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domingo, 22 de fevereiro de 2015

DESABAFO INÚTIL


Não, não sou escritor. Poeta, muito menos. Sentir-se assim exige justeza de sentidos e pensamentos. Saibam, sou incapaz de dizer algo para além da fala, a alma precisa saber braile, deixar-se invadir pelos ‘falos’, que são os dedos. Portanto, já que não sei fazer amor com as palavras, considerem-me um “escrevinhador” livre e sem utilidade. Um hinário esquecido de igreja. Prece banida do templo. Pedra jogada ao lago. Ondulações fracas e incapazes de mover sequer um barquinho de papel – porque os papeis também são epidermes, sendo assim, devem mover-se bem, sentir por onde navega...
Diz o verdadeiro, o Fernando de tantas Pessoas: “Quando olho para mim não me percebo./ Tenho tanta mania de sentir/ Que me extravio às vezes ao sair/ Das próprias sensações que eu percebo.” Para mim, ao contrário do poeta, é difícil me fazer entender. Outro dia, senti assim: “Cada bater de asas de uma pequena borboleta é um mundo inteiro que nunca mais se repete.” No outro pedi para que não me tomasse como norte. Sentia-me tão à deriva! Ainda, como um “sabotador” de pensamentos, questionei em outra situação: “Seja você aquele que gostaria que estivesse por perto? E vai saber se alguém desejaria de fato o que eu quero de mim... Estranho, ainda bem que temos as diferenças para nos afinar: uma corda toca dó, a outra ré, mi, fá, sol, lá, si, e seus interstícios! O que eu quero nem sempre é bom para você. Acho que assim sai um pouco o gosto maniqueísta e amargo da "assertiva" que errou de alvo.”.  
Enfim, é nítido: “não consigo segurar um pensamento”, desejaria, sinceramente, que minha alma tivesse tampa, ou pálpebras como têm os olhos. Só que meus espíritos são auditivos, eles não sabem fechar.
Sei também que os poetas e escritores devem ter almas mais sóbrias e com menos vontades de sentir – “O poeta é um fingidor”, citando novamente o Pessoa.
Ouça bem, Papel, te uso para tirar de mim esses excessos que me arranham o peito, rebarbas de ferro que não preciso deixar fincadas em mim. Se não você, nem o chão desejaria sujar-se com isso. Sua brancura pede sempre mais, e eu dou, jogando mais do meu lixo em seu interior silencioso. Deixo cair até que me digas: “menos, amigo, menos!” Não, não reclame, “escrevinho” tudo de mim em ti, não quero isso no peito. Só lamento que, ao invés de esvaziar-me, tu me engordas ainda mais. Maldição!  


Menos, amigo, menos!

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