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quinta-feira, 21 de abril de 2011

OS TEARES DA ESCRITA E A IMPORTÂNICA DE TECER**

  O tecido pode ser o melhor condutor para sentirmos que o prazer pode ser experimentado, também, através das pontas de nossos dedos... O mundo compreendido pelo tato pode fazer com que reflitamos sobre algo mais do que simplesmente o fim e a futura utilidade que o pano terá. O tipo de fio, a maneira como ele foi tramado e, enfim, a forma que tomou, contribuirá para que aprendamos sobre as várias texturas até que possamos, finalmente, poder tecer – fiando com nossas próprias linhas coloridas – uma “fazenda” (do verbo fazer) que o mundo olhará, sentirá e saberá que foi feita pelas nossas mãos.
  A construção de ideias utilizando-se das palavras é isso (não é à toa a relação: tessitum, tecido, textura, texto...). Ao lermos boas obras, fatalmente, sentiremos os seus veludos, desde um simples véu até as mais finas das sedas. É necessário primeiro senti-los para depois fazer-se sentir pelos tecidos produzidos dentro de nosso próprio tear.
  Para tanto devemos ter consciência de que para construir é necessário às vezes desconstruir. Peguemos o exemplo da rainha de Ítaca: todos conhecem – acreditamos – a história dessa grande personagem épica. Na voz de Homero, dentro da primeira parte da Odisseia, encontramos Telêmaco, (filho de Odisseu e Penélope, governantes de Ítaca) aturdido e assediado pelos pretendentes de sua mãe que já estavam de olho no trono. Todos sabem que Odisseu, após ter ajudado a conquistar Troia, passou muitos anos tentando voltar para casa. Seus compatriotas, naturalmente, já não acreditavam que um dia ele retornaria. Inclusive, algumas pessoas fomentavam a ideia de que a rainha deveria casar-se novamente, o que fez crescer o número de candidatos ao matrimônio e, em consequência, ao trono. Penélope, já sem argumentos, decidiu então que se casaria novamente, mas antes precisaria tecer uma mortalha em homenagem à memória de Odisseu. Ao mesmo tempo em que a obra ia tomando forma em suas tessituras diurnas, à noite, tomada por um sentimento de esperança de que o marido retornasse, a mulher desmanchava a mortalha para no dia seguinte retomar e ganhar ainda mais tempo. Contudo, sabemos que para alegria de Telêmaco e Penélope, Odisseu finalmente teve o tempo que necessitava para conseguir retornar e vencer todos aqueles que desrespeitaram sua família e seu reino.
  Na maioria das vezes, ao confeccionarmos nossos tecidos, precisamos desfiá-los e reformulá-los. O mais incrível é que, assim como Penélope, ganhamos tempo com isso, pois o processo que permeia a composição e a trama das linhas depende muitas das vezes em que nos propusermos a retornar ao ponto de partida. Insistirmos no processo, alheios à crítica dos toques, resultará em panos falhados e cheios de nódulos quebradiços à sensibilidade dos dedos que possivelmente os sentirão. Nesse momento, mesmo a contra gosto, devemos aceitar o ponto de vista e o tato de outrem e não ter medo de recomeçar, dessa vez, acertando melhor os pontos observados. Para os que creem que Penélope não chegou a lugar algum com sua paciência, pensem que na verdade ela confeccionava algo muito maior do que uma mortalha, ela tecia com o TEMPO na perca e no ganho de sua construção e desconstrução. Ao invés de uma indesejável mortalha, a rainha teve de volta tudo o que perdera, uma vez que se permitiu perder para, no final das contas, ganhar. Imaginem se ela terminasse esse tal pano dos mortos? Odisseu certamente teria mais uma epopeia para enfrentar. Ao invés disso, Ítaca acabou tornando-se um grande tear onde as boas novas acabaram sendo, no final, bem amarradas pelas linhas do tempo e pelas mãos hábeis da rainha de Ítaca, que conseguiu tramar um pano esplêndido e bem sucedido.
  Enfim, esclarecendo, ao contrário do que a grande maioria pensa, o ato de produzir um texto não está vinculado a alguma força divina que nos sopra aos ouvidos e nos vem inspirar. A palavra chave para uma boa produção textual é ‘trabalho’. Deve-se cultivar o hábito da leitura e submeter suas produções a releituras, a reescritas e – fundamentalmente – à crítica (pedir para que outros sintam a textura e apontem para os fios soltos que precisam ser concertados ou refeitos). Estes são alguns elementos que fazem parte dessa construção. A atenção a esses pontos é fundamental para que não se abandone o processo de estar sempre trabalhando com ideias que já se desenvolveu. Pois o texto, assim como nosso conhecimento de mundo, sempre está em constante transformação. E são todos esses elementos que vão dando forma e cor aos nossos tecidos.
  Agora, com posse da linha, é sentar, puxar um fio e começar sua trama...

** Texto reformulado, ampliado e revisto. Ofereço a todos os meus amigos da blogosfera, grandes tecelões.