No finalzinho do ano
passado, gentilmente, uma colega professora insistiu-me para levar um livro do
Rubem Alves. Ela cuidava da biblioteca e passava o dia em meio a um ambiente
que considero muito salubre – sei que o escritor argentino Jorge Luis Borges,
na certa, concordaria comigo. Ali, naquele espaço de um dia de trabalho,
encontrei a solução para cuidar um pouco de meus “dentros”. A Jussara (este é o
nome dela) foi feliz na indicação. Mas não peguei apenas porque tinha que ler
algo. O que me impressionou e atraiu foi a maneira com que ela me ofereceu
aquela joia. Parecia que a obra e o autor tinham tocado sua alma de algum jeito
mágico. Ele transbordava de sua fala apaixonada. Então percebi, sim, eu
precisava lê-lo.
Ah, esse Alves! Como
pôde me fazer sentir um cozinheiro? Explico: após o achado, li muito mais
livros do escritor. Viciei. Deste modo, sempre com muita alegria, percebi que
alguns elementos frequentavam bastante suas ideias (comida, professores,
crianças, alma, sabor e sabedoria).
Impossível não amar a
seguinte frase: “Os professores deveriam aprender com as cozinheiras”. Lindo
para quem sabe que sabedoria tem a mesma raiz de sabor. Segundo ele,
antigamente não se dizia “vou saborear um bife, uma salada...” Falava-se: “vou
saber um bife, uma salada...” Não, meus caros, não dá para saber sem sentir o
sabor das coisas. O paladar, quando falo em saborear, não é o único sentido que
percebe os sabores. Dá para degustar uma música, um veludo, um perfume... Por isso
ele afirma com tanta veemência que as cozinheiras é que deveriam ensinar aos
professores, pois elas sim é que são sábias, fabricam gostos, tocam a qualquer
alma.
Quanto às crianças de
Rubem, elas são os seres mais maravilhosos de todos. Ele as reverencia, as ama
e nos faz sentir um pouco sentidos por acreditarmos que somos menos sensíveis
ao mundo do que já fomos. De acordo com ele: “São as crianças que veem as
coisas – porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro
de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as
veem mais. As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais. Ser adulto é ser
cego.”
Sim, deixem-se perder por
essa bússola de mil ponteiros que a Jussara me mostrou, porque achar-se é também
uma maneira de se alienar. Não foi à toa que um grande poeta português
(Fernando Pessoa) afirmou: “Viver não é preciso”.
É, cavalheiros, a vida
não tem precisão alguma, basta uma entrada na biblioteca, e PUM, a rota
“desrotina-se” para outros caminhos: e tudo se descobre descoberto!
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