Durante um seminário,
pedi a alguns alunos que escolhessem uma entre cinquenta obras literárias,
todas elas elencadas por mim. Deveriam apresentar para o grupo. Deixei-os
livres para criar e pensar sobre cada apresentação. Os trabalhos estavam muito
bonitos e criativos. Naquele momento, acho que todos se divertiam ao beber das
vozes “brincriativas” uns dos outros. Por sua vez, um daquele me chamou
atenção. Tratava-se da exposição do livro “Memórias de minhas putas tristes”,
de Gabriel Garcia Márquez. Prêmio Nobel, o colombiano pedia uma leitura pouco mais
quente (tenho a impressão de que os literatos latino-americanos escrevem
pegando fogo). Não que eles não estivessem indo bem. Pelo contrário, estavam.
Mas faltava um elemento que exigia deles certa libertação. Então recomendei a
leitura do parágrafo onde o narrador da história descrevia uma relação sexual
com sua empregada, relação esta um pouco inusitada. Como ela (a empregada) conservava-se virgem,
não precisa nem dizer por onde ocorreu a penetração. Calma, leitor, não me tome
por promíscuo, está na obra!
Naquele momento, naturalmente,
senti que os rostos se enrubesceram. Tanto os das meninas quanto os dos meninos
(estava ministrando a disciplina no Curso Superior, ou seja, ali todos eram
adultos), claro, acho que ficaram um pouco sem jeito, mas não podia esfriar. Então
resolvi ler, após as falas dos garotos, o poema “Merda e ouro”, do paranaense
Paulo Leminski. Repito aqui: “Merda é veneno./ No entanto, não há nada/ que
seja mais bonito/ que uma bela cagada./ Cagam ricos, cagam padres,/ cagam reis
e cagam fadas./ Não há nada que se compare/ à bosta da pessoa amada.”
Sim, acho que tirei o
tom romântico e bucólico do pensamento sobre literatura. A ideia foi esta
mesmo. Quis provocar meus alunos a pensarem além do que se entende comumente
por poesia ou romance. Falei dos poetas que falam sobre a morte. Recitei “O se
eu morresse amanhã”, de Álvares de Azevedo. Enfim, foi naquela apresentação que
pude fazê-los sentir o que tanto defendo: “se tu não sentires uma atração quase
que sexual por uma obra, não a leia, pois gostar não é suficiente, é preciso
desejar!”
Acho que as coisas
funcionaram bem. Nem um fio de protestos ou manifestações. Não se ouviu
represálias puristas. A proposta pareceu ter sido aceita. Tão bem aceita que
ouvi, após a apresentação dos rapazes, coisas do tipo: “Onde eu compro esse
livro?” Tem na biblioteca?” “Eu quero ler!” Deu certo. Ufa! Entenderam bem,
aprenderam.
Era isso. Perdão aos
que gastaram seu tempo lendo esta crônica. Minha intenção não foi chamar
atenção com escatologia, só quis relatar um caso sem água e sem açúcar.
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