A vida não me
chegava pelos jornais nem pelos livros.
Vinha da boca do
povo na língua errada do povo.
Língua certa do
povo...
(Manuel
Bandeira)
Iguais às roupas, a
forma como falamos também é de vestir. Todas verdadeiras, claro. Para cada
ocasião, um traje. Para cada traje, uma ocasião. Ao conversar com meus pais,
por exemplo, nunca uso formas pouco mais sofisticadas de fala – pelo menos não
as consagradas. Suas línguas sentem com outros paladares. Uns até dizem que
eles (meus pais) são demasiado simples; outros, sutilmente, que vestem as
roupas pobres que o mundo lhes deu. Sinceramente? Não acho. Sei bem que a
língua, tal como diz o professor Sírio Possenti, é como um rio. Está viva e
sempre renovando suas águas. Pensando desse modo, como posso chegar até eles
recitando minha gramática de baldes, que, de tão limitada, cabe num manual? Sei
que algum linguista pode até não concordar comigo. Estou ciente, inclusive, que
tentará encontrar defeitos neste texto (e na certa encontrará). Contudo, com o
pensamento despido de finezas, aprendo bem mais com as pessoas que o tempo,
este iletrado, vestiu.
“Fio, me escuta, escute
os mais véio. Não vai.” – diz a senhora. “Mas nem falar tu sabes, sua velha
burra!” Então ele parte. Cai. Levanta. Volta. E... “Mãe, preciso de ajuda!” “O
que hove, home de deus?!” “Dei cabeçada. A senhora tinha razão.” Quantas vezes
esse diálogo não se fez mundo? Pois é. Sabedoria nem sempre se percebe pelas
roupas, pela língua, pela arrogância do dizer mais “bonito”. Saber é sabor. E
para sentir todos os gostos, é preciso viver mais, experimentar mais. Fale “certinho”,
se desejar, mas só se o outro estiver vestido da mesma forma, claro (não dá
para ir a um casamento usando bermuda). Só não confunda falar “bem”, com
conhecimento, nem sempre é.
Sim, todas as
linguagens são verdadeiras, porém elas precisam comunicar alguma coisa, ser entendidas.
A língua de terno fala sozinha quando todos na sala usam roupas mais leves. Isso
já aconteceu no passado.
Vejamos... Por algum
tempo, por tradição, os padres ficavam de costas para o povo, realizando todas as
suas liturgias em latim. Entendimento? Quase nenhum. Os ritmos eram o que faziam
as almas dançarem – e dançavam mesmo, já que o encanto estava em outro
elemento, morava na musicalidade e nos símbolos sagrados. Mesmo assim, ainda
não comunicavam claramente. O que reforçou ainda mais a ideia de que a palavra de
deus não pode ser entendida por aquele que não mantivesse sua fé. Fazia-se
necessário acreditar, não era preciso entender.
Enfim, não censuro. Como
havia dito ali em cima, todas as linguagens são verdadeiras. No que incluo a do
corpo quando reverbera alguma verdade que o faz existir. Leitura necessária,
tal como a de uma velha senhora que, a seu modo, nos informa caminhos mais
sabidos para andar. Afinemos os ouvidos. Ouçamos primeiro. O vestir-se vem
depois, quando responder. Fazendo isso, sem dúvidas, estaremos bem vestidos
para qualquer ocasião. Estaremos sempre na moda.
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