Há algum tempo li uma
entrevista de Erico Veríssimo, de fato, muito instigante. Ao ser perguntado
sobre a intelectualidade de Mafalda, sua esposa, o escritor, sem titubear,
respondeu mais ou menos assim: “Ela tem uma inteligência natural, não para as
letras, mas para outros mundos.” O que me inquietou. Minha mãe também é assim, mas
mesmo sem depositar sua essência no papel, ela me ensinou como fazer isso. Falo
em tempos distantes onde ou aprendíamos ou o mundo nos devorava – sabemos, os
tempos mudaram, claro, hoje basta um carimbo e um diploma: “empapelamo-nos”.
Há mundos distintos nas
palavras escritas (quem lê sabe disso), porém elas foram “gravadas” de forma
estudada por alguns homens e mulheres tão interessantes quanto a Mafalda e a
Ana, minha mãe. Como eu dizia acima, ela foi quem me mostrou as letras. Sem
isso, ironicamente, como vocês poderiam estar me lendo aqui?
Conforme um poema de
Florbela Espanca: “Os olhos são indiscretos/ Revelam tudo o que sentem/ Podem mentir
os teus lábios/ Os olhos, estes não mentem.” Sim, os olhos. Falo dos que
acompanharam os meus sobre o papel. Não bastava um par, as letras pediam um que
soubesse ver mais... Cansados de um dia sofrido, cabisbaixos pela caminhada
longa e da “pobreza” de não possuir carro, ou qualquer outro veículo que os
trouxessem. Aqueles olhos sempre vinham até mim. Os meus ainda não sabiam olhar
mais profundamente às profundezas deles, mas fotografei alguns em minha
memória. Eram dedicados, quando comigo; guerreiro, ao sentir uma de suas
‘crias’ em perigo; e letrados ao ler, sem saber juntar, as letras que me
ensinou a amar.
Falo, ainda, das
cozinheiras. Sabor é um elemento que ela (minha mãe) conhece bem, sempre conheceu:
foi filha da cozinha – ainda é. Graças aos deuses, meu gosto pela escrita veio
das panelas, uma vez que ‘sabor’ e ‘saber’ são verdades da mesma raiz. Não
posso fazer essa comparação comigo mesmo, porque é minha “velha” que era/é quem
conhece muito bem as duas, tanto os sabores quanto os saberes – mesmo sem saber
ouvir as vozes que vinham do papel.
Acho que, por conta
dessa Dona de inteligência natural é que carrego e dissemino através das
palavras essa máxima: “Não seja de papel. Seja pele. Seja ouvidos. Seja boca.
Papéis não sentem, acumulam-se nas gavetas, são o artifício de uma competência que
nem sempre temos: a de lermos o mundo e a nós mesmos.”
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