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terça-feira, 30 de junho de 2015

PROFESSORES QUE SE APOSENTAM


Eles não sabem atear fogo, mas sempre que encontram uma brasinha, não se aguentam, enchem o peito e sopram, abanam... fazem de tudo para que dela se levante uma fogueira.


Já faz algum tempo que perambulo pelos corredores da Escola. O fato é que, nessa jornada, acabei encontrando caminhos bonitos e que nem sempre são compreendidos por pés jovens (como os meus). Para entenderem e podermos compreender o que quero dizer é necessário que falemos de amor – e você sabe qual é o contrário de amor? Errou quem arriscou “ódio”. Não, não é. O contrário dele é a indiferença, o “tanto faz”. O oposto é isso, porque 'desamar' é deixar de ter mar. É quando nos tiram o mar. É ganhar um deserto.
Hoje – por conta (e através) desses nobres “educadores das antigas” – sei bem que ser professor é como estar em uma gangorra e sentir prazer tanto no alto quanto no baixo. É amar em todos os níveis. É nivelar-se a cada tamanho e, às vezes, até negar-se um pouco para que todos ganhem certa altitude no outro extremo do brinquedo. Fácil? Não é mesmo. Se um piano só se afina com muita escuta, imaginem uma orquestra inteira?!
Com os “antigos” aprendi isso: só me demoro em lugares que não ficam e que, só de olhar, me levam junto. Sou um ‘teacher’ que ainda usa fraldas, preciso ser levado. Sinto o mundo pela boca, como uma criança desejando não ter, mas ser mundo. Por isso degusto as vozes e os temperos da experiência de cada um desses mestres, seres mapeados por estradas mais longas do que as minhas. Volta e meia paro um, converso, ‘aprendeendo’ (do verbo apreender, mesmo) e me afino com eles. Muitos não se fizeram doutores por papéis, fizeram-se fazendo fogueiras em lugares pouco favoráveis a “queimações”. Alguns Incendeiam até mesmo garotinho cheio de “expertises” teóricas, feito eu, e quando o fazem, os educandários se iluminam...
Enfim, escrevi bastante até aqui (perdoem-me!). Tudo que fiz foi tentar desenhar uma coisa simples, e “é preciso ser muito bom para ser simples, guri!” – já disse meu pai. Não sou como ele. Minhas pernas ainda não tiveram tempo para ser. Então, para concluir, vou arriscar um desabafo mais preciso do que quero dizer:

“Não gosto quando professores se aposentam. Aposentando-se, menino que sou, fico órfão dos bons ensinamentos, porque a docência é um sacerdócio, e por ser uma missão tão sacra, preciso deles para me acompanharem em orações que ainda não sei rezar sozinho”.  

domingo, 28 de junho de 2015

"MAIORINTERIORIDADE"

Os silêncios ficam mais bonitos no escuro.

Ontem à noite olhei para minha filha, a moça já está com dezesseis anos. Ela estava dormindo. Não sei se sonhava. Sou ignorante para sonhos – o sonho é um livro que ainda está por escrever-se. Sentei ao lado da cama e senti pesar ao refletir sobre as estradas que ainda não se fizeram. Baixei a cabeça, fechei os olhos e então desisti da ideia de pensá-la maior, desisti de tentar ‘futurar’ seus caminhos. Arrazoei, centrei-me nas pernas, na força que minha menina precisava concentrar nas pernas. Sim, sua grandeza precisa ser outra (pelo menos neste momento!), não aquela da tão falada maioridade, mas uma mais bela, a da “maiorinterioridade”.
‘Definitivamente, se ela não der certo’ – pensei – ‘a culpa será minha. Toda minha. Seus pés são meus pés. Meus passos devem ser medidos por conta das pegadas que ela, um dia, terá que dar. Sei que mais tarde seguirá sozinha, não de onde parei. Sua medida estará na profundidade das passadas que deixarei de herança’.
Pois é, a noite clareia alguns escuros que temos. Este foi um. Desse modo, resolvi movimentar os espíritos em direção ao escuro mais assombrado da atualidade: o da “maioridade penal”. Algumas pessoas, pouco mais indignadas, soltavam-se severamente em pequenos gritos perdidos pelas redes sociais, desejavam punição imediata aos menores infratores. ‘Dessabiam’ (exatamente como eu ‘dessei’) de sonhos. A diferença estava nos tons, nas linhas difíceis. Àquelas em que a cegueira nos impede de percorrer. Havia muito que se pensar nelas, porque ali moravam histórias bem maiores. Histórias tristes e cheias de raiva. Paixões que se perdiam em seus próprios riscados e se configurava novo em pisadas que, ao invés de esclarecer, confundia-os ainda mais pela ruela pouco iluminada da formação. Sim, social e intelectualmente, eles ainda estão se formando.
Não tomem meu raciocínio como se eu não soubesse dos crimes cometidos, das atrocidades... Disso tudo sabemos. Só quero que exijam mais de nossos ‘grandes’ (dos governantes), assim como podem cobrar de mim – caso minha pequena cometa alguma infração. Contudo, ainda antes de cobrar, sugiro que leiam atentamente o “Estatuto da Criança e do Adolescente”, também. Reflitam sobre a parte que compete a você, a mim. Precisamos primeiro alimentar nossas interioridades para darmos chance à mudança, do entorno, dos exteriores. Meninos precisam sonhar. Acordemos para isso.

Agora silêncio, os menores ainda dormem!  

segunda-feira, 22 de junho de 2015

MENTIRICES

Entre mim e a utopia sempre há um passo novo, à frente. Por isso persigo as linhas em branco e, sem querer, deixo caminhos que vão se fazendo enquanto escrevo a estrada com minhas pegadas tortas: tenho pés tortos.

Nunca fui de guardar rancores. Arranco todos que posso. Tiro até as funduras da raiz. Nossas interioridades conservam certos excessos que, se ficarem por ali, acabam crescendo e ganhando vida na vida que tira de nós. Tudo neles (nos excessos) são lascas, gorduras cheias de “quero ficar”. Confesso até que, para não engordá-los mais, prefiro inventar outros, substituir para arejar os “debaixo da pele” – sufocá-los não dá, daí morremos. Sim, só sei sentir mentindo. Mentir é uma estratégia para enganar a fome de nossos egos, porque, como disse o poeta, “tudo o que não invento é mentira”.  
A literatura, por exemplo, – sendo muito maior do que eu – é uma mentira bonita e que pode variar de acordo com algumas ‘mentirices’ nossas. São verdades que se multiplicam e se colorem em mil e tantas pequenas criações. Não me refiro apenas ao autor-mentiroso, leitor também mente, lê o que pode e completa com as recordações (se não viveu inventa, ora!). Suas imagens, criadas ou não, são ilusões perfeitamente verdadeiras, existentes. As boas mentiras funcionam assim: quando o mundo exige uma, entregamos todas para não ‘sincerar’ ouvidos que raramente funcionam para fora de seus donos.   
Não, aqui não trato de mentiras vis, não se assustem, mentira que sufoca, coíbe e extorque estão em um nível abaixo do que quero dizer. Quanto a mim, toda a história que invento é a mais pura verdade. Outro dia mesmo, ao passar em frente de uma casa, recordei que ali morava um antigo amigo. Foi por acaso. Mesmo assim, olhei e logo senti sobre os ombros uma cachoeira repleta de imagens – estávamos na primeira série. Embebido naqueles "ontens", subi para respirar. Foi quando a lucidez me encheu de presentes: "Não sabe dele. O amigo não é mais o que anda cheio de barbas aí pelo mundo. Aquele que foste é que sabia daquele que ele foi. Ali é que se conheciam. No mais são estranhos." E o tempo seguiu, deixando pegadas nunca dadas por este que me tornei, mas pelos pés que já não são meus. Segui. Passei por outro caminho e uma nova lembrança começou outra história mentirosa por dentro de mim...
Bom, minhas mentirices não param por aí. Conto a última:
De tanto observar as cores fabricadas pela falta de barulho dos gatos, hoje sonhei com uma onça parda. Ao acordar – eu acho! – fui logo surpreendido pelos sons dos passarinhos, esses compositores de céu: pardais também reconhecem certa afinação para os silêncios. Bem que aquela onça poderia ter asas e bico para ajudar a chamar o amanhecer. Gosto de seres "pardados". Quando durmo sinto que tenho poderes tão mestiços quanto os de Salvador Dali. Será que acordei mesmo?
Ah, sonhar é uma mentira tão boa...


terça-feira, 16 de junho de 2015

MÃOS QUE TE (PO)VOAM...

Hoje pela manhã, naquele frio descomunal, minha filha me chamou ao quarto para ler um poema. Abriu um livro de Drummond (“José e outros”) e nos esquentou com aqueles versos. Sua voz de menina fazia do amargor das palavras um misto de delicadeza e dissonância.  “A mão suja” limpou-se naquela interpretação titubeada e frágil – este era o nome que Carlos, O gauche, deu àquelas medidas. Antes, confesso que eu não estava muito contente em ter que levantar da cama, mas os compromissos chamam e nos chamuscam com suas chamas ‘enlenhadas’ de “precisamos ir!”. E fomos. Contudo, as vozes não queriam me abandonar. No trajeto, eu olhava para minhas mãos guiando o carro que levariam a todos para os seus próprios “temos que estar lá!”. Pensei: “Ora, bolas, mãos, há tanto me levam e trazem, buscam, deixam e ficam, mesmo nunca saindo de mim, sendo muitas vezes eu, sendo os tantos que este dia exigirá que eu ainda seja!”. Ah, mãos!
O caminho foi me caminhando, como se a estrada fosse meu corpo. Como se fizesse de mim um instrumento de meus instrumentos. Sim, não é o que são? Instrumentos? Naquele instante senti-me habitado de dedos. Os olhos, a boca, o rosto... e assim que pude, fui ao banheiro para ver se algum espelho pudesse desenrolar o embaraço. Lembrei-me de Quintana, das mãos descrias por Quintana em consonância com aquelas de Drummond. Pensei naquele texto que havia feio em outro momento: “Não há nada mais bonito do que as mãos de meu pai...”. “Mas há outros maestros!” – pensei. E no mesmo instante surgiram outras mãos. Não as minhas. Eram maiores. Mãos mais sabidas e que dançavam conforme tocava a alma e o coração de sua dona.
As minhas não estavam mais comigo, me abandonaram para outras canções. Estavam à deriva naqueles “logo alis”, que são as lonjuras. Voltei à sinfonia mnemônica do Curso de Letras. Voltei para aquelas vozearias ritmadas por uma maestrina fina e leve. “Enfim, finalmente as palavras faziam sentido” – refleti na época. E estas estão fazendo?
Explico: as mãos tinham, naturalmente, uma dona, ou eram elas as donas daquele corpo que tinha nome de anja, anja cujas asas eram feitas de ainda mais mãos? Ângela era o lugar, plataforma de voos ritmados e que nos deslocava para alçar devaneios bem maiores dentro daqueles céus de nós mesmos. Aquelas mãos, desde então, fizeram destas que conduzem este texto, asas de albatrozes que só querem saber de voar.
Mas e se não houvesse anjo algum em minhas distâncias? Acreditam neles? Pois eu tive o meu, a minha. Portanto, não estranhem estas linhas tortas que estas mãos querem te dar. Elas que me levam...

Perdoem-nas pela ternurinha!  

sábado, 6 de junho de 2015

O VELHO E A BONECA

Uma boneca antiga e um fabricante de brinquedos. Ele era apaixonado. Sonhava em vê-la viva, queria ser retribuído no amor. Dia desses uma fada passou por ali. Sentiu pena do velho e enquanto ele cantava, ouviu a voz do manequim o acompanhar. Ah, aquele lugar esquecido logo se iluminou. Mas ela tinha uma queixa. Não era mais lembrada. Ninguém a procurou. Estava triste por viver. O sentimento do senhor parecia não suprir tamanho sofrimento. O cenho fechou-se. Ambos afastaram-se. Foi cada um para seu cantinho da oficina.
“Sou apenas uma boneca. Já fui amada por alguém que me deixou.” “Eu estou aqui, bela! Ame a mim, sonhe, mas olhe pra mim.” “Meus olhos parados só viam o tempo passando. Minhas pernas eram a menina que moviam. Ela me abandonou.” “Fique comigo. O tempo me fez te amar. Morri. Voltei. Estou aqui, boneca.” “Quero voltar.” “Voltar a ser imóvel?” “Sim, ser humana me aflige. Assim que me transformei, o mundo me cobrou tudo o que me deixaram.” “E eu, querida?” “Tu sempre estarás comigo, cuide de mim.” “Mas vou morrer, não posso!” “Daí estaremos juntos, dois mortos.”
E a fada, assim que eles se aproximaram para um beijo, transformou os dois em estátuas, dois amores fotografados pela eternidade. E assim o amor pôde ser visto. Ninguém mais sofreu, além da fadinha. Ela definhou assistindo para sempre aqueles amantes que nunca mais encontrariam lábio nenhum. Quando aquele corpinho caiu sobre a terra, uma rosa bem vermelha brotou no lugar. Rosa que carregava pétalas que pareciam lábios estendidos a tentar beijar o céu.