Tuas
lonjuras estão infestadas de logo alis.
Há dias em que o Sol
parece não brilhar como deveria. O problema é a falta de luz, não a do astro.
Refiro-me aquele escuro de dentro da gente, lugarzinho ruim de clarear. E quem
nunca se pegou assim? Perdeu-se assim? Apagou-se assim? Frestas? Sim, às vezes
é preciso redescobrir fissuras para que o mundo possa nos iluminar com algum
fiapo. Mesmo não encontrando brechas, tente abrir outras frinchas, arejar-se,
rasgar-se até os ossos, se for necessário. Fácil? Nada fácil! Justo por ser
este um exercício repetitivo, diário e complicado, já que jamais voltaremos a
ser os mesmo que fomos ontem. Não sendo iguais, fica difícil esperar que os
demais, igualmente, sejam recebidos pelas novas versões do que foram no dia
anterior, uma vez que até o Sol renasce como outro a cada amanhecer. Há muitos “Sóis”!
Contudo, sei bem, iluminar-se
é uma missão quase cinematográfica. Talvez porque – sem nos darmos conta –
abafemos os poros no final de cada um daqueles dias tenebrosos (e quem nunca
teve um?). Entender? Não se trata de apenas entender. Acho que guardar os problemas
em algum cantinho seja a melhor saída, uma boa medida para se livrar, por hora,
de algo que nos aflige, mais tarde o pegamos – claro! Depois sim é que vem a
compreensão (eu disse com-pre-en-são: ‘entender com’, ‘junto de’...), que é quase
o equivalente a um ler-se, reler-se, tresler-se, livrar-se da escuridão que nos
prende àqueles pensamentos que não pertence ao “ali”, mas ao “lá”. Autoajuda?
Nada, é autoconstrução. Afinal, acabamos sendo um bocado de pessoas por debaixo
de nossas peles – todos querendo respirar, sair da cegueira de ter visto demais
o “de menos”.
Pois é, o mundo deve
ser feito de sombras que se revezam na luz e, tal como o coração, o Sol,
indiferente desse lado escuro, não sabe desligar, as coisas é que giram. O
jeito é rogar para que os escuros possam ser bem mais do que um silêncio, que
sejam silêncios a espera de vozes e ‘palpitações’ afinadas para o giro de
outras canções.
Quanto aos momentos
mais sombrios, costumo – confesso – pôr uma música (em geral uma sinfonia) e
fechar os olhos enquanto ouço. Entendendo pouco do gênero, sinto jorrar as
cores que se distribuem dentro de um lago bem iluminado. Igualzinho a um tambor
que pulula ao ser arremetido por uma baqueta qualquer. Relaxo. Ah! A saída tem sido essas imagens que se embebedam
de algumas notas. Das feridas, fazem-se aberturas. Das aberturas, entradas
francas que não sangram mais, que se regozijam com um suspiro leve ao recordar
da existência de meu próprio instante de carpe
diem.