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sábado, 5 de setembro de 2015

A CASA DE PARIR SORRISOS

Os tantos que somos não são os poucos que parecemos.

A casa que a gente mora é a metade do que somos. Quando estamos tristes, as luzes, mesmo acesas, tornam tudo escuridão. Se contentes, ainda apagadas, tudo se clareia em sorrisos e brincadeiras. As janelas também gostam de brincar, brincam que são mundos “de-lá-de-fora”. Brincadeiras passarinheiras, quando o dia nasce. Grileiras, quando o dia desce. E Gateiras, quando o dia morre – sim, a noite é como um gato enroladinho na poltrona, meio lua nova, meio lua cheia, meio meia lua, meio lua mesmo. Exatamente por isso que, agora, depois de pensar muito, ando evitando poluir o mosteiro. Inclusive, limpo os pés antes de entrar, não quero nenhuma poeira provocando espirros aqui dentro. Minha casa não é apenas habitação, ela me mora, reside em mim, em nós. Então preciso protegê-la, não apenas para me manter saudável, mas pelas outras moradoras que dependem de minhas cortinas para clarear ou escurecer tudo de vez, já que, assim como o edifício, todos sentem quando alguma porta está fechada.
Quanto às portas, pelo menos a da frente, serve de metáfora para os sorrisos que oferecemos ao receber alguém. Digo no plural (oferecemos), porque minha esposa e filhas esboçam (Junto com a casa e eu) a mesma luz dessa abertura de receber gente. Sei que o leitor está pensando que logo direi que nossas janelas representam olhos bem grandes, só que não. Prefiro seguir outra imagem, aquela que Mia Couto ‘brincriou’: “toda a janela tem vontade de ser mundo.” Aqui não acontece diferente, falei nelas logo acima, são brincalhonas. Lembram quadros extraordinários onde se faceiram imagens bem vivas, nenhuma precisa de venezianas.  
Contudo, tenho o direito de afastar desta casa qualquer pensamento ruim e que tenha o poder de angustiar a mim e a alguns dos meus, dos que moram debaixo deste teto. Estou ficando demasiado velho para certas diplomacias. O pouco que resta da vida (não me furto) guardo para ser vivida. Não posso mais permitir que a cor permaneça fraca e que o pincel não pinte mais. Só desejo manter minha casa limpa para que – de maneira bem simples – possamos parir qualquer raça de sorrisos em paz. Então, se me trazes suas sujeiras, não entre, senhor ‘cortineiro’. Preferimos tudo arejado e limpinho.
Por fim, se quiser, é claro que te acolheremos. Porém, se vier de má-fé, fecharemos as portas. Aqui não é permitido “desamar”. Limpe os pés e, antes de entrar, ensaie-se humano. Então, e só então, te receberemos.
Desculpem-nos o transtorno. Saiba que nem ao menos esta casa nômade (que chamo de corpo) pode entrar se não esboçar alegria, se não ciscar no tapete e se purificar de toda e qualquer sujidade que caminharam junto com os pés. Tudo fica do lado de fora.
Acho que é isso. Sejam bem-vindos!   


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