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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

AOS OLHOS...


Há algum tempo li uma entrevista de Erico Veríssimo, de fato, muito instigante. Ao ser perguntado sobre a intelectualidade de Mafalda, sua esposa, o escritor, sem titubear, respondeu mais ou menos assim: “Ela tem uma inteligência natural, não para as letras, mas para outros mundos.” O que me inquietou. Minha mãe também é assim, mas mesmo sem depositar sua essência no papel, ela me ensinou como fazer isso. Falo em tempos distantes onde ou aprendíamos ou o mundo nos devorava – sabemos, os tempos mudaram, claro, hoje basta um carimbo e um diploma: “empapelamo-nos”.
Há mundos distintos nas palavras escritas (quem lê sabe disso), porém elas foram “gravadas” de forma estudada por alguns homens e mulheres tão interessantes quanto a Mafalda e a Ana, minha mãe. Como eu dizia acima, ela foi quem me mostrou as letras. Sem isso, ironicamente, como vocês poderiam estar me lendo aqui?
Conforme um poema de Florbela Espanca: “Os olhos são indiscretos/ Revelam tudo o que sentem/ Podem mentir os teus lábios/ Os olhos, estes não mentem.” Sim, os olhos. Falo dos que acompanharam os meus sobre o papel. Não bastava um par, as letras pediam um que soubesse ver mais... Cansados de um dia sofrido, cabisbaixos pela caminhada longa e da “pobreza” de não possuir carro, ou qualquer outro veículo que os trouxessem. Aqueles olhos sempre vinham até mim. Os meus ainda não sabiam olhar mais profundamente às profundezas deles, mas fotografei alguns em minha memória. Eram dedicados, quando comigo; guerreiro, ao sentir uma de suas ‘crias’ em perigo; e letrados ao ler, sem saber juntar, as letras que me ensinou a amar.
Falo, ainda, das cozinheiras. Sabor é um elemento que ela (minha mãe) conhece bem, sempre conheceu: foi filha da cozinha – ainda é. Graças aos deuses, meu gosto pela escrita veio das panelas, uma vez que ‘sabor’ e ‘saber’ são verdades da mesma raiz. Não posso fazer essa comparação comigo mesmo, porque é minha “velha” que era/é quem conhece muito bem as duas, tanto os sabores quanto os saberes – mesmo sem saber ouvir as vozes que vinham do papel.
Acho que, por conta dessa Dona de inteligência natural é que carrego e dissemino através das palavras essa máxima: “Não seja de papel. Seja pele. Seja ouvidos. Seja boca. Papéis não sentem, acumulam-se nas gavetas, são o artifício de uma competência que nem sempre temos: a de lermos o mundo e a nós mesmos.”  


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