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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

ESCONDERIJOS DO TEMPO


Hoje sonhei com a adolescência, me senti voltando para dentro de mim mesmo. Sabe aqueles sonhos que parecem reais? Pois é, são esconderijos do tempo, flores perdidas dentro de um livro guardado há décadas. O livro era eu. Eram minhas entranhas que se floriam de passados – só que desta vez reconstruídos diferentes. Universo de uma confusão onírica que volta e meia nos tocam os tambores, o coração.
Nunca ouvi falar sobre um sonho que parou e continuou. Aquele sim, da segunda vez voltei de frente ao rádio toca-fitas de meu pai. Anos noventa. Estive de volta naquele garoto que já se perdeu nas lonjuras de uma vontade de ser grande. O reencontrei junto com suas paixões. Explodi bem ali. Ainda posso sentir as sensações que já havia esquecido. Parece que acenderam um sol aqui dentro. Acordei confuso.
Queria poder contar mais. Não posso. Há segredos que o mundo e o tempo resolveram calar. Quem sou eu para voltar de onde não se pode mais retornar. O rio andou, fizemos nossas escolhas. Crescemos como tanto queríamos e vivemos o que tínhamos que viver. Não há recortes que possam formar novas colchas. As correntezas nos bateram e não há mais como revê-las nos atingindo. No sonho é diferente, somos sempre outros que estiveram lá. Uma espécie de curto-circuito da memória. Uma confusão de rostos e verdades que acaba se confundindo com essas, dos “agoras”.
Acho que tive sorte. Sonho acordado algo que proferi no passado. Havia dito que nunca pararia de estudar. E não parei (nunca conheci alguém que tenha parado de estudar a si mesmo). O sonho me revelou tantas nuances que nem lembrava mais. Rostos borrados que tomaram feições adultas a se misturar pelas tintas do tempo. Eu mesmo não me reconheço mais naquele garoto. Como se os livros que éramos fossem todos reescritos; fitas rebobinadas e devolvidas à locadora; fliperamas cheios de dedos para tentar derrotar o chefão e voltar do começo; tempos de gazetear aulas; e de ter um amor passageiro a cada temporada de alguns meses de férias de verão. Tempo de recordar.

Sorte que descobri a literatura e a filosofia. Talvez esteja aí a confusão. Posso retornar na vida, desde Homero a Mia Couto, mas, nesse meio tempo, vou destemperando os meus. O inconsciente é mágico. Hoje, por exemplo, acordei deste jeito que me leem, retornei bobo de passados. Sei que não estou mais nos anos noventa. O que não me impede de querer visitá-lo, nem que seja por uma grande temporada de um breve flash de quem dorme e acaba acordando. 

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