Confesso que só escrevo
quando alguma coisa me chama atenção. O problema é que tudo me alerta. Cada miudeza
me diz respeito. Os amigos, as estantes, minha poltrona e até aquele pequeno
realejo de moer música, meu aparelho de som.
Lembro que um dia vi
uma entrevista do poeta Manoel de Barros, uma das poucas, pois ele não era
dessas coisas. Dizia que olhamos muito para o céu, mas que nos esquecemos
daquele universo inteiro que há no chão. Quantas verdades devem existir bem
ali, sendo carregadas por uma “filandações” de formigas? Penso até que cada uma
delas é uma estrela com muitas perninhas. Negras, amarelo-fugidas, pequenas,
grandes, tudo ali.
Em outro momento, ainda
recordo de uma das muitas falas do escritor Mia Couto que também me marcou.
Como ele é biólogo e escritor, afirmou estar na vantagem, uma vez que as pessoas
se veem como uma. Não sabem das milhões de vidas que carregam consigo. Falava
das células, bactérias e elementos que só um estudioso da área (os
privilegiados) podem saber. Só que saber não basta, aí vem a visão poética
sobre a científica. Somente um poeta poderia dizer que cada um de nós é uma
multidão, não apenas como abrigo de “micro-vidas”, mas dos muitos de nós que
carregamos conosco. Ah! Nosso corpo é mesmo uma casa nômade! O que dizer então
do chão?
Como eu estava dizendo.
Não há nada que não me inquiete. Descobri nestes dias que não sei mais parar de
dedilhar, de ‘tessiturar’ panos e acordes sobre o que (para os outros) não
mereceria ser ouvida como música, ou disputada como um tapete persa. Sim, sou o
rapaz das coisas simples. Das folhas brancas, verdes, amarelas. Aquele que para
tudo só para observar seus gatos rolando como miniaturas de tigres. Certo ou
errado deixo as coisas serem, pois assim acabo sendo junto com elas quando me
debruço para acompanhá-las em suas grandezas ínfimas. Até o gramado se tornou minha selva. Não é
raro me pegar absorto a refletir sobre quantos hectares de terra tenho em cada
m² do pequeno mundo de 12 por 30 m² em que vivo. Sinto-me um fazendeiro.
De minha janela
acompanho os grilos iluminando meu céu (ele é verde e com a vantagem de poder
apará-lo de vez em quando). Desse modo, sempre que uma tardinha vem chegando –
eles se alvoroçam –, um joga um cricrilo pra cá, pra lá, mais outro acolá... E
assim os pernudos vão tecendo a coberta que abrigará a noite. Eles são minhas
estrelas do chão. É! Cada um tem o firmamento que merece!
Tenham uma boa noite!
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