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sábado, 28 de fevereiro de 2015

NO BANCO-CARONA DA BICICLETA DE MEU PAI...


Quando era criança, lembro que o mundo parecia bem maior. Minhas memórias, às vezes, piscam para lances assim. Não recordo de tudo, mas o que me vem parece nunca ter saiu de mim.
Anos 80, eu devia ter por volta de uns cinco ou seis anos. Naquele dia, feliz da vida, meu pai resolveu me presentear com um relógio de plástico. O bonito era de verdade, sua marca era Casio (mais tarde aprendi que não se pronuncia “Cássio”, mas “Cazio”, sabe como é, quando o “S” está entre duas vogais o som acaba se “zeificando”). Dessabido disso – ainda nem sabia ler –, jurei que se um dia tivesse um filho ele se chamaria assim, de tão contente que fiquei com aquilo. Se eu conhecia as horas? Não, não conhecia. Mas eu era criança e o tempo é plural quando somos pequenos. Há muitos tipos de tempos naqueles meninos que fomos. A cada minuto éramos um novo de nós mesmos – ainda somos. Só andamos meio esquecidos.
Animado com a minha animação, meu pai então resolveu me levar até o centro da cidade para comprarmos, agora, uma calculadora. Para a situação e para a época era um presente maravilhoso. Parece pequeno, não parece? Mas a coisa toda aconteceu durante a viagem até lá. Acomodado no banco-carona de uma velha ‘monarque’, fui contemplando aquelas arquiteturas gigantesca. A cada esquina meu “velho” olhava para trás e apontava alguma coisa nova. Como as casas eram grandes e as ruas largas, quase sem fim! Parecia até uma aventura daquelas de filme. O encanto exigia muito mais do que um par de olhos. Nem pensei mais na maquininha. A epopeia pelo “velo de ouro” (a calculadora) era melhor, maior. Acho que foi minha primeira grande viagem para fora de minhas “brincriações” solitárias de garoto.
Se hoje sou essa pessoa “voadora” e que não sabe escrever nada objetivamente, devo isso aos meus pais. Mesmo passando por frias bem grandes e trabalharem como mulas, não me deixaram sentir nada disso. Nem da moeda da época sou capaz de lembrar, porém, como uma fotografia, posso ver nitidamente o contentamento dos olhos daquele homem me mostrando o mundo enquanto pedalava para o infinito cujo destino era uma lojinha de Paraguai.

Hoje as coisas ficaram pequenas, menos coloridas. Continuo passando pelas mesmas ruas de antes, só que não do mesmo modo, a frieza da rotina me fez olhá-las com indiferença. Cresci tanto que só agora me dei conta de que tive um mundo bem maior naquele banco-carona de bicicleta... 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

‘BONITEZAS’ DE CRIANÇA


O maior mistério de todos, sem dúvidas, se passa na cabeça de uma criança, pois são seres apaixonados e curiosos. Nem o que é pequeno lhes escapa. Nós, que sofremos com a doença da “adultez”, já fomos capazes disso, mas a patologia envolve também a amnésia e, como era de se esperar, esquecemo-nos de que um dia também fomos apaixonados pelas coisas mais bobinhas. Bobinha é a defesa usada para manter-se frio e “razoar” as “bonitezas” sutis da vida. “Não, não é assim que se fala, menino! O certo é “beleza”!” Amigos, ‘quando a criança ‘erra’ na gramática, eis que surge uma poesia’, palavras de um poeta, o Manoel de Barros, um garoto que tinha 97 anos de existência – e ele ainda existe, já que crianças não morrem, elas continuam ali, em algum cantinho de nós. No que corrijo: quando adultos, não ficamos apenas desmemoriados, ficamos também cegos para dentro.  
Nunca subestime a sabedoria de uma criança. Vejam como se animam para o primeiro dia de aula. Se a sociedade (adulta) amasse a escola como os pequenos amam, certamente, já estaríamos entre os países mais desenvolvidos do mundo. No que replica um rapaz: “Mas escola não é tudo!” Na certa que não, mas é um bom começo para todo o resto. Imaginem nossos governantes considerando os educandários como lugares importantes e de merecido investimento. Alunos recebendo banquetes e sendo agraciados com livros novos (a sua escolha), já no primeiro dia. ‘Sonho?’ Pode ser. ‘Investimento para longo prazo’, diriam outros. ‘Não dão votos’, mais outros. ‘Até ele votar já estarei aposentado’, pensa um político mais maquiavélico. Pois é, o emaranhado de situações que envolvem a educação faz com que, junto conosco, os futuros moradores do mundo sejam engavetados – junto às aranhas – em enormes gavetas empoeiradas e cheias de mais papéis.
Quer pensar no futuro? Então cultive o presente, porque o futuro não existe, hoje é que é o futuro de ontem. Deixar de investir na educação é desequilibrar o amanhã, que já será o futuro desses tantos ‘agoras’ que há. O tempo urge, cavalheiros, precisamos ouvir o que a paixão dos pequenos clama. O relógio deles também corre. Logo se tornarão um desses frustrados da vida, feito nós.
Não é uma “boniteza” observar os pequenos engrandecendo os espíritos em um primeiro dia de aula? Pois então vamos prolongar isso. Nenhuma paixão deve deixar de queimar. Se apagar, a culpa é toda nossa. E só nossa!


domingo, 22 de fevereiro de 2015

DESABAFO INÚTIL


Não, não sou escritor. Poeta, muito menos. Sentir-se assim exige justeza de sentidos e pensamentos. Saibam, sou incapaz de dizer algo para além da fala, a alma precisa saber braile, deixar-se invadir pelos ‘falos’, que são os dedos. Portanto, já que não sei fazer amor com as palavras, considerem-me um “escrevinhador” livre e sem utilidade. Um hinário esquecido de igreja. Prece banida do templo. Pedra jogada ao lago. Ondulações fracas e incapazes de mover sequer um barquinho de papel – porque os papeis também são epidermes, sendo assim, devem mover-se bem, sentir por onde navega...
Diz o verdadeiro, o Fernando de tantas Pessoas: “Quando olho para mim não me percebo./ Tenho tanta mania de sentir/ Que me extravio às vezes ao sair/ Das próprias sensações que eu percebo.” Para mim, ao contrário do poeta, é difícil me fazer entender. Outro dia, senti assim: “Cada bater de asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se repete.” No outro pedi para que não me tomasse como norte. Sentia-me tão à deriva! Ainda, como um “sabotador” de pensamentos, questionei em outra situação: “Seja você aquele que gostaria que estivesse por perto? E vai saber se alguém desejaria de fato o que eu quero de mim... Estranho, ainda bem que temos as diferenças para nos afinar: uma corda toca dó, a outra ré, mi, fá, sol, lá, si, e seus interstícios! O que eu quero nem sempre é bom para você. Acho que assim sai um pouco o gosto maniqueísta e amargo da "assertiva" que errou de alvo.”.  
Enfim, é nítido: “não consigo segurar um pensamento”, desejaria, sinceramente, que minha alma tivesse tampa, ou pálpebras como têm os olhos. Só que meus espíritos são auditivos, eles não sabem fechar.
Sei também que os poetas e escritores devem ter almas mais sóbrias e com menos vontades de sentir – “O poeta é um fingidor”, citando novamente o Pessoa.
Ouça bem, Papel, te uso para tirar de mim esses excessos que me arranham o peito, rebarbas de ferro que não preciso deixar fincadas em mim. Se não você, nem o chão desejaria sujar-se com isso. Sua brancura pede sempre mais, e eu dou, jogando mais do meu lixo em seu interior silencioso. Deixo cair até que me digas: “menos, amigo, menos!” Não, não reclame, “escrevinho” tudo de mim em ti, não quero isso no peito. Só lamento que, ao invés de esvaziar-me, tu me engordas ainda mais. Maldição!  


Menos, amigo, menos!

sábado, 21 de fevereiro de 2015

FIAR, TECER E CORTAR...


A dissertação sempre é um bom teste. Não que precisamos de provas para nos provar competentes, mas, se for necessário, que seja escrevendo. Ali, em nossas verdades “escrivinhadoras”, podemos ser mais, mostrar o que realmente sabemos e transparecer, também, o que se perde em nós. Não há sorteios nem chutes diante de uma folha branca de papel. A única maneira de arriscarmos a sorte enquanto nos organizamos através dela é se a amassarmos em uma bolinha imperfeita para, em seguida, arremessá-la em uma lata qualquer de lixo.
Vencer o nada é como preencher o vazio com suas tintas. “Ao vencedor, as batatas!” – se é que me entendem, uma vez que não se mata fome alguma sabendo que seu destino foi traçado por uma jogada de adivinhações.
Dizem que o pecado preferido do diabo é justamente a vaidade, entretanto, para se entender existencialmente acima disso é necessário fiar, tecer e cortar. Refiro-me às Moiras, entidades da mitologia grega responsáveis pelo destino: a primeira puxava; a segunda tecia; e a terceira cortava o cordão da vida. Tal como uma tessitura feita por nós. Fiamos, tecemos e cortamos. Nenhuma tapeçaria pode se igualar a isso, já que, para fora das adivinhações, não existem bordados produzidos às cegas. Se há, são indignos, cheios de rebarbas, nódulos e em iminente estado de “desfiação”.
 É preciso ter ouvidos muito sabidos para sentar ao lado de uma velhinha bordadeira – nossas Moiras do cotidiano – porque, ao tempo que o novelo apequena-se, ela também vai tecendo uma fala costurada pra nós: fios puxados para dois tipos de vestes; duas linhas que vão se acabando enquanto aquele novelo durar na sua voz.
Adoro a sabedoria das velhinhas bordadeiras, tecem magistralmente, mas têm a mesmas chances de todos em um jogo de dados, contrário a seu ofício, fruto de maturação e concentração.  
Contudo, quando encontramos no mundo um ser que tenha a dignidade de uma dessas velhinhas, até ficamos orgulhosos e felizes, pois estão bem vestidos. Suas produções cobriram e depois descobriram uma nova tendência, uma moda que dificilmente cairá: o estilo de quem se veste muito bem por dentro.

Enfim, gosto da honestidade daqueles raros dedos que sabem fiar, já que são incapazes de embaralhar-se em baralhos de adivinhos dos que se creem qualificados para qualquer tipo de função.   

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

AFINAÇÃO...


Sempre que os olhos discordam dos lábios, um pensamento escapa.
Os gostos também são sentidos pelos traços. Talvez eles até digam muito mais do que as palavras possam dizer, prestando a devida atenção – claro! Se descrevêssemos um rosto, por exemplo, (seja ele feliz ou amargurado), não conseguiríamos nem chegar perto do que sentimos ao vê-lo de fato, pois ‘personas’ (máscaras) são para “estar”, dentro delas é onde o “ser” se esconde.
Os antigos gregos, durante as apresentações de suas peças, optavam sempre por dois tipos de “personas”. Se fosse comédia, o semblante era “naturalmente” sorridente. Tragédia, triste, de boca e olhos caídos. Nietzsche as relacionava como dionisíacas e apolíneas, respectivamente. Contudo, sabemos que temos mais. Há um arsenal inteiro de ‘faces’ a ser explorada no dia a dia. É frequente abrirmos o leque e escolhemos a que melhor condiz com a necessidade. Saibam que, em um único momento, podemos vestir várias delas, entretanto há um átimo de vulnerabilidade entre as trocas, e é ali que ficamos nus perante um olhar mais atento e apurado.
Existem, inclusive, tipos de rostos que se apresentam comuns em nosso cotidiano: os abertos e os fechados. Os primeiros são aqueles que se perdem para que os outros possam acontecer, os felizes demais; os segundos se gastam em amarguras e parecem descolorir qualquer encanto que se aproxime de seu foco (chamo-os de “murcha-flores”). Estes são perigosos, uma vez que se acostumam aos rostos, gostam de ficar, e assim que resolvemos tirá-los, descobrimos, então, que já é tarde, as máscaras já estão impressas nas linhas e nos contornos – e tudo desalinha, engessa-se naquelas expressões.  
Está certo que somos complexos, porém, enquanto parte de um grupo (no momento em que estamos nele), não tem jeito, ficamos desprotegidos pelo simples fato de nos sentirmos protegidos. A tendência é sempre nos perdermos. Deixamos de existir para suprir o medo do que alguém pensaria de nós. Nisso nos tornamos seres fáceis demais.
Bom, agora já podemos escolher as máscaras: as que desafinam a existência, ou as que se afinam com nossos verdadeiros rostos. A escolha sempre está em nossas mãos, mas, em verdade, nenhuma delas pode nos cobrir por uma vida inteira.
Boa sorte!!!


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

POSSO ESCREVER OS VERSOS MAIS TRISTES ESTA NOITE


Hoje, buscando referências para uma possível crônica, fui até a bibliotequinha de minha filha e encontrei o “Me ajude a chorar”, do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar. Logo de início dei de olhos com uma epígrafe de Pablo Neruda: "Posso escrever os versos mais tristes esta noite". Como não sou poeta (não tenho a verve), narro as ‘desacontecências’ do impacto que o verso me causou.
Explico:
Minhas tardinhas não sabem de mim, elas é que me impõem as suas “noturnações”. Por outro lado, hoje à tarde, ao observar o mundo pela minha janela, ocorreu-me isso: “Cada bater de asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se repete.” Sim, estar triste é isso. É se esquecer de tudo o que é único e lembrar somente do que não volta mais. Como dizem os populares: “Ao olharmos para o passado, engordamos a depressão; para o futuro, a ansiedade.” Mas advirto: Se pensamos em uma dessas situações durante o dia, quando a noite chegar, ela te fará a cobrança. A dama escura é compreensiva – tudo bem! –, contudo, ela insiste em nos acender as memórias mais tristes por debaixo de seu manto.
Houve um tempo em que eu dormia, trapaceava seus encantos, seu manto. Hoje virei um “noturnador”. Deixo-me acender pelos grilos que iluminam meu gramado enquanto eu fico aqui dentro, nos interiores. Razão sempre há para “sofrenar” uma distância, ou quem sabe um perto mais íntimo. Isso pode até causar prazer, se bem canalizado. Nesta noite culpo o poeta. Senti-me obrigado a contar o quanto repercutiu em mim aquele verso. Sinto-o ainda ressoando, como um veludo arraigado na pele.
Noite, neste momento ela me cobre, eu é que me descubro dela. Não tem jeito, meus pés sempre ficam pra fora – se não eles, a cabeça. Apesar de grande, a escuridão parece pequena, sempre “enfaroa” alguma luz, esta “enfarenta” iluminação que não me deixa dormir. A única possibilidade de libertação está aqui, escrever, “noturnar” a tristeza que me causou esse sussurro do Neruda. Quanta inquietação!
É difícil deixar isso pra lá. Queria não ter aberto o livro. Por que fui procurar vontades que eu ainda nem tinha? Bom! Agora já não posso fugir. Passarei a madrugada com esse pedaço de víscera do Pablito a se palavrear no ritmo do peito. Fugir? Poderia. Só que para isso teria que ter antevisto aquele bater de asas dessa borboleta chilena. Quantas batidas mais preciso dar só para tentar entender uma única batida?

E o poema segue voando, enfim! 

VIVA O CORAÇÃO HUMANO!


Não há nada mais incrível do que o coração. O que se sente ali é um mundo que se norteia em milhares de possibilidades. Chore, se te der vontade. Sinta no peito a reverberação de uma saudade, de um abraço, de uma palavra, que seja. Sinta, apenas sinta, pois só somos quando os tambores não silenciam para os outros de nós. Neles, há um tamborilar para cada beleza sutil ou faceira. O belo é uma janela aberta que se quer olhar e ser/ver um pouco dos de fora. Ela só quer trazê-lo para dentro. Sentir os passantes em suas entranhas. Tudo isso é típico de nossas “ajanelações”. Todas têm olhos, ouvidos, bocas e peles só suas – peles querendo tocar o universo. Fios coloridos em mãos hábeis de bordadeiras. Vermelhidões apaixonadas por viver. Sentidos enrolados. Veias que irrigam o corpo, que é a casa de todos os nossos “eus”.
O eterno se silencia dentro de nós, dos de nós. Acorde-os. Abra-se para a infância (tempo em que sentíamos o mundo com mais carinho). Período em que o coração ainda estava novo e limpo. Renove-se. Seja um Quixote. Faça um chapéu de jornal e mantenha-se informado para as crianças que querem brincar contigo.
Viva o coração humano! Gritem comigo. Viva o coração humano! Marchemos para a brincadeira. Vamos nos mover pela motriz dos sonhos. Cavaleiros das tristes figuras são o que nos esquecemos de ser. Meninos curiosos, tal como pequenos príncipes. Homens-crianças fortes como Peter Pan. Vamos, amigos! Sigamos para as lonjuras mais distantes de todas as distâncias. Sair para dentro de nós mesmos é uma aventura. É por isso que existimos. Sentir é nossa sina. Ali, até as bonecas são vivas. Os loucos, saudáveis. Doidos que choram sem medo de “desempalavrear” suas literaturas engarrafadas em manicômios.
Ah! Se essa rua fosse minha. Eu mandaria todos os sonhos caminhar, mas, como as estradas vão se fazendo conforme caminhamos, seus passos só podem acompanhar os ritmos deste que nos guia.
Coração, tu não sabes da missa um terço! Seus terços são quartos quintos e sextos. Saboreias o que te damos para comer. Bebe o que te oferecemos para beber. Vives a intensidade de purezas ‘despurificadas’, desastradas e que só se vê depois que passou. Estamos cheios de passadas que, a cada palpitar, se incendeia. Veias quentes que quer apenas encontrar um lugar neste mundo.

Viva o coração humano! Viva! Existimos por ele, coexistimos em orquestras, como orquestrações sentidas por tantas outras batidas... Viva o coração!!!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O RON-RON DO GATINHO


Os gatos ronronam para expressar afetividade...
A explicação científica a respeito disso não pode suprir a musicalidade e relaxamento que encontramos nesses ‘ronquinhos’ gostosos e encantadores – o máximo que encontrei foi isso, sentimentos.
A cantora Adriana Calcanhoto diz se tratar de uma maquininha de afeto. Acho que até é mesmo, uma vez que eles só produzem os sonzinhos quando estão felizes e satisfeitos ao encontrarem-se em uma situação de prazer. Esta canção dos bichanos é algo que cativa a todos, desde poetas, músicos, “escrivinhadores”, amantes, pintores, até os adoradores de silêncios (digo bem, há muitos tipos de silêncio!), enfim, só escapam os espíritos que já estouraram alguma corda da existência.
Precisamos ouvir além do que os ouvidos suportam, porque as mãos não são surdas, muito menos os olhos. Contudo, é necessário afiná-los. O gato é um ótimo diapasão. Acertam corda por corda dos sentidos.  
Quando eles estão em suas caixas, principalmente as de papelão (não sei por que adoram as caixas de papelão!), servem como caixinhas de música. Roncam seus motores a um nível elevado para tanta sutileza. O funcionamento das engrenagens desse ‘miadinho’ ao contrário, por certo tem a capacidade de nos fazer funcionar. São motores que dão partida em qualquer alma, não apenas nas nossas (dos “poderosos” humanos), mas das deles, se sentirem o entrosamento – lembrando que, segundo o mito, eles possuem sete vidas. Coincidência ou não, as notas musicais também se distribuem em sete tons: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si. Os interstícios dependem de outros compositores ou maestros mais bem afinados.
Quem nunca amou o silêncio de um ronronar de gato não pode saber de mais nada. Preconceito meu? Por até ser. É que não entendo esse tipo de “não gostar”. Talvez porque, por dentro, também devamos estar ronronando em confluência para que eles nos ronronem de volta. Vai saber! Eu mesmo, sem um gato no colo, não consigo afinar uma linha sequer, nem escrevendo, nem lendo, nem existindo... Sou um dependente.

Só os gatos “devagarinham” cada uma de minhas eternidades, freia o que seriam daqui-a-poucos. Não, eles não gostam de dar de comer a nenhum depois. ‘Agorar’ futuro é tolice de gente. Se não acredita, faça carinho neles e espere. O som que produzirem é o infinito eternizando um prazer. Para eles, é o momento que importa. Ouça, aproveite a libertação e não tenha medo de amá-los para sempre!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

QUANDO UM HOMEM AMA UMA MULHER


O amor é uma peça em quatro atos. Ele acontece junto com as estações: primeiro vêm as flores do encontro; depois o calor do verão;  logo as folhas secam, caem e se renovam para, em seguida, ficarmos cientes de que haverá também o frio, as dificuldades do inverno. Superando o tempo, fica a semente para germinar firme e criar, então, raízes fortes e bem arraigadas dentro de nós.
Há quem diga que ele (o amor) é um estado de espírito, uma vontade solta pelo mundo. Um norte perdido dentro de uma bússola de mil ponteiros. Bússola frenética e desconhecida, onde cada seta está à deriva em rodopios invariáveis por debaixo daquele vidrinho fino. Ao invés de se estabilizar, ela se perde ao som de uma voz primaveril. Não falo aqui de qualquer vozearia, refiro-me aquele som necessário do qual ninguém mais pode ouvir – apenas nós. É um silêncio organizado para nos desorganizar, para desorientar os corações. Quando o ouvimos, desejamos voltar ao tempo do astrolábio, porque ele não dependia de “ponterações”, sendo assim, não “loquiava” tanto ao observar as estrelas.
Se, por ventura, sentir o peito vazio, mesmo sabendo da carga carregada dentro dele, saiba que, de sua parte, há muito mais do que interesse, há um desinteresse em viver dali para frente sem aquela verdade que te encontrou. Pedir para explicar mais, não dá! Existem coisas que ou você sente, ou não sente. Se já sentiu vai saber.
Quem pode medir a intensidade do brilho de cada um desses astros? Gráficos são incapazes de sentir tamanha turbulência. Sempre ouvi falar muito da ‘Escala Richter’, porém, para um homem apaixonado, a terra treme mais, ultrapassa qualquer fator mensurável para os demais. Gostaria de não confundir – já que falei de apaixonado –, o amor é maior, é uma tempestade florescida. Ele sim é capaz de suportar terremotos, invernos glaciais e até mesmo as direções, aparentemente, mais perdidas. Nenhuma escolha é feita, ele vem e se instala nas interioridades. É no encanto que se manifesta – quem sabe somente uma única vez na vida.
Enfim, quando um homem ama uma mulher, os caminhos são curtos, se isso for barreira para chegar onde ela está – as estações estão sempre floridas quando está por perto. Assim, ficamos ignorantes a outras belezas, todas elas lembram a mesma: a que te fez misturar os ponteiros. Remédios não existem, a única “panaceia” está ali, na pele, nos olhos, na figura daquela que te adoentou.

Acho que é isso! 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A ESCRITA PERTENCE A TODOS


Quem nunca precisou mandar um e-mail ou um bilhete, que seja? Claro que, dependendo da circunstância e da pessoa, não cuidamos muito os aspectos que envolvem “o bom português”, digamos assim.
Houve um tempo em que dei aula para um grupo do Curso de Engenharia. Ao decorrer da disciplina, um deles proferiu: “Não sou muito bom na escrita, nossa especialidade é outra”. “Tudo bem!” – respondi – “Mas por que diz isso com tanta segurança?” “É que uma palestrante falou uma vez que assim como psicólogos não fazem contas, engenheiros também não sabem escrever”. Nossa! Aquilo me pegou. Fui para casa com essa voz na cabeça. Sabe como é, sou um pouco obcecado enquanto professor e, naturalmente, não aceitei a assertiva. Senti como um desafio.
No dia seguinte, depois de ter refletido bastante, resolvi mudar o norte das coisas. Orientei meus alunos a produzirem textos argumentativos. Dei dicas. Mostrei muitos que havia feito e alguns que me serviam de referência. Minha obsessão virou a deles. Lembrava-os sempre daquela afirmação tão desnecessária, fazia questão disso. Quando resolvemos submeter algumas de suas produções a determinadas edições de jornais.  
O tempo passou. Lá se foram três aulas, três dias de olho na experiência. E Bingo! Naquela semana conseguimos quatro publicações em três jornais diferentes. Ufa! A cura do “ter que provar” nos purificou. Estava na cara, atestamos: a escrita pertence a todos, seja engenheiro, psicólogo, enfim. Ousamos demostrar que nem tudo o que dizem, em uma leitura rápida e superficial de nós, deve ser ouvida e aceita com tanta rapidez. Se os acadêmicos da Engenharia não escrevem? Claro que escrevem! Os meus escreveram e fizeram muito bem. Afinaram minhas pretensões e desmentiram um mito que por pouco não foi carregado para a vida profissional de cada um deles. Perigoso, perigosa uma fala tão generalizante!
Sim, foi um tempo rápido e intenso. Não consigo esquecer o momento em que um desses alunos se deparou com seu texto no jornal. O primeiro, pois foi aceito em outros três. Não quero dizer com isso que não possamos nos expressar de outras formas, isso podemos. O fato é que a escrita parece potencializar, em nossa sociedade, uma maior adesão e seriedade aos assuntos que desejamos tratar. Assim, geralmente, somos mais ouvidos – e fomos mesmo!

Ora, engenheiro não escreve? Tem mais alguma afirmativa genial aí para que possamos quebrar? 

sábado, 14 de fevereiro de 2015

AS ESTAÇÕES DO AMOR


Sempre que espero minha esposa sair do trabalho, no carro, fico lendo um livro. Tenho um para cada lugar, para cada ocasião. O da espera, atualmente, é um de contos do autor Horácio Quiroga, da obra Cuentos de amor de locura y de muerte. O texto da vez trata do relacionamento entre os personagens Nébel e Lídia, ambos por volta dos catorze anos, tudo dentro de uma trama muito inquietante chamada “A estação do amor”. Há um desenvolvimento para cada uma: primavera, quando se encontram (tempo das flores e da beleza); verão, momento em que o pai do rapaz recusa-se a aceitar o casamento dos namorados (calor); outono, quando o tempo passa e, após 15 anos, ele retorna (folhas caindo, mudança); e inverno, a doença da mãe de Lídia e o reencontro maduro e tempestuoso entre os dois amantes (frio).
A pré-adolescência seria nossa primavera, momento em que descobrimos o outro e a nós mesmos, desabrochamos. Talvez este seja o mais belo da vida, se relacionado ao amor. A pureza de um olhar que se encanta por outro é quase incompreensivo para quem está de fora. Há apenas um espaço ali, o de duas pessoas. A terceira, por sua vez – se interferir –, será incapaz de sentir o aroma e o encanto provocado por aqueles jardins.
Logo mais, ainda na juventude, vem o sexo e as discórdias. Se antes não haviam espaços para os olheiros, agora sim é que não há mesmo. Quem ousar se meter neste relacionamento receberá de volta a ira, a fúria, a paixão. O calor é o elemento preponderante. Tanto que chamam o período de “aborrecência”.
Contudo, ela passa, as folhas precisam ser trocadas. Os amores partem, dão lugar a outros tantos. É quando descobrimos que tudo o que tivemos foram paixões (doenças da carne provocada por espíritos cegos). Temos então o tempo da reflexão. Fase em que nos perguntamos as diferenças entre “paixonite” e “amor”. É importante vivê-lo bem, pois quem sabe não é a transição mais bela entre o que fazer e o que se deve esperar da vida, tanto amorosa quanto profissional.
E daí vem frio para nos assolar a alma, ele nos faz ponderar sobre o que é verdadeiramente importante. Se uma relação conseguir suportar as três últimas estações, pode estar certo: encontrou a pessoa que saberá envelhecer e suportas os maus bocados dos invernos contigo. Superando tudo isso, já estamos em um relacionamento maduro. Pena que isso não seja tão comum. Poucos pares tem tanta força.

E esta foi a reflexão. Rogo para que o leitor tenha coragem e discernimento para valorar uma pessoa que suporte cada uma dessas estações. Boa sorte!  

DEUSES E HERÓIS


Hoje resolvi pensar sobre os heróis que permeiam o universo dos quadrinhos. Eles não são muito diferentes dos clássicos greco-latinos, aliás, dá para fazer uma comparação muito boa deles. Estudar sem usufruir de analogias não pode ser bom. Precisamos sempre trazer as sabedorias para os nossos paladares, que são os conhecidos. Confesso que comecei a gostar dos heróis por via dos épicos, das tragédias e dos deuses que tomavam conta dessa dimensão. Mas isso diz respeito a mim, aos meus temperos. Então, porque não comparar em uma aula de Literatura para o Ensino Médio, por exemplo, os super-heróis dos gibis com os grandiosos de Homero? Dá até para falar de filosofia, por que não?  
Acompanhem comigo:
Mercúrio é o planeta que está mais próximo do Sol, ou seja, sua rotação é mais rápida do que a dos outros. Mercúrio faz referência a Hermes, o arauto dos deuses, ‘ente’ que tem asas nos calcanhares. Sabem quem faz correspondência a ele? Sim, o nosso Flash dos quadrinhos. Vênus, ou Afrodite, é a famosa “estrela da manhã”, pois é facilmente confundida com uma delas, uma vez que é a primeira a ser avistada à noite e a última a desaparecer ao nascer do Sol, tal como uma bela amante. Por isso chamamos também de afrodisíaco os elementos que remetem a potência sexual. Preciso falar da camisinha de Vênus? De acordo com minha filha, há uma heroína (a “Estelar” da DC Comics) que pode servir de comparação com esta deusa. Marte, o famoso Ares, o deus da guerra, vem por conta de sua vermelhidão. É um astro rubro. Lembra muito a paixão, que é a doença da alma, cor da fúria. Não é raro vê-lo em sua forma original nas histórias da DC. Netuno ou Posseidon (Aquaman) é, segundo os astrônomos, o planeta que, possivelmente, tenha mais água na superfície. Já Plutão, por sua vez, nome latina para Hades, é o mais distantes do Sol, ou seja, o mais escuro. Todos sabem que ele é o deus do mundo subterrâneo, dos mortos – lembrando Batman, o cavalheiro das trevas.   
Enfim, preciso confessar o meu preferido. Retirado e adaptado da obra “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche, o Super-homem, referido como Übermensch (o Além-Homem), é a fonte primeira para a criação do mais poderoso dos heróis conhecidos, ao menos o mais popular: o Clark Kent.
Sim, essas verdades me empolgam – como puderam ver. Contudo, encerro por aqui, a coisa é maior do que pensamos!

Não é melhor brincar de aprender assim? Eu gosto.  

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

SEXTA-FEITA 13 E OS GATOS PRETOS


Não é difícil encontrarmos pessoas supersticiosas. Estas até não me assustam. O excesso é que preocupa um pouco mais, pois daí há fanatismo e uma ignorância ímpar a respeito das coisas. Na História ou na ficção, tudo bem, até toleramos uma “cruzada”, já que é impossível mudar o passado. Vejam bem! Os gatos foram perseguidos no final da Idade Média, acima de tudo os pretos por razões pouco razoáveis: acreditavam que eram seres místicos e que confluíam verdades com o demônio. Por esse motivo foram em grande parte exterminados pelos fanáticos “endeusados” da época. Porém, como dizia Lavoisier, “na natureza nada se cria, nada se forma, tudo se transforma”. Então chegou a vez dos ratos. Eles tomaram conta de grande parte da Europa e a peste bubônica matou milhões de pessoas. Chamavam-na também de a peste negra.  Tudo bem, não desejo cometer atemporalidades por aqui! Os cidadãos medievos não eram como os de hoje. Informação, poucos recebiam. Instrução, nem se fala.
Contudo, nestes dias, não é justificável a agressão a qualquer animal, seja um gato preto, amarelo, azul, rosa... Enfim, todos sabem que crendices que têm como objetivo a morte de algum bicho, não se justifica mais. O único ser egoísta e que modifica o mundo conforme suas necessidades é o homem. Não, meus amigos, o planeta não é só nosso! Essa coisa de ficar inventando teorias para justificar pecados tolos que só existem dentro de cabecinhas cheias de vento é uma palhaçada. “Cabeça vazia, oficina do diabo”, já afirmava minha avó.
O que mais me indigna – preciso confessar – é observar por aí tanta gente que ainda crê nisso. É como se os bichanos não sentissem nada e não fossem dignos da existência. Inclusive, quando eu era garoto, lembro ter ouvido um senhor falando mais ou menos assim: “Matei aquele gato maldito. O desgraçado não queria mais caçar ratos no galpão. Deus fez os bichos para nos servir. Se não servem é justo que eu os mate ou os coloque num saco para largar por aí.” Nunca mate, ou abandone nenhum cachorro ou gato. Se os abandonar, eles ficarão te esperando para sempre. Depois não adianta voltar para casa, se ajoelhar antes de dormir e rezar. Nenhum deus que se prese vai ouvir suas hipocrisias malditas. Espero que não exista inferno! Reze para isso.
Há também os que têm horror a gatos pretos, sobretudo em sextas-feiras 13. Talvez estes últimos sejam os mais imbecis. Nem sabem que estão engordando uma ideia que já saiu de moda desde o século XIII ou XIV.  Sim, a pior das epidemias é mesmo a ignorância. Por favor! Vamos ler mais, pessoal!  

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

AS ESTRELAS DO CHÃO


Confesso que só escrevo quando alguma coisa me chama atenção. O problema é que tudo me alerta. Cada miudeza me diz respeito. Os amigos, as estantes, minha poltrona e até aquele pequeno realejo de moer música, meu aparelho de som.
Lembro que um dia vi uma entrevista do poeta Manoel de Barros, uma das poucas, pois ele não era dessas coisas. Dizia que olhamos muito para o céu, mas que nos esquecemos daquele universo inteiro que há no chão. Quantas verdades devem existir bem ali, sendo carregadas por uma “filandações” de formigas? Penso até que cada uma delas é uma estrela com muitas perninhas. Negras, amarelo-fugidas, pequenas, grandes, tudo ali.
Em outro momento, ainda recordo de uma das muitas falas do escritor Mia Couto que também me marcou. Como ele é biólogo e escritor, afirmou estar na vantagem, uma vez que as pessoas se veem como uma. Não sabem das milhões de vidas que carregam consigo. Falava das células, bactérias e elementos que só um estudioso da área (os privilegiados) podem saber. Só que saber não basta, aí vem a visão poética sobre a científica. Somente um poeta poderia dizer que cada um de nós é uma multidão, não apenas como abrigo de “micro-vidas”, mas dos muitos de nós que carregamos conosco. Ah! Nosso corpo é mesmo uma casa nômade! O que dizer então do chão?
Como eu estava dizendo. Não há nada que não me inquiete. Descobri nestes dias que não sei mais parar de dedilhar, de ‘tessiturar’ panos e acordes sobre o que (para os outros) não mereceria ser ouvida como música, ou disputada como um tapete persa. Sim, sou o rapaz das coisas simples. Das folhas brancas, verdes, amarelas. Aquele que para tudo só para observar seus gatos rolando como miniaturas de tigres. Certo ou errado deixo as coisas serem, pois assim acabo sendo junto com elas quando me debruço para acompanhá-las em suas grandezas ínfimas.  Até o gramado se tornou minha selva. Não é raro me pegar absorto a refletir sobre quantos hectares de terra tenho em cada m² do pequeno mundo de 12 por 30 m² em que vivo. Sinto-me um fazendeiro.
De minha janela acompanho os grilos iluminando meu céu (ele é verde e com a vantagem de poder apará-lo de vez em quando). Desse modo, sempre que uma tardinha vem chegando – eles se alvoroçam –, um joga um cricrilo pra cá, pra lá, mais outro acolá... E assim os pernudos vão tecendo a coberta que abrigará a noite. Eles são minhas estrelas do chão. É! Cada um tem o firmamento que merece!

Tenham uma boa noite! 

O AMADO IDIOTA


Eis um dos personagens mais fascinantes que já tive o privilégio de assistir em minisséries. Dom Chico Chicote (interpretado por Rodrigo Santoro) é uma mistura de Dom Quixote de la Mancha com Míchkin, do livro “O Idiota”, de Dostoiévski. Falo da obra “Hoje é dia de Maria”, texto lindo acompanhado por um figurino mais bonito ainda. Há até um momento em que ele, o Dom Chicote, canta um poema de Drummond chamado “O lutar”, adaptação muito bem feita e que soube me pegar de jeito. É mais ou menos assim: “!Adelante!/ Lutar pela palavra/ É a luta mais vã/ É pelos sonhos que vamos/ No entanto lutamos/ Mal rompe o amanhã/ Com o vírus de luz/ Levando foram chegando/ Haja ou não haja frutos/ É pelos sonhos que vamos/ É pelos sonhos que vamos...”
Vestindo um livro aberto na cabeça, tal como um chapéu; carregando uma lança; usando bigodes de penas; e andando com as pernas tortas, eis a beleza deste cavalheiro da triste figura. Mescla da literatura de cordel e da clássica, não há limites para a emoção em vê-lo se movimentando na história. Qual leitor nunca imaginou pelo menos um desses seres tão fantásticos, seja Quixote ou outro cujo amor supera a irrealidade? Antes, nunca pude vislumbrar, para fora de minhas leituras, coisa mais linda.  
Tanto nas histórias quanto na vida, o mundo precisa ganhar força, pois enquanto houver encanto no coração humano, a Literatura jamais se perderá – mesmo sem lê-la, ela está aqui, ali. Anda tão longe que chega a encontrar a nós todos nas distâncias de nossas entranhas, porque as lonjuras mais distantes estão dentro de nós, meus amigos! É lá, nessa casa nômade, que vamos nos levando junto, e é nesse cantinho da carona que vai a arte. Um lugar que anda conosco. Sim, é pelos sonhos que vamos.
Quixotescas, as pessoas que escrevem, leem ou se alimentam de arte, sempre estão lutando. Seja pela palavra, pela música, pelo teatro, cada qual cria seus caminhos que, a cada passo, vão se fazendo trilhas novas. Poetas, romancistas, cronistas e “escrivinhadores” feito eu. Somos todos Idiotas como o Chico. Figuras tristonhas que carregam sobre a cabeça uma pilha de livros e, ainda, uma bagagem de sonhos bem abertos. É por isso que escrevemos, não sabemos andar, os caminhos é que nos vão andando.

Enfim, deixo-me aqui, só precisava expressar esta minha vontade de acontecer esse Chico Chicote. Reparto um pouco disso e purifico-me um pouco mais. Assim posso continuar o caminho a andar com essas pernas tortas.  

A COR DE UMA BOA CONVERSA


Sempre que posso, vou até a casa de meus pais. Geralmente pela manhã, horário onde o verde de um chimarrão desenrola um tapete vermelho de conversas. Gosto de conversar com eles, pois quando o mundo nos tira em ‘verdades que se esqueceram de acontecer’ (como escreveu Mario Quintana), eles vêm e estendem mais uma tapeçaria: a da sinceridade. Não há termômetros mais precisos. Minhas febres são medidas ali, naquela ‘quentura’ toda de um ‘mate’. A cuia vai passando até as vozes se amarrarem. Assim é: um fio puxa o outro e juntos fazem até do nada uma rede fina de boa prosa. 
Aprendi a conversar mais abertamente com minha família por conta desse chá “amargo”. Enganam-se os que pensam que sou tradicionalista ou que sigo alguma tendência regional do tipo “bairrista”. Negativo. Bebo porque foi assim que aprendi a afinar uma boa conversa com meus “velhos”, estes sim gostam de “tradicionar-se”. Compreendi que precisava entrar em seus mundos e respeitar seus hábitos para que eu parasse de ‘lonjurar’ uma vida paralela a deles. Confesso que preciso disso. Preciso sentir os gostos para existir, pois assim como o café passado em pano me faz lembrar a cozinha de minha avó, a erva-mate engorda uma saudade que ainda nem senti por uma distância que nem sequer se fez: o da partida de uma grande morte. Sim, porque de pequenas a vida está cheia e anda grávidas de mais algumas.
A cor de uma boa conversa – pelo menos para mim – costuma ser verde. Não me refiro à esperança (Sim, pensando melhor, ficamos com ela também!). Falo de uma cuia, uma bomba, uma mão idosa moldando a erva com ela, e uma vontade grande de ser eu mesmo naquele breve tempo de compartilhar. Ao sorver um “trago” de mate para molhar as palavras é como se a língua fosse uma pena e o chimarrão as tintas. Só que os papéis onde escrevemos não são brancos, já há um livro inteiro escrito ali, portanto (para um guri feito eu) é melhor ouvir e ver se aprendo um pouco mais.
Certamente uma pessoa que não viva no Sul do Brasil não entenderá o que digo. Há coisas que precisamos sentir. Não pensem que não “estrangero” dentro de mim mesmo. Sou de fora também. Às vezes até um contrabandista de ideias que são apenas ideias. Como um acarajé, por exemplo. Mesmo sabendo de seus temperos, só saberei de sua textura quando eu provar. “Penso, logo existo”. Neste caso o prato baiano somente existirá se eu pensar sobre ele, então, de certa forma ele existe. Não como sorver um “mate” servido pelas mãos de meus pais. Por enquanto fica no plano das ideias, mesmo.

Gosto da existência dos “velhos”, não apenas os penso, mas os sinto. Bom sinal! 

VOZES QUE SE VÃO


Outro dia uma amiga me pediu para que eu indicasse um bom autor de poesias aqui da região. Não titubei, lembrei logo de dois dos livros que li nas madrugadas, algumas até chuvosas. Ela iria, ou ainda vai (não sei ao certo) para a Itália e, segundo seu relato, queria/quer presentear alguns amigos por lá. Logo, seguindo a vontade que nutria por levar a nossa terra junto, forneci o contado do poeta. Demétrio Azeredo Soster foi o nome do escritor que pedi para que contatasse. Os livros dele, os mesmos que me “diurnaram” as noites, seguiam – claro! – duplicados com o nome do mesmo autor. Explico: ele escreveu dois: “Tempo Horizontal” (2013) e o “Livro de Razão” (2014). Após, naturalmente, fiquei pensando. “É maravilhoso saber que nossas palavras andaram/andarão por outras partes, por outras paragens e que, por isso, se “passarinharão”!” Satisfiz-me com a dica, porque sonhei que alguém distante, talvez, se ‘lonjure’ com alguns poemas que me fizeram vencer as noites – está na cara, tenho fetiches por amores prolongados em outras vozes.
Penso que, pelo simples exercício, às vezes, vamos brincando de deuses e reinventando mundos novos pela pauta dos autores que vamos dialogando por aí. Acho isso fantástico, já que a discussão nunca para e sempre acaba caindo no purgatório de nós mesmos. Continuemos no caminho da (auto) compreensão, pois, se quisermos, passaremos a vida toda nos construindo com seus tijolos, ou não, uma vez que os tais livros são, quando abertos, os veículos que carregam muitas de nossas inquietações e, talvez, seja mais prático não abri-los, fechar-se, massificar-se e ir “vivendo” sem saber que somos seres complexos e únicos em todos os sentidos. Motivado por isso, devo parabenizar minha amiga sim, pois exercitou muito bem os “bens” dos outros para outros “bens”. Não irá sozinha, levará um pouco de nossas vozes, e de sua voz, já que através dos poemas que cheiram a terra, ela pode fabricar outra em, ainda, quem sabe, outras (terras) mais distantes. O que seríamos sem os poetas? E pensar que temos tantos, e tão perto. Tudo para construirmos, enriquecermos os seres ímpares que cada um de nós é.
Tal como fiz para minha amiga, deixo aqui a dica dos livros que me acompanharam. Livros parecidos com grilos, já que sem eles (os grilos e os poemas) a noite não embarrigaria. Ficaria só ali, com todos os silêncios apagados dentro dela.

Boa leitura!!!

UM POUCO DE DESASSOSSEGO


Quando adolescentes nos entregávamos. Adultos, de tanto nos perdermos, acabamos acordando certo medo de amar, medo das pequenas mortes e dos pequenos vícios: desassossegamos. Assim, cansados, preferimos a entrega desconfiada para que não se faça mais um furo indesejado na peneira.
Sim, meus caros! Não sabemos mais de amores; de pescar folhas nos chafarizes; esquecemos-nos da essência (não-primitiva) de criar; e de inventar o que os outros não podem ver. Insisto na negação da palavra ‘primitiva’, porque quem cria depois de adulto, já está deveras evoluído para poder sossegar. Claro que depois disso não há quietude, pois, geralmente as pessoas maduras, voltam a desassossegar-se. Se algo estiver parado, trocam de olhos para ver melhor. Se o mundo mostra-se andando, dão rumos novos para os caminhos que se “enveiam”, alguns deles (os caminhos) até permanecem para caminhar-se e brincar ali dentro desses “infanto-maduros” da terceira idade. Não há tempo melhor para apreciar poesia do que na velhice. Não existe tempo mais rico (o tempo de uma vida inteira) para constatar que ‘tudo vale a pena se a alma não é pequena.’ Excelente momento, acho, para perceber-se em Fernando Pessoa.
Pois bem! Mas quem foi esse Fernando Pessoa? Ah, ele foi um poeta ímpar, também fez pares e alguns “entre-lugares”! Tanto, que não é justo retratá-lo apenas como produtor de poetas e poemas. Sim, Pessoa foi muitas pessoas, entregou-se a muitos heterônimos. Heterônimo no sentido de que todos eles são diferentes um do outro. Diferentes do pseudônimo, que retrata o pensamento de um mesmo escritor, só que com nome distinto. ‘Pseudo’ quer dizer falso, o que para Pessoa não serve, uma vez que ele foi único em cada criação. Portanto, para falar do poeta, eis a primeira regra: devemos usar a palavra ‘heterônimo’ e estar abertos para desassossegar.   
Enfim, ficamos com o “Livro do Desassossego”, não por ser o melhor ou o pior deles, mas por ser aquele que me toca toda vez que me abro nele. Acima, sutilmente, recomendei que nos refizéssemos com leituras e vozes que brotam de poemas. Então! O Desassossego do livro de Pessoa é o que sugiro, já que não se trata de uma obra de poemas (no sentido formal do termo), contudo, de textos e alguns fragmentos bastante poéticos. Ideal para a vida e para as almas grandes. Abrindo-o vai receberá um amigo. Abrindo-se para ele, perceberá uma mudança inquieta na maneira de ser e permanecer no mundo. É, meus amigos, um pouco de poesia é sempre bom para rejuvenescer, para sair do sossego! Saibam: em lugar de muita quietude, nenhuma alma prolifera – então o mundo emudece e você morre de vez. 
Boa Leitura!  



UM CENTAURO NO GRAMADO


Noite dessas acordei de um sono profundo. A camiseta estava toda suada, bem nojenta mesmo. Agrura de quem sai de um pesadelo quase real. Sonhei que era um animal, e era desprezado, maltratado por isso. Depois do impacto, a primeira coisa que pensei foi o seguinte: ‘Confiar só nos olhos é a forma mais rápida e miserável de empobrecer-se por completo, já que as cores são mais ricas quando o corpo todo colabora para esticar o mundo’.
Sim, meus caros, só é possível ver o verde da grama pelas solas dos pés, sentir a verdura é trabalho para a pele, após sim os olhos ‘desenublam’. Não sei se já notaram isso, mas há elementos no mundo que nossa visão não dá conta, porque, segundo o poeta, sonhamos de olhos fechados para ver se acordamos para dentro. As pessoas, por exemplo, como podem ser lidas se andam com o corpo bloqueado pelo ‘modismo’? Algumas roupas deixam em nós seus códigos de barra, perdidos quando vistas na multidão. Isso é estranho, já que somos seres “desseriados”, únicos, além de sermos os melhores e os piores do universo inteirinho, pois não há e nunca haverá outro igual a nós. O que pode haver – penso eu – é um estilo, uma construção, um homem tanto cavalo, quanto humano. Ou metade de cada, tal como as criaturas de Moacyr Scliar, em seu “O Centauro no Jardim”, que, aliás, é um belo livro!
A diferença sempre assustou os que vivem, ganham para que desejemos ter as mesmas sensações. Isso não é verdade. Os sentidos se organizam ou se confundem para que cada aparelho, quando reunidos, sinta o mundo de maneira que a pessoa ao lado não consiga perceber exatamente da mesma forma da primeira, e vice e versa. Acho tudo tão rico. Por isso é que não podemos desprezar o nosso lado livre de cavalo, nem nossa parte humana e razoada. O irracional e o racional, dividindo o mesmo senso, o mesmo corpo. Sim, fomos feitos para sentir, seja como um animal (que também somos), seja como homens. Quero dizer com isso que racionalizamos demais o mundo. Não dando espaço, assim, para os primeiros sentidos.
Então, ao lerem “O Centauro no Jardim”, pensem bem sobre duas possibilidades: O que estou vendo; e o que querem que eu veja. Amigos, somos todos metade de um todo bem mais rico do que nossa visão viciada quer que vejamos e sejamos. Estamos sempre nos completando, tal como um centauro que corre livre pelo gramado. Enfim.


TODOS SOMOS MULHERES...


Acho que nos últimos tempos comprei o equivalente a uma motoca e alguns ternos novos - investi tudo em livros. Moto alguma conseguiria tal quilometragem, seria incapaz de me levar para as lonjuras de tantos interiores. Vida simples a minha, sem gravatas, mas sempre viajando de primeira classe, ostentando para ninguém as roupas caras que me vestem por dentro. Parece tolice, não parece? Minha felicidade é assim.
Ontem mesmo comprei alguns. No entanto, entre os muitos encontrei um que me chamou à primeira leitura: “Mulheres: filosofia ou coisas do gênero.” Trata-se, como afirma uma das organizadoras (Márcia Tiburi), de um mosaico de artigos, um caminho de tijolos coloridos que nos (en)caminham para o mesmo lugar. Confesso que ainda estou lendo, fiz isso hoje enquanto meus alunos se empenhavam em atividades de aula. Fiquei ali, tentando digerir as tantas acusações históricas, no que se refere à mulher. Sou suspeito em falar, minha dissertação de Mestrado se locomoveu com esse mesmo tema: a representação do feminino na literatura... Sim, a mulher está presente em mim, porque todos somos um pouco do outro. Não defendo a ideia de fragilidade (e tenho motivos pessoais para isso, já conheci muitas pessoas poderosas, muitas!). Ninguém deveria ser medido tão “genericamente” assim. Homens, mulheres, homossexuais, homoafetivos... O que é isso?
No passado, em Portugal, uma de minhas poetas favoritas não aguentou a pressão social exercida pelos homens da primeira metade do século 20. Tudo por ousar estudar; fumar charutos, não como vício apenas, mas como ato de liberdade, uma vez que não era permitido às mulheres fumar, divorciar-se, pensar...; casou-se algumas vezes, inclusive, em um dos casamentos, libertou um amigo das vicissitudes sociais e o escondeu nos laços da aliança, ele era homossexual, se hoje difícil, imaginem como era a vida de um deles naquela época. Contudo, por volta dos trinta e poucos anos, não suportou, matou-se por pura pressão. Pena, nasceu em um tempo raivoso. Morreu, bebeu sua “sicuta”, só que, antes, um poema brotou de suas mãos. Uma conversa com aquela que a levaria, a Morte.

Não, minhas amigas e amigos, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Somos o tanto de pessoas que nos influenciam: homens grandes, pequenos; mulheres grandes, pequenas – caso queiram separar por gênero e qualidade. Como eu disse, o ‘genérico’ é frio, prefiro acreditar que sou também um pouco de todos: Chico Buarque, Simone de Beauvoir, Florbela Espanca. Sim, também sou mulher, sou homem: temperos bonitos.  

TODOS OS NOMES


Apesar de meu nome não ter significado algum, sempre acreditei neles. Tanto que minha filha mais nova se chama Caroline, alusão à esposa de Machado de Assis, a Carolina Augusta Xavier de Novaes. Tive uma gata que se chamava Sofia (em grego, sabedoria). Quando morreu, para dar continuidade a ela, adotei outro gato e pus o nome de Filoctetes (o Filo. Do grego, amigo). Juntando os dois teremos Filo + Sofia = Filosofia. Oriundo de uma obra de Sófocles, Filoctetes foi quem guardou as armas de Heracles, ou Hércules (a glória de Hera), como queiram. Minha esposa é a Carmem, ‘Carme’ é uma medida poética... É, parece que só eu não tive a chance de ser agraciado com a onomástica (pensamento sobre os nomes)!
Enfim, quando leio um livro, o primeiro elemento que me chama atenção são justamente os nomes dos personagens. Ali, certamente, está um universo inteiro, a personalidade, seu passado e, até mesmo, seu destino. Voltamos a Sófocles. Na tragédia de Édipo (o de pés inchados) podemos saber claramente o que acontecerá com o bebê só pela análise do nome. Ele seria amarrado pelos pés para ser morto, já que o destino, segundo a “esfinge”, faria com que este mesmo bebê voltasse, matasse seu pai e dormisse com sua mãe. Foi que aconteceu, a profecia se cumpriu. Inclusive tiveram uma filha, a Antígona (anti + gonos = a que não deveria ter nascido). Fruto do relacionamento de um filho com sua mãe, nem precisamos dizer que ela (a Antígona) viveu uma vida de maldição.
Claro que não falo sobre escritores comuns, desses que não arquitetam sua história. Até onde eu sei: se programar a morte por tuberculose de um de seus personagens, saibam que ele deve tossir já nas primeiras linhas. É por esse motivo que acabamos por ficar chatos e seletivos conforme vamos lendo. Até chegar um tempo em que não aguentamos nem mais passar os olhos pelas páginas de obras que não apresentem qualidade. Saibam que o bom escritor não pode cometer excessos. Vejam Machado de Assis, por exemplo, criou um homem chamado Beltrão, ele era para ser um comum, como um José, de Drummond, ou um Severino, de João Cabral. Acompanhem: fulano, sicrano, beltrano (Beltrão).
Intrigante – pelo menos para mim – quando me pego de frente a um “Sevenbois”, um “Iago” (ele é o mau, o vilão em Otelo, personagem shakespeareano), ou a algum híbrido de novela das oito com filmes americanos. Atentem a isso: os nomes simples carregam muito mais significados, minha gente! Mateus, por exemplo, (mat + theo = presente de deus); Felipe (filo  +  hipos = o amigo do cavalo, por isso era nome de rei). E por aí vai.

Vamos pensar bem os nomes, tanto na vida quanto na arte. Os filhos e a literatura agradecem.

TEMPOS MODERNOS


Tecnologia. Nunca imaginei que estaria escrevendo em um realejo moedor de música e as transformassem tão rapidamente em pensamentos. Antes tínhamos apenas o lápis e o papel. Depois vieram as máquinas de escrever. Hoje temos os computadores e tablets. O que virá em seguida? Sinceramente não sei. O que vou tentando aprender é dedilhar minhas canções nesses instrumentos maravilhosos e cheios de acordes – ao menos com bem mais notas do que já estive acostumado. Tudo andou. O futuro chegou, mas as letras (a maior de todas as invenções) ainda se organizam nas entranhas de cada engrenagem, ou chip.
Quando comecei a estudar na faculdade, ainda lembro que no laboratório de informática (nas salas em que frequentava), havia uma torre (CPU) para cada quatro ou cinco telas. Em um dia desses, desastrado que sou, terminei de fazer o que tinha e, como eu estava do ladinho da máquina principal, PUM! Desliguei o aparelho. Não precisa nem dizer que fui vítima de zangas alheias.
Portas também me afligem. Logo nos primeiros dias de aula na universidade (e novamente me pego lá...), sedento em conhecer aquele espaço maravilhoso chamado biblioteca, empurrei a porta, e nada. “Está fechada!” – pensei. Quando vi de longe uma menina que se dirigia para o mesmo local. “Ela vai ter que esperar. Fechada, mas não vou dizer!” E pronto, ela entrou. Só que mais sábia, ao invés de empurrar, ela puxou. Nem precisou proferir um “Abre-te Sésamo!” Ah! Ainda acho que puseram o adesivo de “puxe” por conta de perdidos como eu. Bom, pelo menos contribuí de alguma forma para um mundo mais aberto. Mas não, em ‘Shoppings’ eu não vou. Tenho medo daquelas portas que abrem sozinhas.
Contudo – ainda bem! – pelo menos no aplicativo “Word” ando me saindo bem. Também, depois de algumas dezenas de artigos; de escrever centenas de textos; uma monografia; e uma dissertação... Enfim, acho que até ando dedilhando como um violonista clássico, eu acho. Falo da velocidade, não da qualidade. Incrível como sobrevivi a tantas atitudes “charleschaplianas”. Hoje rememoro tudo com bom-humor. Contudo não riam de mim, leitores. Sofri bastante naquela época!
Como as coisas se ajustam! Dostoievski tinha razão em suas “Memórias da casa dos mortos”: “o homem é um ser que a tudo se habitua, e essa é, a meu ver, a melhor de suas qualidades.” Há muito de mim nisso!

Ainda estão rindo? Ah, não conto mais nada! 

SOBRE O AMOR...


O amor é o verbo mais difícil de conjugar. Precisamos começar pelo ‘eu cultivo’ e rezar para que ‘tu cultives’... Quem sabe dali possa florescer um ‘eu te amo’ e, até mesmo, um ‘tu me amas’ bem gordinho, também!? Não sou nenhum Pablo Neruda, menos ainda um Vinícius de Moraes, sou um aprendiz de amante. Um inquieto que quer aprender as conjugações desse verbo irregular – contrariando toda a lógica da gramática. O Amor não se mede, ele não pode ser consultado em manuais. Não mesmo! Todos somos conjugáveis: eu dilso, tu dilsas, ele dilsa... até os nomes se diluírem em alguma outra coisa que não mais eu, nem tu.
Um dia acordei doente. Minha esposa me perguntou por que eu estava assim. Respondi que era pelo excesso de trabalho – andava cansado, mas sabia que não podia parar. “Só amamos o outro quando cuidamos de nós” – proferiu ela. No mesmo instante adormeci e acordei mais leve para meu próximo dia útil.
Contudo, saiba que, se nos amarmos demais, o amor pode virar madrasta ao nos perceber para fora de nosso reflexo. Espelhos são frágeis, não negam beleza a quem os pode quebrar - só que não somos espelhos. Nunca pergunte nada ao espelho. Ele vai dizer sempre sim, tu és a mais bela. Jamais contrariaria a força de um autoengano que pode quebrá-lo por desengano. Ele é frágil, não tolo. O amor acaba quando nos damos conta de que, não sendo uma cópia de nós, o outro é capaz de existir sozinho. Quebrando o egoísmo, quebra-se o encanto. Não podes querer alguém como um reflexo de ti. Os espelhos ignoram nossas interioridades. Mas se gostas mesmo de paisagens, ecos... Vá morar nas montanhas, não nas pessoas.
O amor é uma doença estranha: não sabemos direito de onde vem. Se do corpo, se da alma... Mas sabemos muito bem sobre a cura – e o pensamento sobre a cura, quanto mais profundo, nos ‘enfebra’ ainda mais.

Olhemos para os outros deixando de lado as imagens fabricadas de nós próprios sobre os demais. Desassombremos. Livremos o mundo de nossas contaminações. Desses inventos intuitivos de tantos 'eus' que se amam e 'fantasmagoram' outros tantos espíritos que, logicamente, não são nossos. Ensaiemos nossas 'outredades'. Pois mesmo sendo impossível ver-se como um outro, acabamos sendo um outro para outros também. Exorcizemos nossos Narcisos antes que eles nos prendam nos espelhos de alguma lagoa triste e solitária por ali, em algum cantinho de dentro de nós mesmos.

SER/ESTAR RICO...


O mundo é tão grande que acabamos desperdiçando os olhares e as peles todas correndo atrás de bens financeiros. Não nego a necessidade. Mas dedicar-se só a isso não dá. Dizem que há tempo para tudo nesta vida. Eles (os tempos) podem se multiplicar, sim. Se nunca pensou nisso, lembre-se daqueles meninos que deixou lá atrás. Eles é que sabiam de duplicação, triplicação, ‘infinitaplicação’. Quando crianças, dinheiro não era problema, ganhávamos uns trocados dos pais e era o bastante para nos satisfazer o dia todo. O menor bem não era tão mal: brincar. Sabíamos o que os animais sabem: o “não-saber” de nenhum amanhã. Já fomos milionários. Era só esticar o pé, e pronto, nos transformávamos no que quiséssemos. Saudades daqueles garotos!!!
Ser rico é saber do que é feito. Não subestimar as incalculáveis essências que estão dentro e fora de nós. Se desperdiçarmos as flores, elas murcharão, nós murcharemos. É necessário que sejamos um pouco jardineiros para com elas, espécies de amigos da terra; contempladores; amantes das janelas (essas famintas por mundo); navegantes/navegados; fazedores de caminhos... Rico é aquele que bebe das brevidades até a última gota. É aquele que não se “financeira”, mas se faceira por uma grama verdinha, recém-cortada, macia. Enfim, é jogar longe os sapatos que usou o dia todo e deixar os pés à deriva em meio à horta ‘terrenha’ cultivada nos fundos.
Por outro lado, estar rico é faceirar-se para uma finança. Gastar-se por um bocado a mais de dinheiro. É possuir uma herança, que seja, e não pensar em mais nada, só nela. É trabalhar, trabalhar, trabalhar. Sim, precisamos mesmo disso, porém não somos tão precisos assim. Viver para além dos dias tortuosos é importante. Este rico fica sempre na gangorra do estar e no medo de não estar mais. O dinheiro traz felicidade sim, isso não nego, só que ele não pode nos gastar tanto. Status é bom, mas a que custo? Confesso que sem gastar um pouco eu não seria completo. Gasto, gasto muito comprando livros. Sinto-me endinheirado assim. Neste momento, não, não estou rico, sou rico, porque utilizei a riqueza para salvar os olhos que se abrem (para dentro e para fora) para sentir aquela vontade toda pelo pouco tempo que lhes resta dos dias.
Se desejarmos SER – preste atenção! – devemos (no final de uma jornada longa de trabalho) dar folga às gravatas, chupar para longe os calçados e gritar bem alto enquanto movimentamos os dedos (livres) sobre a grama: CARPE DIEM!!!!!!!!!