Todos sabem dos
sofrimentos vivenciados pelas mulheres. A violência. A pouca credibilidade
diante do homem. Tudo isso vêm de muito antes de estarmos aqui. Começo pelo
mito de Pandora (Panis = tudo + Dora = dons). Ela, feita pelos deuses olimpianos
a pedido de Zeus, serviu de castigo aos homens, mais especificamente a
Epimeteu, irmão de Prometeu, o que roubou e entregou a chama do conhecimento à
humanidade. Por isso, Prometeu foi banido para o tártaro, lá foi acorrentado
com os braços em cruz, de forma que não reagisse quando uma grande ave viesse
comer suas entranhas. Quanto a Epimeteu, ele sim recebeu o castigo maior,
segundo os deuses, ele ganhou a mulher (Pandora), que há seu tempo, abriu a
caixa e condenou a todos, pois além de ter recebido alguns dons divinos, ela
também foi presenteada com a curiosidade, tal como Eva ao morder a maçã. De
acordo com os antigos, vocês mulheres, nos condenaram a vagar para fora do
paraíso.
Com as mulheres
encontradas nas obras do escritor Mia Couto, não é diferente, suas verdades se
fazem pelo peso. Ainda recordo de uma amiga que se ofendeu ao ler algo em um de
seus livros. “Dilso, esse autor não presta, ele não gosta de mulheres
gordinhas!” “Não!” – respondi – “Trata-se de uma crítica, uma metáfora que faz
com que elas (vocês) carreguem, assim como já carregam, todo o peso da história
e do mundo.” E ela entendeu, voltou a lê-lo com mais tranquilidade e clareza,
acho.
Como vive em
Moçambique, o escritor acabou também sintetizando as verdades sobre as cozinhas
de lá (o que me lembra da teoria de Rubem Alves sobre que devemos aprender com
as cozinheiras). Lá o único lugar da casa separada do resto é o espaço onde se
trabalha os alimentos. Não preciso nem dizer quem prepara! Este é o parto do
conhecimento, porque, como bem escreveu Mia: “cozinhar é como amar os outros.”
Nos temperos é que podemos fazer com que sintam nossa angústia, nosso amor,
nossas penas. Além de que sabor e saber, como sempre gosto de repetir, carregam
a mesma raiz. Não há sabedoria sem antes sentirmos o gosto das coisas, sejam
amargas ou doces.
Tantas gorduras que carregavam/carregam...
Atemporal, fico triste com essas relações greco-latinas; judaico-cristãs;
enfim, históricas onde as mulheres tinham que levar nas costas todo o peso do
mundo. Não, Mia Couto não chama vocês de gordas, ele só quer que entendamos que
não há sacrifício maior do que o de Atlas, o titã, que segura sobre os ombros
todo o firmamento. Espero que nós, os homens, um dia possamos criar vergonha na
cara para carregarmos nossas próprias bagagens.
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