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terça-feira, 16 de junho de 2015

MÃOS QUE TE (PO)VOAM...

Hoje pela manhã, naquele frio descomunal, minha filha me chamou ao quarto para ler um poema. Abriu um livro de Drummond (“José e outros”) e nos esquentou com aqueles versos. Sua voz de menina fazia do amargor das palavras um misto de delicadeza e dissonância.  “A mão suja” limpou-se naquela interpretação titubeada e frágil – este era o nome que Carlos, O gauche, deu àquelas medidas. Antes, confesso que eu não estava muito contente em ter que levantar da cama, mas os compromissos chamam e nos chamuscam com suas chamas ‘enlenhadas’ de “precisamos ir!”. E fomos. Contudo, as vozes não queriam me abandonar. No trajeto, eu olhava para minhas mãos guiando o carro que levariam a todos para os seus próprios “temos que estar lá!”. Pensei: “Ora, bolas, mãos, há tanto me levam e trazem, buscam, deixam e ficam, mesmo nunca saindo de mim, sendo muitas vezes eu, sendo os tantos que este dia exigirá que eu ainda seja!”. Ah, mãos!
O caminho foi me caminhando, como se a estrada fosse meu corpo. Como se fizesse de mim um instrumento de meus instrumentos. Sim, não é o que são? Instrumentos? Naquele instante senti-me habitado de dedos. Os olhos, a boca, o rosto... e assim que pude, fui ao banheiro para ver se algum espelho pudesse desenrolar o embaraço. Lembrei-me de Quintana, das mãos descrias por Quintana em consonância com aquelas de Drummond. Pensei naquele texto que havia feio em outro momento: “Não há nada mais bonito do que as mãos de meu pai...”. “Mas há outros maestros!” – pensei. E no mesmo instante surgiram outras mãos. Não as minhas. Eram maiores. Mãos mais sabidas e que dançavam conforme tocava a alma e o coração de sua dona.
As minhas não estavam mais comigo, me abandonaram para outras canções. Estavam à deriva naqueles “logo alis”, que são as lonjuras. Voltei à sinfonia mnemônica do Curso de Letras. Voltei para aquelas vozearias ritmadas por uma maestrina fina e leve. “Enfim, finalmente as palavras faziam sentido” – refleti na época. E estas estão fazendo?
Explico: as mãos tinham, naturalmente, uma dona, ou eram elas as donas daquele corpo que tinha nome de anja, anja cujas asas eram feitas de ainda mais mãos? Ângela era o lugar, plataforma de voos ritmados e que nos deslocava para alçar devaneios bem maiores dentro daqueles céus de nós mesmos. Aquelas mãos, desde então, fizeram destas que conduzem este texto, asas de albatrozes que só querem saber de voar.
Mas e se não houvesse anjo algum em minhas distâncias? Acreditam neles? Pois eu tive o meu, a minha. Portanto, não estranhem estas linhas tortas que estas mãos querem te dar. Elas que me levam...

Perdoem-nas pela ternurinha!  

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