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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

O MENINO LADRÃO


Conforme o tempo vai passando, mais passados encontramos em nossas origens. Sim, em minha época não existiam fotografias digitais nem celulares, muito menos celulares que tiram fotografias. Mesmo que existissem, desconfio que talvez nos faltasse condições para comprar um.
Ainda me lembro do primeiro desejo material que tive, foi na primeira série. Acho que foi em 1986. Observei sobre a mesa de uma colega uma coisa que me fascinou. Tratava-se de uma lapiseira de ponta grossa, como a de um lápis, só que mais legal, ela tinha um apontadorzinho que apontava o grafite. Meus pais não eram negligentes com a educação, mas eram pessoas simples – e “é preciso ser muito bom para ser simples!” –, acreditavam que bastava um caderno, um lápis e uma borracha. Atualmente entendo bem, porque hoje basta-me isso para ser feliz. Quanto às lapiseiras. Não gosto mais delas, gosto de apontar a madeira e os pensamentos, pois um revólver desapontado mata só os silêncios... Aponte um lápis, escreva. Assim não desaponta nenhum ouvido: eles são de papel.
Reaprendi com o passar do tempo, a me ver como um outro a cada dia. Em minhas fotos antigas algum sujeito estranho sempre sorri pra mim. Ainda hoje, (e isso é maluco) revi uma foto de 1981. Eu tinha apenas dois anos. O que será que aquele menino pensaria de mim agora? Não posso saber, até o que ele pensava me escapa, uma vez que ele não sou mais eu, mas ainda mora aqui dentro de mim. É estranho abrir os olhos para se observar por dentro.
Minto quando digo que me bastam somente um lápis e um papel para ser feliz. Minto porque há mais: gosto também dos livros. Nem imaginam minha felicidade ao me dar conta de que aquele era o divertimento mais barato que podia encontrar. Sou culpado, confesso, ainda tenho alguns livros da biblioteca da escola, nunca os quis devolver. Um deles se chama, ironicamente, “Esconderijos do tempo”, de Mario Quintana. Não me punam. Eu era apenas uma criança, aliás, nem era eu, foi um outro de mim. Engraçado confessar publicamente um roubo. Porém, acho que foi aquele livro quem me roubou, me guardou dentro de si. Não é à toa que hoje sou professor.  

Pela minha origem criminosa e simples, especializei-me em não parecer especial, mesmo sabendo que todos são. Que todos somos... Tudo para lembrar que não devo subestimar a ninguém, nem os que só desejam uma lapiseira (saibam que os olhos nos traem), porque amar os outros também exige que nos deixemos um pouco de lado. 

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