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domingo, 26 de maio de 2013

SOBRE UM CONTO, O TERCEIRO DAS PRIMEIRAS ESTÓRIAS DE ROSA

Não devemos ler Guimarães Rosa. Pelo menos não em voz alta. Devemos nos manter “lúcidos”, pois saibam: Rosa nos consome em encantamentos quando o ouvimos em nós, com nossas vozes. Emprestar vozes a Rosa é como embriagar-se em bebidas de adegas particulares e perdidas em alguns de nossos sótãos interiores: locais de vinhos raros, finos e que, muitas vezes, nem mesmo nós sabíamos que tínhamos alí, tão perto...
Eis uma das estórias desse Baco que está sempre pronto a nos embebedar. Querendo se achar, perca-se com ele. Beba...
“Sorôco, sua mãe, sua filha”. O conto – o terceiro das Primeiras estórias (1988) –, de Guimarães Rosa, nos conta a história de Sorôco. Homem quieto, sério e triste, pois a narrativa nos leva junto com ele (que era também viúvo) a ter que acompanhar sua única filha e a mãe idosa até a porta de seus destinos: a um carro de ferro que às levaria ao hospício. Ao entrar no trem, olhando para baixo, a criança canta. Em seguida a mãe/avó embarca. Antes sempre calada, agora segue na mesma canção da neta. O homem, cabisbaixo, contempla as duas partindo, talvez, para nunca mais. O trem parte. E ele, Sorôco, fica na mesma toada, na mesma canção daquelas duas, suas duas mulheres 'enloucadas'. Os passantes da estação, percebendo tudo e em comunhão com aquele pai/filho tristonho, se olham e vão cantando em um único coro atrás de Sorôco. E todos produzem a mesma canção solidária. 
Mesmo tendo uma descrição propositalmente detalhada de algumas ações e apresentações na obra, o movimento se faz em toda ela, inclusive no final, pois acabamos não conseguindo encerrar o conto, ficamos absorvidos olhando por cima do livro e seguindo tristes no mesmo coro atrás de Sorôco.

Advertência: não reproduza o ritmo desse conto, pois é possível que fique preso nele por horas perdidas a olhar para o horizonte. Aconteceu comigo. 

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