.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

TRABALHO DE LITERATURA SOBRE O CONTO "O ALIENISTA", DE MACHADO DE ASSIS* E NA SEQUÊNCIA FOTOS DO TEATRO SOBRE "O CORTIÇO", DE ALUÍSIO AZEVEDO**

* Esses meus alunos são muito criativos. Parabéns Luíza, Marcos, Betina, Josiane, Bruna e a incrível participação do pai de uma delas como narrador. Ambos alunos do segundo ano do ensino médio (2b) da Escola Ernesto Alves de Oliveira - Santa Cruz do Sul, grande turma... 
Ótimo trabalho meninas e meninos!!!


** Alunos do segundo ano médio (2B) da Escola Frederico Kops - Sinimbu, pousando para foto depois de uma excelente apresentação teatral da obra "O Cortiço", de Aluísio Azevedo. 
Parabéns a vocês também Anderson, Anelise, Alesandra, Beatriz, Elisa, Franciele, Jaqueline, Liliane, Tatiana e Yeny.
Ótima (re)criação!!!

sábado, 29 de outubro de 2011

VINTE E QUATRO HORAS...**




Cansado, cheguei finalmente em casa. O dia fora duro, mas não mais do que a incompetência de desligar por completo e ficar em estado puramente mecânico, sem pensar... Ao abrir a porta, que gemia em uma canção já conhecida, minha esposa recebeu-me com um sorriso de olhos e lábios, enquanto minhas filhas – cada qual a seu modo – abraçavam-me bem forte... Após o ritual de sempre (banho, café, mais abraços...), perguntei a minha mais velha como havia sido o dia... – Legal! – respondeu no ato. Baixei a cabeça, andei em volta de minha estante de livros, olhei para alguns e escolhi um libreto de ópera. Passei em frente à tagarelice da TV; por entre a brincadeira que se desenvolvia em outro nível de tempo; e recolhi-me a um pequeno espaço onde um tocador de CDs ficara calado, acredito, por um bom tempo... Pus o primeiro disco (Pelléas e Mélisande, de Claude Debussy), abri o tal libreto e acompanhei a tragédia...
   O tempo foi passando, enquanto a história ia se confundindo com imagens que dançavam e sofriam sob as vozes de seus personagens... Como podem verdades tão perfeitas evoluírem para uma obra tão bem arquitetada e envolvente? Quase me vi com os amantes Pélleas e Mélisande acompanhando o mar que embalava um navio de velas altas, solitário e que sumia vagaroso na noite descortinada ao final do Primeiro Ato... Abri os olhos e percebi onde estava de fato meu corpo. Levantei da cadeira, cumpri mais rituais, conversei com minha esposa sobre nossas sortes, beijei a todos e recolhi-me... Naquela noite não sonhei, contudo acordei aos poucos com A Primavera, de Vivaldi (apesar do inverno...). Tratava-se do toque de meu celular/despertador. Levantei, fiz o que mandava a rotina e segui para o ponto de ônibus. Entrei, sentei-me no mesmo lugar de sempre, tirei meu Dostoievski da mochila e continuei de onde havia parado... “Não Ródia, como pode viver assim? Isso não é vida. Um rapaz que frequentou a academia... O que aconteceu? Anda pelas ruas como alma perturbada... O que há contigo, Raskólnikov? Vive a conversar com perdidos como Marmeládov em tavernas decadentes de São Petersburgo...”. Fui trazido de volta à realidade quando ouvi o som que denunciava que meu ponto havia chegado. Fechei oCrime e Castigo e segui minhas pernas até o local de trabalho.
Durante a atividade, o corpo ia para um lado e o pensamento teimava em seguir para outro, e, entre uma parada e um tempinho para o tradicional café, tirava do bolso um pequeno volume... “Morte, morte... O que fazer se fora ela que se apaixonara por mim? Essa louca, agora matou seu marido e, sobre ele, deixou o cadáver de sua filha... Para ficar comigo? Essa Medeia, o que ela pensa? Essa bruta só conseguiu atear fogo em um espírito...”. Uma voz externa então me chamou... Hora de voltar! Fechei minha Noite na Taverna e deixei adormecer o Gênio (Álvares de Azevedo) na lâmpada de onde o havia libertado...
O dia acabara, peguei o coletivo, sentei no mesmo banco... “Ródia, nem a carta de sua mãe é o bastante para te trazer de volta ao mundo? Eu sei, estou vendo sua preocupação! Sei também que parece simples resolver problemas alheios, mas levante a cabeça... Caminhe, sim, ande e pense, não olhe para mais ninguém, siga...”. Desci e segui... Porém não conseguia mais observar os rostos da volta, fiquei algemado a Raskólnikov e já não conseguia deixá-lo... Até que o som da porta se abrindo me trouxe mais uma vez para o corpo... Estava novamente em casa. Cumpri a rotina, voltei-me à estante e, agora – isso mesmo leitor, nesta mesma brecha de tempo em que te relato esta gravação do presente! –, decidi ouvir as cores da música de Weber enquanto me pego escrevendo esse relato tão kafkiano, retirado das entranhas de minha própria vida no período aproximado de vinte quatro horas.
Neste momento, escrevendo, já posso respirar, pois transformei a repetição em palavras que se repetirão diferente nos pensamentos de todos os que tiverem tempo para lerem um dia na epopeia de um simples homem no mundo. Sinto que assim renascerá uma legião de espíritos que partirão do porto que fiz em meu peito, pois sei que estarei envelhecendo e morrendo se não compartilhar e transformar o círculo em retas... Meu desejo, com isso, é confeccionar muitas e longas flechas para serem lanças para longe, pois quero evoluir o corpo, esquecer dos espíritos e viver como um comum que apenas nasce, perambula e morre. Tudo sem ao menos inquietar-se sobre o que ocorre dentro de seu próprio âmago, ser novamente apenas um artista da fome que vive alimentado por programas que programam a desnutrição do pensamento crítico da sociedade. Não quero fugir disso. Quero, como antes, acreditar em tudo, ser livre na escravidão da caverna “das oito”, onde o Brasil inteiro raciocina igualmente, sendo FELIZ. 

** Esse texto foi escrito e publicado no dia 2 de junho de 2011, contudo reponho-o para que minhas alunas e meus leitores vejam que tanto o compositor Weber que dei para a Débora quando o Debussy que se deu para Carol, já fizeram de alguma forma parte de minha construção de vida...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

MÚSICA**

    No toque acabamos reconhecendo que uma pelúcia nos denuncia, não pela forma felpuda do objeto, mas pela maneira intensa de como a percebemos em toda a sua textura e delicadeza, onde constatamos que tudo isso já estava impresso em nós. Assim é com a música, ela talvez varie discreta em suas evoluções, contudo seus vapores invisíveis são vistos pelos nossos ouvidos, às vezes, como gases coloridos que se misturam a reinventar cores novas na fábrica perceptiva de cada ateliê particular. Há quem sinta o cheiro de uma sinfonia; o gosto de uma ária de ópera; a imagem de um grande coração que explode nos metais e nos tambores de um allegro; e há também os que sentem o toque áspero de um fagote rouco a acariciar seus dedos... E nessa sinestesia, vitimados pelas inquietações desse empírio musical, encontramo-nos, geralmente, a sós conosco, pois no ritmo inquirido pela vida, sempre estamos sozinhos com nossas emoções. Enfim, nesse concerto vital, indiferente de nossa consciência, sempre estaremos em estado de música, de solidão ritmada pela poiésis de todas as nove musas que cantam em uníssono a cada nota encontrada e organizada tanto dentro (no coração) quanto fora de nosso peito ressoante... 

** Hoje, após estar com a cabeça cheia devido a uma série de problemas... (vide o texto "o prazer pelo sofrimento"), fui surpreendido com um convite onde um   de meus três alunos (a Lúcia/luz) – todos músicos da Orquestra Jovem da UNISC – convidava-me para uma de suas apresentações. Fiquei deveras honrado ao perceber a preocupação de alguns de meus músicos favoritos em querer me ver e fazer questão de que eu os ouvisse durante sua execução – percebi nos olhares... 
  Um bravíssimo e infinitas reverências à Lúcia Carolina, ao Oeslei (o nome dele é assim mesmo hehehehe...) e à Malú!!! 
   Salvaram minha alma, queridos... Obrigado!!! 

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A IRONIA MACHADIANA NA ESCOLHA DOS NOMES**


Tendo em vista o enorme acervo de obras escritas pelo autor, Machado de Assis, optamos em analisar apenas o protagonista Damião do conto intitulado O Caso da Vara, pois avaliamos (e tentaremos provar) que a interpretação desse nome, dentro do conto – além de servir de exemplo para que se fomente uma atenção especial às personagens que povoam, também, outros textos do autor – não estão simplesmente para ornamentar, mas contribuir de maneira essencial e efetiva a sua plena compreensão.
Aqui não exporemos outros acontecimentos, por acreditarmos já terem sido bastante trabalhados por outros críticos que se ocuparam em expor a biografia do autor. Preferimos ocupar-nos, propositalmente, com a parte da vida de Machado que expressa uma pouco sobre sua infância, com o pensamento de que se possa entender um pouco mais sobre as perspectivas contidas na ação dramática de O Caso da Vara, uma vez que o autor nasceu em 1839 e o conto se passa em 1850, período em que o escritor teria onze anos de idade. Em uma passagem do conto percebemos a seguinte coincidência: “Damião olhou para a pequena; era uma negrinha, magricela (...). Contava onze anos”. A mesma idade e o mesmo período em que o pequeno Joaquim Maria Machado de Assis vivera seu décimo primeiro ano de vida. O que não é uma coincidência. Acreditamos que há um comprometimento com o ponto de vista infantil resgatado na perspectiva da infância do autor, não que ele tenha vivenciado fato semelhante, mas na essência de capturar uma personagem inteiramente verossímil.  
Em O Caso da Vara, a trama acontece da seguinte forma: Aturdido pela fuga, Damião, depois de muito pensar, resolve asilar-se na casa de Sinhá Rita, viúva e que mantêm um relacionamento instável com o padrinho do garoto, João Carneiro, relação esta incompreendido pelo seminarista. Movido pela honradez de ver o filho como padre, o pai de Damião obriga-o a estudar em um seminário. Não aceitando a situação, o rapaz, em um ato desesperado, resolve então fugir da instituição. Abrigado, agora, na casa de Sinhá Rita, convence-a a falar com seu padrinho – este que tinha o entregado pessoalmente nas mãos do reitor do seminário – para mediar sua decisão ao pai. Enquanto a história se desenrola, o rapaz, já mais calmo, resolve relaxar um pouco. Como as vizinhas de Sinhá Rita vinham todas as tarde com suas almofadas e seus biltres para bordar sob a atenção da dona da casa que ganhava a vida ensinando e presidindo os encontros, o moço, agora mais tranquilo, resolve interagir contando a elas uma de suas anedotas. Assim como as outras moças, entusiasmadas com a brincadeira, Lucrécia, uma menina negra que bordava em um dos cantos da sala, parou o trabalho e começou a se divertir com o que ouvia. Naturalmente, comovido com a alegria de uma criança de aparência tão sofrida, Damião faz um juramento para si mesmo: resolve apadrinhá-la. Mais tarde, irritada ao ver que o trabalho da menina Lucrécia (que na raiz do latim é algo que se aproxima dos termos rendimento, lucro) não havia “rendido” como deveria, Sinhá Rita pega-a por uma orelha e a arrasta pela sala, mas no momento em que Lucrécia consegue se soltar, sai correndo e implorando para que a senhora parasse de machucá-la. Quando finalmente conseguiu agarrá-la novamente, Sinhá olhou para o seminarista e pediu que lhe alcançasse a vara que estava sobre um móvel perto dele. Naquele momento, até “sentiu-se compungido; mas precisava sair do seminário! Chegou à marquesa, pegou a vara e entregou-a a Sinhá Rita”.
Dentro das crenças e tradições católicas, resquícios de característica mítica tradicionais, os Santos são entidades reverenciadas e respeitadas como representações equivalentes a algum elemento ou emoções expressas no mundo. Entre Santo Antônio, o casamenteiro; Nossa Senhora dos Navegantes; São Cristóvão, dos motoristas; Negrinho do Pastoreio, o santo que encontra o que está perdido; Santa Rita, a das causas impossíveis (atentem para a missão inquirida a Sinhá Rita no conto: convencer, mesmo que indiretamente, através de João Carneiro, o pai de Damião a aceitar a decisão do filho de não seguir a vida eclesiástica, tarefa quase impossível) e uma infinidade de entidades que fazem parte de um vasto repertório popular religioso, estão os gêmeos São Cosme e Damião, protetores dos inocentes (crianças), Santos estes que, pensando agora em Damião, de O Caso da Vara, nos dão a dimensão exata da intenção que tentou provocar o autor ao optar por um desses nomes, mais especificamente para adequar-se a essência da ação dramática (justamente o momento em que Damião alcança a vara para que a criança seja espancada). A ironia teve seu ciclo: quem deveria proteger – de acordo a promessa e o que se esperava pela expressividade do nome que carregava –, acabou transformando-se, inesperadamente, no veículo da ferramenta da agressão. A sutileza se torna completa em sua sofisticação quando comparamos o nome do seminarista Damião à alcunha “protetora” que permeia o nome de São Damião, um dos Santos cuja essência se firma na crença de que é, junto com o irmão Cosme, um dos protetores de todas as crianças de Deus.  
Enfim, nessa pequena e pretensiosa análise, esperamos poder ter conseguido demonstrar aos leitores um pouco sobre a intenção do autor ao eleger o nome do protagonista do conto. Acreditamos também que sem os elementos apresentados aqui não poderia ser possível a leitura plena do que concerne à compreensão exata da ironia construída por Machado de Assis, em o Caso da Vara. Contudo encerramos nosso relato com a esperança de que os futuros leitores das obras machadianas abram mais os olhos para perceberem o que se esconde por detrás de um simples nome de personagem, nunca esquecendo que estamos interagindo com as obras de um autor que não comete excessos em suas escritas, um verdadeiro “Bruxo” da boa literatura brasileira.

** Essa teoria tem uma história: "como sempre costumo ler no ônibus, naquele dia estava com a obra Terra do Sem Fim, de Jorge Amado (isso já faz alguns anos), percebi que havia um personagem que tinha o nome de Negro Damião. Fiquei inculcado, pois ele era um jagunço que atocaiava e matava suas vítimas por dinheiro, porém tinha um problema: ele recusava-se a tirar a vida de crianças e mulheres grávidas. Daí – nesse ponto da leitura –, bem atrás de mim, ouvi duas senhora conversando sobre os Santos da tradição católica... quando percebi, entre eles, os nomes São Cosme e Damião... Virei no banco e perguntei a que atribuíam-se essas entidades. Uma das senhoras então respondeu que se tratavam de gêmeos que foram consagrados como Santos e cuja a alcunha era a proteção de inocentes/crianças... 
Após esse episódio, agora prestando mais atenção nos nomes,  apareceu outra obra (O Caso da Vara) onde o protagonista também se chamava Damião. Constatei aí, como uma explosão de prazer, que o círculo estava se completando na ironia do nome e do que queriam dizer exatamente os seus autores ao batizá-los".
** Texto já postado, mas colocado de volta para que alguns alunos aproveitem com mais profundidade os temperos machadianos. Pelo menos essa é a intenção aqui!!! 

sábado, 15 de outubro de 2011

SOPHIA E AS FORMIGAS...**


  Ao entrar em casa, fugindo às tensões do mundo e do trabalho, vislumbrou o que ainda não havia presenciado em todos aqueles anos (pelo menos não ali dentro!): uma trilha de insetos - formigas negras - andando nervosamente em fileiras.
  Acompanhando com os olhos a enegrecida trajetória, repetindo nuances e, praticamente, junto com elas equilibrando enormes pedaços de migalhas, a senhora, aproximando mais o olhar, contemplou a grandeza de uma pequena e perfeita organização.
   Debruçou-se...
  O chão estava magnificamente limpo, o reflexo, traduzindo o teto, captava um corpo maior em cima de outro, o córrego de pequenas pernas pareciam transitar sobre elas próprias. A transfiguração parecia óbvia quando as pinturas metamorfosearam-se sobre si, parecia a criação de algo, parecia a percepção de uma outra parte que ela ainda não conhecia.
  Minutos se passaram em relação ao entendimento do outro mundo, seu corpo estava diferente, seus cabelos resumiam-se em duas antenas, seu universo mudara, seus membros mudaram, seus pensamentos mudaram... O desejo era de apenas seguir com sua bagagem e suas, agora, irmãs que já lhe saudavam com a lembrança de que tinha trabalho a fazer. Caminhou incessantemente seguindo o que ainda não sabia. Um impulso maior lhe acometia a tradução de que algo superior estava por de trás daquele ato, algo maior, algo misterioso.
  Passou por debaixo da porta dos fundos, pelo gramado, pelas imperfeições da terra... Parou. Descansou. Seguiu. Tudo era imenso! A fileira de insetos levou-a a um enorme monte. Lá dentro, quase como se as paredes se movessem, saltou-lhe os olhos a vida que se pintava em todas as partes, a colônia de formigas era magnífica.
  - Pela primeira vez me sinto parte de um todo - pensou -, pela primeira vez...
  Largou o que havia no dorso e aliviou-se enquanto retornava. O que trazia no instinto era o que manteria a todos, o que havia portado, em peso desmedido, era o que conservaria as outras que também carregavam o mesmo peso do velho mundo sobre as costas.
O cosmo é feito de tantas aspirações grandiosas que é impossível olhar para baixo. Ao retornar, aturdida com seu novo batente, nem percebeu quando...
  - Sophia, você está aí?
  E, entrando compulsivamente, pisou-a com tanta força que nem deu tempo de gritar. Os resquícios do velho mundo que sustentavam o novo haviam lhe cobrado com uma pegada certeira.
  - O que está fazendo aí deitada?
  - Acho que adormeci...

** Esse conto já foi concebido e posto a muito tempo por aqui, porém insisto em reposta-lo!!! 

domingo, 9 de outubro de 2011

Hermano, o mãos de cavalo (uma leitura possível)**


 O romance Mãos de Cavalo, de Daniel Galera, apresenta em sua estrutura uma interessante disposição de ideias encaixadas no texto de maneira bastante criativa e madura. Sua arquitetura ganha planos independentes que se intercalam ao decorrer da narrativa, quase como um encontro entre o presente e o passado. Nota-se também, diferentemente do plano da juventude, uma linearidade na narrativa a começar pelo chamamento dos capítulos que se iniciam com horas. Quando a personagem (Hermano) corre de bicicleta e quinze anos mais tarde corre com seu carro (Pajero) é como se os dois tempos andassem para um encontro sublime e não premeditado consigo mesmo. A explicação, talvez, para o nome dado ao romance, seria justamente no aspecto que diz respeito a essa corrida. O cavalo, obviamente, não tem mãos, mas patas, o que nos leva a pensar na forma com que o animal se utiliza desses membros, nos trazendo de volta ao andamento do romance. Metonimicamente as mãos são as partes que representam a personagem central, Hermano e sua “cavalgada ou carreira” na busca por ele mesmo.
   Desde o primeiro capítulo já percebemos uma riquíssima descrição de detalhes, tanto em situações ocorridas com as personagens, quanto nos espaços. Essas descrições minuciosas facilitam, também, na construção de imagens com elementos e situações engendradas na busca de harmonização entre a(s) narrativa(s): a fase adolescente e a adulta. Acompanhando a trajetória do protagonista, ruminada através de suas recordações, temos a impressão de que ocorreram algumas situações bastante traumáticas e contundentes que se refletem agora, no tempo adulto.
    Veja a seguinte passagem como exemplificação do que queremos dizer:
   “Ao pensar no nome da filha percebe pra onde, na verdade, está guiando seu Mitsubishi Pajero. Pela primeira vez na vida, se sente à vontade pra admitir pra si mesmo que não gosta do nome” (p. 96). Aqui a personagem já começa a refletir sobre o homem que se tornou. Seus medos e sua suposta covardia repercutem nas situações que agora vivencia.
   O paralelo em que os dois tempos andam e se comunicam é que fazem com que, progredindo e retrocedendo, prendemo-nos a leitura para não perder-se nenhum fio. E assim, até o final, temos a impressão de sermos os responsáveis por criar a ponte e a tessitura de reconciliação entre os dois caminhos: o do passado e o do presente de Hermano.

** Confesso que para mim é difícil atrair-me por textos contemporâneos, mas esse inquietou-me de uma maneira bastante particular. Assim, ofereço essa pretensiosa resenha/dica de leitura à minha amiga Rejane Martins que tão bem sabe apreciar um bom e velho texto existencial... 
Obs: E ainda por cima é regido pela pena de um gaúcho que tem a minha idade: Daniel Galera (1979). Bom demais! 

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Severino da própria vida...**




O que me resta na vida:
Uma estrada repisada
Que ainda mais fica batida,
Uma vida e uma morte,
Morte e vida Severina.
Nas crinas do pensamento
No fosso a vista perdida
Onde passa o cego norte
Cujo passo são sem rastros
Na miséria rebatida
Das patas do tempo torpe,
Sobre as carroças da morte
Do inferno que nada se perde,
E também nada se ensina,
Na vida que se culmina
Nessa máscara de satura
Que no rosto fica e se enfia
Despedindo a harmonia
Que voa na intra-morte
Que perde na intra-vida
O valor que se consome
Nessas palavras vencidas.

** Ao amigo, professor e poeta Bento Sales...

sábado, 1 de outubro de 2011

OS PROFESSORES E O MUNDO...**


Em sala de aula a vida parece multiplica-se, pois – do ponto de vista do professor – os olhares são muitos e as perspectivas variadas no desenho de cada rosto em particular. Assim, partindo do princípio de que cada indivíduo tem por detrás dos olhos um mundo inteiro de complexidade e que a janela para esses universos escapam involuntariamente na expressão de cada um desses semblantes, concluímos que nossas verdades só se validarão se o foco entre esses universos (dos alunos) somados aos nossos (dos professores) estiverem afinados e comprometidos em um mesmo objetivo, esse nem sempre tão simples de se cumprir: o equilíbrio entre as individualidades como parte de um mesmo grupo.
Contudo, os universos às vezes não conspiram a um mesmo fim, porque, como disse acima, são complexos e, ainda, a cada dia, mutáveis em suas organizações temperadas ou apimentadas entre si. O dosador/professor é quem deve (mesmo em um mau dia, pois ele também é humano) tentar reorganizar-se para tais ânimos, visto ser o responsável por essa gama de espíritos que muitas vezes se perdem a vagar por aí. Sendo assim, seria interessante se todos se encontrassem no todo e não se perdessem ao tornarem-se todos. O que nem sempre acontece...
Enfim, dentro da fala do amigo e professor Cassionei (jornal Gazeta do Sul, coluna opinião do dia 29/09/2011, p. 6), algumas aulas chatas são de fato essenciais, tendo em vista que não preparamos meninos e meninas para serem figuras maniqueístas e/ou estereotipadas do que se entende por legal (na ingênua e fantasiosa cópia ociosa de personagens que desfilam pela mídia), mas para um mundo real, igualmente, chato e que a cada dia exige mais e mais de cada um de nós, tornando-se assim ainda mais chato e difícil de entender e entender-se. Ou seja, o objetivo é sempre tentar formar futuros homens e mulheres com capacidade crítica suficiente para sentir os mundos com mais potência e avaliá-los segundo suas medições de interesses, necessidades sociais e existenciais na convivência equilibrada com o “outro”. 
Mas o que não entendo é como uma profissão que tenta fazer a leitura das pessoas em seus universos, formar homens para o mundo e ainda mobilizar-se a uma constante (re)fabricação de si para gerir ainda  mais outros, tem se tornado dia após dia tão desmerecida e desrespeitada pelo olhar inescrupuloso de alguns "filhos da escola".
Etimologicamente, skhole, significou lazer, uma espécie de lugar para o ócio, pois, na época, precisava-se produzir o palpável e essa busca pelo conhecimento, naturalmente, era visto como um ato fora da materialidade.
Confesso que até entendo os homens da antiguidade com seus fatos e atos, mas não consigo compreender meus próprios contemporâneos com seu descaso...  

** Ao amigo Cassionei!!!