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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

PROFESSORES: os fazedores de terceiras margens...

Ao dar um passo para o lado, sou um. Para outro, sou outro. Para trás, sou mais um... E sabem o que vocês foram ao me acompanhar nessa minha jornada? Foram também outros de vocês. Por quê? Ora, por quê? Porque somos uma legião de muitos do que fomos a cada tempinho que passa do que vamos sendo. Entendam que esses tempos também são muitos e companheiros indeléveis de cada um desses que vamos fazendo. Como assim? É que vocês nunca poderão voltar ao que eram no mesmo tempo em que estavam. Somos um por vez, que no final vai se somando ao que vamos sendo: os seres complexos e únicos que cada um de nós vai se tornando. Por exemplo: amigo! Você mesmo... Podes tirar a mão do queixo, por favor? Sim. Agora ponha novamente. Ótimo! Tu sabes que os dois movimentos nunca mais poderão voltar a se repetir, não sabe? Por quê? Pelo simples fato de os dois pertencerem a passados diferentes. Os tempos, lembra? Sim. Jamais eu poderei fazer por vocês o que só vocês poderiam fazer. Nem vocês mesmos podem voltar a fazer o que já fizeram – pelo menos não da mesma forma –, pois isso foi único e vai se somando ao que vocês são agora. Opa, antes, opa, já mudaram...
Minhas primeiras aulas sempre começo assim. Penso que se os estudantes souberem que existe uma porção deles dentro deles mesmos, saberão que pertencem a um exército onde o último deles é o coronel. Por que faço isso? Para lembrá-los de que não estão em sala de aula por um simples pedaço de papel, mas por algo que vai além. Fazemos para sabermos como nos povoar e encher os silêncios de experiências para que nos ajude a ler o que, talvez, nem uma vida inteira possa nos dar tempo suficiente para fazer: compreendermos nossas terceiras margens. Quanto ao papel? Sim, os papéis, usem-nos bem, mas com a certeza de que são papéis.
Eu sei, o texto parece complexo. Não tive pretensão de não ser. Contudo, para concluir, termino com uma fala do amigo e professor Irineu Di Mário: “Dilso, pessoas são como obras de arte, cada um vê nelas uma forma única e mutável conforme vai mudando, apreciando e servindo também a outros olhares.” 


sábado, 22 de fevereiro de 2014

DISCURSO DE FORMATURA 2013

Quando olho para essa gente toda, difícil é não pensar nesses todos de cada um que se construiu e ajudou também a refazer esta multidão aqui de dentro. Porque, sim, somos muitos. Não digo muitos no sentido literal. Refiro-me às vozes que nos povoam por debaixo das peles. Ah, essas peles! Eis as verdadeiras roupas que importam e que só não são imunes para aquela velha e contagiosa doença: a doença de sonhar!
Contudo – não querendo desgastar mais os ouvidos engravidados de olhos aí da plateia –, deixo aqui a última de minhas lições: “Não sejam de papel!” Sigam apenas os papiros que lhes recobrem a vida. Escrevam-se pelo lado interno das peles e as tornem poesias, poesias diplomadas em reconhecer cada cantinho de suas interioridades. Para quê isso? Ora, pra quê! Para que tenhamos a chance de sabermos o quê nos tornamos. E com isso estarmos alfabetizados para a mais difícil e poderosa de todas as leituras: a de nós mesmos.
Enfim, a leitura desses habitantes particulares de cada um de vocês, de cada um de nós e de todos esses moradores que fomos, somos e vamos tendo que ser, precisa ser feita. Do contrário não há verdade algum em estar aqui. Pois não devemos nos tornar estrangeiros de nós mesmos. Precisamos ser indígenas. Pois os únicos elementos que vêm “estrangeirados” são as vozes, os cheiros, as músicas e as lembranças. E se não entenderem isso. Lamento. Mas terão apenas um papel estranho nas mãos. O mesmo tipo de papel que se fez este discurso. Que se fazem cadernos. Diplomas. E papeis higiênicos. E para lembramos desse compromisso, eternizei seus olhares em alguns poucos versos que deixo escapar por aqui.
Vejamos:

 Não vê que entoas
Que em tudo mestiças
Vozeia nas cores
Canções tão bonitas?

Só sei de silêncios
Não sei bonitar
Se ama estas vozes
Não sou eu quem faz.

Não falo do ouvido
Te ouço nos olhos
Canção que se afina
Puxando as beirinhas
Dos lábios cantores.


OBRIGADO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

domingo, 16 de fevereiro de 2014

NOTAS DE DESACONTESSÊNCIAS: poemas.

E se o calor fosse menor
E se o frio fosse maior
E se a vida fosse:
menor, menor,
mENORME..?
E se a...
E s...
E
.


.

POEMA POBRE, VESTIDO

No país das Vestes Ricas
Um caminho é preferido
Uma casca que se fecha
Num buraco bem vestido.

No país dos Homens Nus
Todos vivem muito bem
Uns são ricos, outros não
Está dentro o que se tem.

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e
a
v
i
d
A
EN-
GRAVI-
DANDO
TEMPO E
E ESPE-
RA
....
...
..
.
.

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No jardim existe uma rosa
Vermelha, se bem a tratar
Branca, querendo que seja
Murcha, perdida em beleza
Depende da sede – se está.

Rosas são flores quietinhas
Só olham se têm o que olhar
Brancas, se a paz tu regares
Murchas, se assim tu estás.

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O ar movimentado é o vento,
A música, o barulho arrumadinho
Os silêncios conversam quietudes
E os tudos nadeiam bem cheios.

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Silêncios engordam os gritos
Ensaiam-se mundos no nada
Gotinhas sedentas de sede
Memórias não tidas, criadas. 

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Não sei musicar um poema
É a batuta que anda sem vida
se preciso fazer alguns versos
quem se perde é a poesia.

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Hoje eu sei:
eram aquelas profundezas,
aquelas desrazoadas,
atemporadas,
eram elas que fabricavam e,
multiplicadoras,
apaixonavam meus meninos todos...

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Bebe nas peles
como o perfume
se não lhe serve
não há temperos
daquele frasco
que os ajude.

Tal qual verdade
daqueles cheiros
que só agradam
em grande estrondo
aquela bunda
que ali troveja.

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Peles que não se visitam
Couros: cadeias da alma
Casa que não tem janelas
Não pode crer na estrada.

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Não vê que entoas
Que em tudo mestiças
Vozeia nas cores
Canções tão bonitas?

Só sei de silêncios
Não sei bonitar
Se ama estas vozes
Não sou eu quem faz.

Não falo do ouvido
Te ouço nos olhos
Canção que se afina
Puxando as beirinhas
Dos lábios cantores.

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... pouco se sabe,
pouco se pode ver:
argamassa mascarando tijolos.

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O rio procurou
lado a lado
ponta a ponta
face a face
e seguiu guimareando
retilíneo
navegando em si mesmo
por sua terceira margem...

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O encontro aconteceu em um silêncio enferrujado,
as bocas engoliram-se, os olhos devoraram...

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O menino foi vindo, foi indo de cá pra lá
seguia atravessando e desatravessando o rio
- Pare com isso garoto, assim não chega a lugar algum!
Mas o menino não queria chegar
queria era ficar ali, a fabricar outras margens para partir.

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Crianças pescando folhas no chafariz.
O tempo nos desaprende a ver peixes.

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Em partes
sou outros
de outras,
ninguéns
de dia,
escuros
à noite,
não sei.
Metades
dessabem
ser eus
ou ser tus
metades
distintas
de ambos
os uns.

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Aligeirado-se ele passa
vai passando...
já passou...
e o céu ali,
agora,
des
pas
sa
ri
n
h
a
d
o
.

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Invoco, ó Zeus, uma de suas filhas,
Aquela... uma das nove que carrega ao colo a lira
E filha também da Memória.
Roguemos por sua essência e glória
Para cantar os Moçambas,
Não pelo Tejo e suas Tájades camonianas,
Mas pelo poderoso Zambézia,
Veia da terra e das Áfricas miacoutianas.

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Não cresça, menino
Não corra depressa
Brincar é ser muitos
Pra que um adulto?
Se pode ser mais...

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Choras, bem-dita!
Molhe os rostos dos que olham pra cima...
.
..
Cai
Caia
Chora
Chuvisca...
Chuvis-s-sca...
Chuvis-s-s-sca...
Chuvis-s-s-s-s-s-sca...
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LENHAS ALITERADAS...

Os passos secos
Silenciadinhos
Sons mastigados,
Passadas toscas.
Das lenhas secas
Em meio às folhas
Sumiram vigas,
Roubaram todas.

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Que se percam os papeis
Que se deixe em paz as penas
Que enrijeçam-se os ossos das mãos
Que coagulem-se as tintas das veias
Deixem-no dormir, o coitado
- deixemos em paz o poema.

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De tanto me sujar
De tanto me limpar
Sujei mais
Limpei mais
E acabei sendo isso tudo:
Parte limpo, parte sujo.

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Aos olhos cansados
Os céus reclamaram
Daqueles que fomos
Brincando no chão
Vi tantas lonjuras,
Mundices de tantos,
Jornadas de muitos
Recuerdos de nós.

(Por: Jeferson e Dilso)

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Ao ser trazido a outros portos
Pelo imenso mar que extravia
Ulisses perdeu a vigília
Ao ouvir o canto de Amália
Escapou-lhe Ítaca à memória
Ouvindo-se apenas o que trazia
O canto de Amália...
O canto de Amália...
O canto de Amália...

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CURUPIRA

Caminhei passo no passo
Em busca do passo passado
Passei por caminhos já dados
No acerto de passos batidos.

Espaços levados a outros
Passos perdidos na estrada,
Perdidos nos pés invertidos
‘Do ente’ pés tortos da mata.

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SÍSIFO DOENTE

Levando-se a pedra
Ao topo do monte
Rolando de volta
De volta a subi-la
Eterno castigo
Sofrido na carne
Verdades sentidas
De almas que arrastam
Além de sua rocha
Um corpo doente.

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AOS QUATRO VENTOS

Os ventos viajam velozes
Com asas que zunem
Em verdades que vibram vitimadas
Pelas vontades contidas
De Noto, Euro, Zéfiro e Boreas.

Eles que sabem surgir e sumir
Saindo quando o seguinte soergue-se
Sempre ao controle do simples suspirar,
Em comando, do mestre Éolo:
Deus de Sábio semblante
Que quando assovia, sibila...
Varre e vira qualquer desses ventos
À sua bel vontade...

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Chuvinha que se esparrama ao entorno do pó da vida
derramando-se a esculpir todo barro em bojos d´água,
cadenciando gota a gota e afinando-nos corda a corda.

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Com um acorde
chuvinha fina
já vem sem rima
cingindo a vida
despreocupada
canção mansinha
circula ondas
toda assanhada
enamorada
pela lagoa.

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Orquestra inteira
formada em pingos
pendura a alma
que está parada
que está cansada
ensurdecida
afine à vida
desta opereta
que andou perdida
desmusicada
quebre os espelhos
dessa lagoa.

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Tivesse ouvidos, musicaria.
Tivesse olhos, um ‘pintador’.
Tivesse olfato seria um gato.
Tivesse eu tudo
- em harmonia -
Seria guia, seria livre,
Pois bastaria, um simples verso,
De boca torpe, ouvidos claros,
Mãos afinadas, poetador.

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Toda a palavra deseja brincar
Todo barulho já quis ser criança
Todo o silêncio se quer musicar
Toda lonjura não quer ser distância.

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O vento zuniu velozmente
Entrou na frestinha da vida
Vibrou com a alma perdida
Do jarro falhadado do tempo
Vibraram com tanto tormento
Até que quebrou-se a vazillha.

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Se um dia me perguntares
A quantas anda minha sorte
Responderei com um acorde
Cingido em um só movimento
– cego tal qual gadanha da Morte –
Que o maior de meus tormentos
É não enxergar colorido...

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O que me resta na vida:
Uma estrada repisada
Que ainda mais fica batida,
Uma vida e uma morte,
Morte e vida Severina.
Nas crinas do pensamento
No fosso a vista perdida
Onde passa o cego norte
Cujo passo são sem rastros
Na miséria rebatida
Das patas do tempo torpe,
Sobre as carroças da morte
Do inferno que não se perde,
E também nada se ensina,
Na vida que se culmina
Nessa máscara de satura
Que no rosto fica e se enfia
Despedindo a harmonia
Que voa na intra-morte
Que perde na intra-vida
O valor que se consome
Nessas palavras vencidas.

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