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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ESQUIZOFRENIA


Toda vez que penso estar livre. Lá vem ele. Não sei o que fazer para evitá-lo. Ele habita este lugar e a pouco atestou sua residência fixa. Importuno é o que é. Mora, mas não respeita a rotina dos demais moradores – geralmente vai dormir tarde. Contudo, quando cai no sono, ronca alto. O resultado disso? Previsível: no outro dia, todos com olheiras. Como foi aparecer-me um inquilino desses. No início, na apresentação de si, parecia educado, menos hostil. Seu sorriso não representava de todo mal – agora lembro. Não, não, não era confiável coisa nenhuma! Tinha uma simpatia perversa no sorriso, tal qual como um demônio sádico seria se fosse posto no exato centro onde pudesse transitar livremente entre o céu e o inferno. Sim, o ponto fez-se aqui nesta casa: o inferno do faceiro diabinho que passou a assombrar este antigo paraíso. Enquanto isso os outros espíritos seguem a ranger os dentes. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

UM LUGAR CHAMADO FACEBOOK


Através de setas e dedilhar de teclados, vamos fazendo do mundo um lugar onde o trânsito de universos acaba por encontrar e refazer-se em um ambiente novo, único e artificial. O animado local de todos e de ninguém, acaba por garantir espaços e tempos privilegiados em nosso dia-a-dia. E isso não há como negar. Assim, a vida se tornou uma festa dentro de casa, de quartos, de monitores. Circulamos à toa, parados, mas por lá. Perdemo-nos e achamo-nos um pouco mais e um pouco menos. Compartilhamos. Cutucamos. Desabafamos. Enfim, desafinamos. No início achamos que o mundo se importa conosco. Durante, acabamos entendendo que nem nós mesmos pensamos isso do outro do outro que pinta um outro que está do outro lado escondendo um outro outro que no final das contas pode ser ainda outro.
Há pouco tempo nem imaginávamos que um dia estaríamos tão próximos. Cruzávamos na rua. Nem um cumprimento. Nem um mísero bom dia. Nada. Hoje entramos diretamente no âmago das casas só para dizer: “Olá! Como vai... Estou triste... Estou alegre... O sol está lindo... Está chovendo...”.  É! São tempos sem campainha, porém, vamos lembrando que as janelas estão abertas e tem sempre um cabeção espiando.
Nesse lugar, inclusive, novas mentalidades vêm se formando. Novos grupos. Novas verdades. Um mundo onde a expressão não está mais na primitiva equação entre lábios e olhos, mas entre links, emoticons e frases geralmente curtas. Poucos leem textos maiores por lá. Este último elemento, infelizmente, não é mera coincidência com as particularidades reais que já conhecemos. Contudo (como um desses navegadores e, volta e meia, protagonista também dos mesmos destemperos que cito), sei que se a convivência já é difícil. Penso também que é um verdadeiro milagre que pessoas (que são essencialmente únicas) consigam conviver por tanto tempo em um mesmo local, uma vez que tomamos nossa casa como um castelo e, como reis, queremos sempre a última palavra.  O problema é que há uma só coroa e muitas cabeças “reais”. Explico: Quando apareço pela tela do outro, sou como um súdito, ao mesmo tempo em que sou o imperador, pois a fala saiu de meus domínios. Complicado.
Acho que no futuro – quem sabe – o garimpo cultural humano, feito geralmente por antropólogos, acontecerá de dentro do facebook. Um ambiente perfeito para se estudar a complexidade da convivência e de uma vida social que não tem nada de exatidão. Ainda bem!
E como já escreveu uma vez Fernando Pessoa: “Navegar é preciso; viver não é preciso.”. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PAI, LER DEMAIS PREJUDICA A VISÃO?

Minha filha perguntou-me se ler demais prejudicava a visão. Respondi que sim, porque nunca mais o mundo é visto da mesma forma, ele deforma-se, estica, abre-se e depois clareia. Tudo isso por conta de me ver sempre lendo com o auxílio de óculos incômodos e feios. Não disse, mas sei que teve medo de no futuro ter a prisão decretada por um par dessas lunetas. Pensando nisso, ao ver a disposição com a qual se debruçava sobre determinada obra, logo pensei que deveria pôr mais luz sobre as folhas para que não sofresse com os efeitos do tempo que eu sofro, já que também, felizmente, anda gastando-o com livros. Contudo, respeitando as limitações do corpo, achei por bem tomar a atitude de reajustar literalmente o abajur. Claro, para não perder o conforto, o foco e a razão que a movia a folhear tão deliciosas páginas. Coisas de pai!
Ultimamente ando observando uma maior vontade de ler por parte de minha menina. Compreendi que antes, perguntando-me sobre o que era melhor ou não, eu acabava inevitavelmente vendendo um gosto particular e que, apesar de termos o mesmo sangue, naturalmente, como todos no mundo o são, somos diferentes. Digo mais, temos idades e anseios distintos. Acordei para isso após perceber que dormia para seus sonhos e perspectivas adolescentes. Como o abajur, clareei também. Subestimei o poder das palavras ditas e concebidas para seu gênero de gostos e inquietações, já que sem um início não pode haver meio e muito menos fim. Comecei pelo fim, eis o meu erro.
Confesso que não gosto de livros muito populares, penso que eles extrapolam e reduzem elementos que deveriam abarcar o todo e, ao mesmo tempo, atingir a todos individualmente. Chamam isso de ontologia. Penso que tudo o que é feito para agradar o maior número de pessoas, não pode ser bom, uma vez que, como dito acima, ninguém é igual, não pensam igual e, sendo assim, não poderia existir fórmula que pusesse na mesma dimensão tantas diferenças. Então me pego aqui, vislumbrando a exclusão que fiz ao negar por tanto tempo o que as palavras poderiam dar no passeio imagético em que apenas uma única visão faminta poderia perceber e escolher por si só: a do simples prazer despreocupado de uma leitura.
Dito isso, exponho a obra (“Crepúsculo”, de Stephenie Meyer), ressaltando, inclusive – indiferentes às minhas vontades, verdades e gostos –, meu prazer em ter visto mais de cem páginas sendo devoradas ao meu lado em apenas um final de semana por minha garotinha de treze anos.
Do início vai-se ao meio e ao meio vai-se ao fim. Assim, um dia ela entenderá os caminhos que lhe aguardam pelo mundo e pelas prateleiras da “bibliotequinha” cheia de palavras e inquietações do papai.  

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

NA LITERATURA TEM QUE HAVER MOSCAS


Sabem aquelas vozearias que vão timidamente latejando em nossos ouvidos? Estas são as que produzem os melhores e os piores sons já sentidos, pois, ao invés de nos confortar com uma melodia agradável e de poucas notas, acabam por nos tirar quase toda a tranquilidade através de zumbidos quase inaudíveis, mas que ficam na volta só para incomodar, enlouquecer e estorvar. Espantá-las? Isso é inútil. Elas são ligeiras demais e de tão rápidas, mesmo que se resolva fechar o livro rapidamente para esmagá-las, voam para fora e mais tarde retornam todas refesteladas para continuar a nos provocar com seus zum, zum, zuns.  Delas, não há como escapar, uma vez que os olhos já foram conduzidos a acompanhar todo movimento dessas moscas malvadas ao sentarem-se sobre as palavras e fecundá-las, acabando, enfim, por proliferar o que deveria permanecer puro e parado assim que fechássemos a obra. Não há o que fazer. Basta apenas assistir ao parto dessas palavras grávidas de mosquinhas incômodas que vão aos poucos saindo, enegrecendo, criando asinhas e voando para longe, bem longe... Até que, quando nos pensamos livres, elas retornam ainda mais gulosas por fecundar as outras inocentes que se encontravam relaxadas e quietinhas, apenas querendo  manter o sossego e a virgindade.