Noite dessas acordei de
um sono profundo. A camiseta estava toda suada, bem nojenta mesmo. Agrura de
quem sai de um pesadelo quase real. Sonhei que era um animal, e era desprezado,
maltratado por isso. Depois do impacto, a primeira coisa que pensei foi o
seguinte: ‘Confiar só nos olhos é a forma mais rápida e miserável de empobrecer-se
por completo, já que as cores são mais ricas quando o corpo todo colabora para
esticar o mundo’.
Sim, meus caros, só é
possível ver o verde da grama pelas solas dos pés, sentir a verdura é trabalho
para a pele, após sim os olhos ‘desenublam’. Não sei se já notaram isso, mas há
elementos no mundo que nossa visão não dá conta, porque, segundo o poeta,
sonhamos de olhos fechados para ver se acordamos para dentro. As pessoas, por exemplo,
como podem ser lidas se andam com o corpo bloqueado pelo ‘modismo’? Algumas
roupas deixam em nós seus códigos de barra, perdidos quando vistas na multidão.
Isso é estranho, já que somos seres “desseriados”, únicos, além de sermos os
melhores e os piores do universo inteirinho, pois não há e nunca haverá outro
igual a nós. O que pode haver – penso eu – é um estilo, uma construção, um
homem tanto cavalo, quanto humano. Ou metade de cada, tal como as criaturas de
Moacyr Scliar, em seu “O Centauro no Jardim”, que, aliás, é um belo livro!
A diferença sempre
assustou os que vivem, ganham para que desejemos ter as mesmas sensações. Isso
não é verdade. Os sentidos se organizam ou se confundem para que cada aparelho,
quando reunidos, sinta o mundo de maneira que a pessoa ao lado não consiga
perceber exatamente da mesma forma da primeira, e vice e versa. Acho tudo tão
rico. Por isso é que não podemos desprezar o nosso lado livre de cavalo, nem
nossa parte humana e razoada. O irracional e o racional, dividindo o mesmo
senso, o mesmo corpo. Sim, fomos feitos para sentir, seja como um animal (que
também somos), seja como homens. Quero dizer com isso que racionalizamos demais
o mundo. Não dando espaço, assim, para os primeiros sentidos.
Então, ao lerem “O
Centauro no Jardim”, pensem bem sobre duas possibilidades: O que estou vendo; e
o que querem que eu veja. Amigos, somos todos metade de um todo bem mais rico
do que nossa visão viciada quer que vejamos e sejamos. Estamos sempre nos
completando, tal como um centauro que corre livre pelo gramado. Enfim.
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