Hoje pela manhã,
naquele frio descomunal, minha filha me chamou ao quarto para ler um poema.
Abriu um livro de Drummond (“José e outros”) e nos esquentou com aqueles
versos. Sua voz de menina fazia do amargor das palavras um misto de delicadeza
e dissonância. “A mão suja” limpou-se
naquela interpretação titubeada e frágil – este era o nome que Carlos, O gauche, deu àquelas medidas. Antes,
confesso que eu não estava muito contente em ter que levantar da cama, mas os
compromissos chamam e nos chamuscam com suas chamas ‘enlenhadas’ de “precisamos
ir!”. E fomos. Contudo, as vozes não queriam me abandonar. No trajeto, eu
olhava para minhas mãos guiando o carro que levariam a todos para os seus
próprios “temos que estar lá!”. Pensei: “Ora, bolas, mãos, há tanto me levam e
trazem, buscam, deixam e ficam, mesmo nunca saindo de mim, sendo muitas vezes
eu, sendo os tantos que este dia exigirá que eu ainda seja!”. Ah, mãos!
O caminho foi me
caminhando, como se a estrada fosse meu corpo. Como se fizesse de mim um instrumento
de meus instrumentos. Sim, não é o que são? Instrumentos? Naquele instante senti-me
habitado de dedos. Os olhos, a boca, o rosto... e assim que pude, fui ao
banheiro para ver se algum espelho pudesse desenrolar o embaraço. Lembrei-me de
Quintana, das mãos descrias por Quintana em consonância com aquelas de
Drummond. Pensei naquele texto que havia feio em outro momento: “Não há nada
mais bonito do que as mãos de meu pai...”. “Mas há outros maestros!” – pensei. E
no mesmo instante surgiram outras mãos. Não as minhas. Eram maiores. Mãos mais
sabidas e que dançavam conforme tocava a alma e o coração de sua dona.
As minhas não estavam
mais comigo, me abandonaram para outras canções. Estavam à deriva naqueles “logo
alis”, que são as lonjuras. Voltei à sinfonia mnemônica do Curso de Letras.
Voltei para aquelas vozearias ritmadas por uma maestrina fina e leve. “Enfim, finalmente
as palavras faziam sentido” – refleti na época. E estas estão fazendo?
Explico: as mãos tinham,
naturalmente, uma dona, ou eram elas as donas daquele corpo que tinha nome de
anja, anja cujas asas eram feitas de ainda mais mãos? Ângela era o lugar,
plataforma de voos ritmados e que nos deslocava para alçar devaneios bem
maiores dentro daqueles céus de nós mesmos. Aquelas mãos, desde então, fizeram
destas que conduzem este texto, asas de albatrozes que só querem saber de voar.
Mas e se não houvesse
anjo algum em minhas distâncias? Acreditam neles? Pois eu tive o meu, a minha.
Portanto, não estranhem estas linhas tortas que estas mãos querem te dar. Elas
que me levam...
Perdoem-nas pela
ternurinha!
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