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sábado, 5 de setembro de 2015

UMA LÍNGUA VERDADEIRA

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros.
Vinha da boca do povo na língua errada do povo.
Língua certa do povo...
(Manuel Bandeira)

Iguais às roupas, a forma como falamos também é de vestir. Todas verdadeiras, claro. Para cada ocasião, um traje. Para cada traje, uma ocasião. Ao conversar com meus pais, por exemplo, nunca uso formas pouco mais sofisticadas de fala – pelo menos não as consagradas. Suas línguas sentem com outros paladares. Uns até dizem que eles (meus pais) são demasiado simples; outros, sutilmente, que vestem as roupas pobres que o mundo lhes deu. Sinceramente? Não acho. Sei bem que a língua, tal como diz o professor Sírio Possenti, é como um rio. Está viva e sempre renovando suas águas. Pensando desse modo, como posso chegar até eles recitando minha gramática de baldes, que, de tão limitada, cabe num manual? Sei que algum linguista pode até não concordar comigo. Estou ciente, inclusive, que tentará encontrar defeitos neste texto (e na certa encontrará). Contudo, com o pensamento despido de finezas, aprendo bem mais com as pessoas que o tempo, este iletrado, vestiu.
“Fio, me escuta, escute os mais véio. Não vai.” – diz a senhora. “Mas nem falar tu sabes, sua velha burra!” Então ele parte. Cai. Levanta. Volta. E... “Mãe, preciso de ajuda!” “O que hove, home de deus?!” “Dei cabeçada. A senhora tinha razão.” Quantas vezes esse diálogo não se fez mundo? Pois é. Sabedoria nem sempre se percebe pelas roupas, pela língua, pela arrogância do dizer mais “bonito”. Saber é sabor. E para sentir todos os gostos, é preciso viver mais, experimentar mais. Fale “certinho”, se desejar, mas só se o outro estiver vestido da mesma forma, claro (não dá para ir a um casamento usando bermuda). Só não confunda falar “bem”, com conhecimento, nem sempre é.  
Sim, todas as linguagens são verdadeiras, porém elas precisam comunicar alguma coisa, ser entendidas. A língua de terno fala sozinha quando todos na sala usam roupas mais leves. Isso já aconteceu no passado.
Vejamos... Por algum tempo, por tradição, os padres ficavam de costas para o povo, realizando todas as suas liturgias em latim. Entendimento? Quase nenhum. Os ritmos eram o que faziam as almas dançarem – e dançavam mesmo, já que o encanto estava em outro elemento, morava na musicalidade e nos símbolos sagrados. Mesmo assim, ainda não comunicavam claramente. O que reforçou ainda mais a ideia de que a palavra de deus não pode ser entendida por aquele que não mantivesse sua fé. Fazia-se necessário acreditar, não era preciso entender.
Enfim, não censuro. Como havia dito ali em cima, todas as linguagens são verdadeiras. No que incluo a do corpo quando reverbera alguma verdade que o faz existir. Leitura necessária, tal como a de uma velha senhora que, a seu modo, nos informa caminhos mais sabidos para andar. Afinemos os ouvidos. Ouçamos primeiro. O vestir-se vem depois, quando responder. Fazendo isso, sem dúvidas, estaremos bem vestidos para qualquer ocasião. Estaremos sempre na moda. 

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