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terça-feira, 8 de setembro de 2015

PROFESSOR POR VOCAÇÃO...


Um jarro deve ter caído sobre minha cabeça. Antes, naqueles outros que era, nem sonhava em seguir os passos de meu avô, o prof. Fernando. Mas um livro. Bastou apenas um livro para me avivar a alma. A partir dele, engordado pela sugestão de uma professora, segui como se aquele fosse o limite entre os meus antes e os que precisava ser. A docência – admito – não era o motor que movia meus objetivos (distante demais). Eu tinha uma máquina por dentro, todos temos, só que ela não roncava para os lados da vida de quadro e giz. Queria viver de palavras, nas palavras, pelas palavras. Lógico que, ao menos que tenha sorte e uma dose de “bem-te-vi”, ninguém pode viver assim. Então, lúcido das lonjuras, enchi a “guaiaca” de fé e estabeleci um objetivo. Chamei uma moça que varria ao meu lado (estávamos em pleno trabalho dentro de uma dessas fábricas) e proclamei: “vou fazer Letras!”.
O caminho foi difícil, já que na época não havia nenhum Prouni, Enem, ou benefícios do gênero. Tudo o que sabia era que amava as palavras e dedicava todo o tempo que podia a elas. A vontade esquentou meus motores. Lembro até que a moça da vassoura ainda reagiu: “Isso é coisa de rico, guri! Vai trabalhar.” O que só pude ouvir agora, enquanto “cronico” estas andanças. Putz! A cegueira havia me pegado de jeito – pelo menos aquela que não me permitia enxergar as pedras ‘estorvadoras’ de estrada. Quando, de repente, uma notícia apoiou minhas “futurações”. Carecia de um emprego fixo, ele apareceu (mundo brincalhão este!). Recebi um chamado de concurso que há muito havia prestado e que, então, me veio a calhar. Operário, era esta a função que deveria exercer. E fui.
Logo nos primeiros meses, estranhamente, reparei que algumas pessoas que conhecia não me cumprimentavam mais. “Cara, está usando o uniforme invisível. Ninguém olha para o que não vê!” Senti na pele o que aquelas palavras me destinavam, mas não afrouxei. Sempre com um livro no bolso (alguns conservo ainda hoje com as sujeiras de terra daquele tempo), segui sem esmorecer. Passei dez anos assim. Consegui me formar no Curso de Letras em exatos sete anos e meio, no que recordo: o curso normal fazia-se em quatro. Sofrimento? Bom, hoje, olhando para trás, não acho não. Fiz grandes amigos por lá, entre os operários. Tínhamos boa filosofia à beira de um velho fogão que, junto conosco, algum político (CC) havia empilhado nos espaços daquelas almas que não mereciam respeito. Dias frios, quentes, infinitos meios-dias... Ali fui inspirado e também inspirei (alguns deles, hoje, são professores, inclusive). Verdade. Tive uma vida boa por lá, apesar de trabalhosa.   
O fato é que o chamado veio. Já no primeiro estágio (muitos anos antes). Nele (neste “venha”) percebi que podia sim ganhar a vida falando sobre o que me encantava desde ‘lá-detrás’. Ouvi o coração e, neste momento, enquanto escrevo, intuitivamente, planejo aulas e tudo o mais que ele continua a ditar. Mais tarde, completei também o Mestrado, para o orgulho dos “velhos”, que passaram a brilhar os olhos ao me ouvir falar. Por isso, sem papas na língua, não admito que me julguem como não merecedor de meus diplomas. Não tive ajuda (a não ser de minha esposa), assim como muitas das pessoas que convivi. Sou professor por vocação. Entretanto, sendo muito mais lúcido nos tempos de hoje, rogo para que possamos seguir bem. Não apenas lutando por salários justos, mas amando e respeitando as histórias de homens que somente tinham a vontade como riqueza. Respeitemos os chamados, respeitemos a cada decisão. Tolerância é um bom exercício.
Contudo, ser professor, sim, para mim é a única orientação. Obrigado vô Fernando. Segui. Comi terra. Calejei as mãos. Tudo para hoje sermos dois, dois malucos sem santidade naquela família que assina dos Santos. Como podes ver (esteja onde estiver), ainda está difícil. Creio que teremos ainda muitas vontades para superar. Mesmo assim, se eu morresse agora, sei que me despediria feliz. Um bobo desgovernado que ama cruelmente a um quadro e a poeira de giz.
E consegui. Hoje, mesmo economicamente defasado, sobrevivo de palavras...  Viver? Ora! Nutro os “por-dentros”, só estou magro nos “por-foras”. O segundo morre fácil, mas o primeiro ainda persiste em fazer do quadro negro uma janela.
Acho que virei um Quixote... 

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