referências para uma possível crônica, fui até a bibliotequinha de minha filha
e encontrei o “Me ajude a chorar”, do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar. Logo
de início dei de olhos com uma epígrafe de Pablo Neruda: "Posso escrever
os versos mais tristes esta noite". Como não sou poeta (não tenho a
verve), narro as ‘desacontecências’ do impacto que o verso me causou.
Explico:
Minhas tardinhas não
sabem de mim, elas é que me impõem as suas “noturnações”. Por outro lado, hoje
à tarde, ao observar o mundo pela minha janela, ocorreu-me isso: “Cada bater de
asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se
repete.” Sim, estar triste é isso. É se esquecer de tudo o que é único e
lembrar somente do que não volta mais. Como dizem os populares: “Ao olharmos
para o passado, engordamos a depressão; para o futuro, a ansiedade.” Mas
advirto: Se pensamos em uma dessas situações durante o dia, quando a noite chegar,
ela te fará a cobrança. A dama escura é compreensiva – tudo bem! –, contudo, ela
insiste em nos acender as memórias mais tristes por debaixo de seu manto.
Houve um tempo em que
eu dormia, trapaceava seus encantos, seu manto. Hoje virei um “noturnador”.
Deixo-me acender pelos grilos que iluminam meu gramado enquanto eu fico aqui
dentro, nos interiores. Razão sempre há para “sofrenar” uma distância, ou quem
sabe um perto mais íntimo. Isso pode até causar prazer, se bem canalizado.
Nesta noite culpo o poeta. Senti-me obrigado a contar o quanto repercutiu em
mim aquele verso. Sinto-o ainda ressoando, como um veludo arraigado na pele.
Noite, neste momento
ela me cobre, eu é que me descubro dela. Não tem jeito, meus pés sempre ficam
pra fora – se não eles, a cabeça. Apesar de grande, a escuridão parece pequena,
sempre “enfaroa” alguma luz, esta “enfarenta” iluminação que não me deixa dormir.
A única possibilidade de libertação está aqui, escrever, “noturnar” a tristeza
que me causou esse sussurro do Neruda. Quanta inquietação!
É difícil deixar isso
pra lá. Queria não ter aberto o livro. Por que fui procurar vontades que eu
ainda nem tinha? Bom! Agora já não posso fugir. Passarei a madrugada com esse
pedaço de víscera do Pablito a se palavrear no ritmo do peito. Fugir? Poderia.
Só que para isso teria que ter antevisto aquele bater de asas dessa borboleta
chilena. Quantas batidas mais preciso dar só para tentar entender uma única
batida?
E o poema segue voando,
enfim!
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