Não devemos ler Guimarães
Rosa. Pelo menos não em voz alta. Devemos nos manter “lúcidos”, pois saibam:
Rosa nos consome em encantamentos quando o ouvimos em nós, com nossas vozes.
Emprestar vozes a Rosa é como embriagar-se em bebidas de adegas particulares e
perdidas em alguns de nossos sótãos interiores: locais de vinhos raros, finos e
que, muitas vezes, nem mesmo nós sabíamos que tínhamos alí, tão perto...
Eis uma das estórias desse Baco
que está sempre pronto a nos embebedar. Querendo se achar, perca-se com ele.
Beba...
“Sorôco, sua mãe, sua filha”.
O conto – o terceiro das Primeiras
estórias (1988) –, de Guimarães Rosa, nos conta a história de Sorôco. Homem
quieto, sério e triste, pois a narrativa nos leva junto com ele (que era também
viúvo) a ter que acompanhar sua única filha e a mãe idosa até a
porta de seus destinos: a um carro de ferro que às levaria ao hospício. Ao
entrar no trem, olhando para baixo, a criança canta. Em seguida a mãe/avó
embarca. Antes sempre calada, agora segue na mesma canção da neta. O homem,
cabisbaixo, contempla as duas partindo, talvez, para nunca mais. O trem parte.
E ele, Sorôco, fica na mesma toada, na mesma canção daquelas duas, suas duas
mulheres 'enloucadas'. Os passantes da estação, percebendo tudo e em comunhão
com aquele pai/filho tristonho, se olham e vão cantando em um único coro atrás
de Sorôco. E todos produzem a mesma canção solidária.
Mesmo tendo uma descrição propositalmente
detalhada de algumas ações e apresentações na obra, o movimento se faz em toda
ela, inclusive no final, pois acabamos não conseguindo encerrar o conto, ficamos
absorvidos olhando por cima do livro e seguindo tristes no mesmo coro atrás de
Sorôco.
Advertência: não reproduza o ritmo desse conto,
pois é possível que fique preso nele por horas perdidas a olhar para o
horizonte. Aconteceu comigo.
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