Dois palhaços discutiam.
Entre um passante e outro, os ritmos começavam a desacelerar. Uns paravam para
assistir a quebra da rotina. Outros continuavam a ‘rotinar’. Mas o fato é que
tudo ia esquentando e se ‘empovoando’. A conversa, inclusive, começou a tomar
falsas formas pelos ares. Golpes iam sendo desferidos de maneira que não
encontrassem vítimas, só zunzunares. Dia-a-dia, os homens pintados pintavam
também os transeuntes, não de forma literal, rápida, mas gradual, moral.
Inclusive – lá pelo quinto dia – um dos palhaços resolveu munir-se de um pau. Então,
em um cênico golpe ‘mentirosoferido’, o outro se abaixou e acabou acertando um
espectador. Este, claro, foi à forra e acertou outro que enfureceu mais outro e
o mundo se desfez. Um mês, e todos haviam morrido, menos os palhaços que foram
procurar outra cidade para “empalhaçar”.
Um espaço público. Em meio a
tudo, dois palhaços. Mas o que estaria errado por alí? Justamente eles (os
palhaços). Como? É porque discutiam ‘ninharices’ e de forma tão séria para duas
figuras como aquelas? Ainda mais em um ambiente de trânsito intenso onde
‘transeuntavam’ pessoas ‘normais’. Obviamente temos uma inquietação que
desenrola o novelo das ironias por aqui, mas o fato é que isso se perpassou por
dias até que, em um átimo, em um único fio puxado, todos acabaram envolvidos e
fora de seus paradigmas naturais de passantes indiferentes. A rotina se
quebrou.
Enfim, esse conto é o décimo
nono da obra “Estórias abensonhadas”, de Mia Couto. Inquietante é a palavra que
define bem essa “guerra dos palhaços”.
Fica a dica.