.

sábado, 12 de setembro de 2015

O SENTIDO DA VIDA

A arte existe porque a vida não basta.
(Ferreira Gullar, em entrevista).

Tenho por costume escrever. Quem me conhece já sabe disso. Firmei com essas ‘escrevinhações’, inclusive, um pacto com uma amiga. O acordo segue-se assim: para cada texto que envio a ela, em troca, ganho uma música. Sim, além de ser uma leitora que carrega olhos cheios de “escutas”, a moça também ouve colorido: ela toca, e se liberta naquele “deixa-ficar”, lonjuras alcançadas através de algumas composições de Bach, de Mozart, de Debussy, de Chopin, de Puccini, de Monteverdi, de Verdi, de Carissimi, de Lully, de Beethoven, de Wagner, de Saint-Saëns... Pois é. Enquanto eu silencio a vida pelos dedos, chocalhando as letras do teclado, a guria engorda o mundo através de outras teclas, as do piano. Às vezes tenho a impressão de que ambos sentimos o mundo em braile, cada qual em suas dedilhadas e afinações. Fora disso, creio, ficamos para dentro, inexistentes para os outros – e os outros é que nos dão existência (daqui a pouco explico).
Quanto ao escrever, difícil conceber algo que não seja realmente afinado por aquilo que sentimos. Os silêncios (no plural mesmo) acabaram se tornando a minha casa, o meu país. Leio um livro e preciso escrever. Um poema, escrever. Vivo uma situação que me agrada, escrever. Que me desagrada, escrever. Um sonho, (adivinha?), sim, escrever. Bem ou mal. Agradáveis ou pouco mais densos. Leves ou duros. Cada voz vai servindo de costura, como estampa da vida, estampa que preenche os desenhos que preciso e sinto que devo fabricar.  Tudo isso me “enbruxa”, tal como um boneco feito de restos de retalho, bruxinho de boca costurada.
Da mesma forma deve ser complicado para os que precisam esticar a vida através da música. Mesmo que da última vez, nessa troca, tenha recebido, ao invés de sinfonias e cantatas, um vídeo nutrido pelas vozes do poeta Ferreira Gullar.
“Qual o sentido da vida?” – perguntou-se ao poeta. “Vivo porque tenho consciência de minha existência.” “Mas será lembrado, sabe disso.” “Na memória dos outros, pela minha não. Ela já não existirá para mim. O outro é que me faz/fará existir, existimos para eles. Então, ao menos para mim mesmo, o sentido da vida é o outro.”.  
O universo? Bom, depois dessas falas, penso que ele mora naquela fresta que se abre e fecha dentro dos olhos do gato: aquela pequena fissura que engorda e emagrece ao ser 'concertada' pela batuta da luz. É música. É infinitar – pôr o infinito no infinitivo. Um átimo, o universo é só um átimo que há tempos deixamos de contemplar. É o outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Divida conosco suas impressões sobre o texto!