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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES


Durante um seminário, pedi a alguns alunos que escolhessem uma entre cinquenta obras literárias, todas elas elencadas por mim. Deveriam apresentar para o grupo. Deixei-os livres para criar e pensar sobre cada apresentação. Os trabalhos estavam muito bonitos e criativos. Naquele momento, acho que todos se divertiam ao beber das vozes “brincriativas” uns dos outros. Por sua vez, um daquele me chamou atenção. Tratava-se da exposição do livro “Memórias de minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Márquez. Prêmio Nobel, o colombiano pedia uma leitura pouco mais quente (tenho a impressão de que os literatos latino-americanos escrevem pegando fogo). Não que eles não estivessem indo bem. Pelo contrário, estavam. Mas faltava um elemento que exigia deles certa libertação. Então recomendei a leitura do parágrafo onde o narrador da história descrevia uma relação sexual com sua empregada, relação esta um pouco inusitada.  Como ela (a empregada) conservava-se virgem, não precisa nem dizer por onde ocorreu a penetração. Calma, leitor, não me tome por promíscuo, está na obra!
Naquele momento, naturalmente, senti que os rostos se enrubesceram. Tanto os das meninas quanto os dos meninos (estava ministrando a disciplina no Curso Superior, ou seja, ali todos eram adultos), claro, acho que ficaram um pouco sem jeito, mas não podia esfriar. Então resolvi ler, após as falas dos garotos, o poema “Merda e ouro”, do paranaense Paulo Leminski. Repito aqui: “Merda é veneno./ No entanto, não há nada/ que seja mais bonito/ que uma bela cagada./ Cagam ricos, cagam padres,/ cagam reis e cagam fadas./ Não há nada que se compare/ à bosta da pessoa amada.”
Sim, acho que tirei o tom romântico e bucólico do pensamento sobre literatura. A ideia foi esta mesmo. Quis provocar meus alunos a pensarem além do que se entende comumente por poesia ou romance. Falei dos poetas que falam sobre a morte. Recitei “O se eu morresse amanhã”, de Álvares de Azevedo. Enfim, foi naquela apresentação que pude fazê-los sentir o que tanto defendo: “se tu não sentires uma atração quase que sexual por uma obra, não a leia, pois gostar não é suficiente, é preciso desejar!”
Acho que as coisas funcionaram bem. Nem um fio de protestos ou manifestações. Não se ouviu represálias puristas. A proposta pareceu ter sido aceita. Tão bem aceita que ouvi, após a apresentação dos rapazes, coisas do tipo: “Onde eu compro esse livro?” Tem na biblioteca?” “Eu quero ler!” Deu certo. Ufa! Entenderam bem, aprenderam.

Era isso. Perdão aos que gastaram seu tempo lendo esta crônica. Minha intenção não foi chamar atenção com escatologia, só quis relatar um caso sem água e sem açúcar.  

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