O amor é o verbo mais
difícil de conjugar. Precisamos começar pelo ‘eu cultivo’ e rezar para que ‘tu
cultives’... Quem sabe dali possa florescer um ‘eu te amo’ e, até mesmo, um ‘tu
me amas’ bem gordinho, também!? Não sou nenhum Pablo Neruda, menos ainda um
Vinícius de Moraes, sou um aprendiz de amante. Um inquieto que quer aprender as
conjugações desse verbo irregular – contrariando toda a lógica da gramática. O
Amor não se mede, ele não pode ser consultado em manuais. Não mesmo! Todos
somos conjugáveis: eu dilso, tu dilsas, ele dilsa... até os nomes se diluírem
em alguma outra coisa que não mais eu, nem tu.
Um dia acordei doente.
Minha esposa me perguntou por que eu estava assim. Respondi que era pelo
excesso de trabalho – andava cansado, mas sabia que não podia parar. “Só amamos
o outro quando cuidamos de nós” – proferiu ela. No mesmo instante adormeci e
acordei mais leve para meu próximo dia útil.
Contudo, saiba que, se
nos amarmos demais, o amor pode virar madrasta ao nos perceber para fora de
nosso reflexo. Espelhos são frágeis, não negam beleza a quem os pode quebrar -
só que não somos espelhos. Nunca pergunte nada ao espelho. Ele
vai dizer sempre sim, tu és a mais bela. Jamais contrariaria a força de um
autoengano que pode quebrá-lo por desengano. Ele é frágil, não tolo. O
amor acaba quando nos damos conta de que, não sendo uma cópia de nós, o outro é
capaz de existir sozinho. Quebrando o egoísmo, quebra-se o encanto. Não
podes querer alguém como um reflexo de ti. Os espelhos ignoram nossas
interioridades. Mas se gostas mesmo de paisagens, ecos... Vá morar nas
montanhas, não nas pessoas.
O amor é uma doença
estranha: não sabemos direito de onde vem. Se do corpo, se da alma... Mas
sabemos muito bem sobre a cura – e o pensamento sobre a cura, quanto mais
profundo, nos ‘enfebra’ ainda mais.
Olhemos para os outros
deixando de lado as imagens fabricadas de nós próprios sobre os demais.
Desassombremos. Livremos o mundo de nossas contaminações. Desses inventos
intuitivos de tantos 'eus' que se amam e 'fantasmagoram' outros tantos
espíritos que, logicamente, não são nossos. Ensaiemos nossas 'outredades'. Pois
mesmo sendo impossível ver-se como um outro, acabamos sendo um outro para
outros também. Exorcizemos nossos Narcisos antes que eles nos prendam nos
espelhos de alguma lagoa triste e solitária por ali, em algum cantinho de
dentro de nós mesmos.
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