Acho que nos últimos
tempos comprei o equivalente a uma motoca e alguns ternos novos - investi tudo
em livros. Moto alguma conseguiria tal quilometragem, seria incapaz de me levar
para as lonjuras de tantos interiores. Vida simples a minha, sem gravatas, mas
sempre viajando de primeira classe, ostentando para ninguém as roupas caras que
me vestem por dentro. Parece tolice, não parece? Minha felicidade é assim.
Ontem mesmo comprei
alguns. No entanto, entre os muitos encontrei um que me chamou à primeira
leitura: “Mulheres: filosofia ou coisas do gênero.” Trata-se, como afirma uma
das organizadoras (Márcia Tiburi), de um mosaico de artigos, um caminho de
tijolos coloridos que nos (en)caminham para o mesmo lugar. Confesso que ainda
estou lendo, fiz isso hoje enquanto meus alunos se empenhavam em atividades de
aula. Fiquei ali, tentando digerir as tantas acusações históricas, no que se
refere à mulher. Sou suspeito em falar, minha dissertação de Mestrado se locomoveu
com esse mesmo tema: a representação do feminino na literatura... Sim, a mulher
está presente em mim, porque todos somos um pouco do outro. Não defendo a ideia
de fragilidade (e tenho motivos pessoais para isso, já conheci muitas pessoas
poderosas, muitas!). Ninguém deveria ser medido tão “genericamente” assim.
Homens, mulheres, homossexuais, homoafetivos... O que é isso?
No passado, em
Portugal, uma de minhas poetas favoritas não aguentou a pressão social exercida
pelos homens da primeira metade do século 20. Tudo por ousar estudar; fumar
charutos, não como vício apenas, mas como ato de liberdade, uma vez que não era
permitido às mulheres fumar, divorciar-se, pensar...; casou-se algumas vezes,
inclusive, em um dos casamentos, libertou um amigo das vicissitudes sociais e o
escondeu nos laços da aliança, ele era homossexual, se hoje difícil, imaginem
como era a vida de um deles naquela época. Contudo, por volta dos trinta e
poucos anos, não suportou, matou-se por pura pressão. Pena, nasceu em um tempo raivoso.
Morreu, bebeu sua “sicuta”, só que, antes, um poema brotou de suas mãos. Uma
conversa com aquela que a levaria, a Morte.
Não, minhas amigas e
amigos, “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Somos o tanto de pessoas que
nos influenciam: homens grandes, pequenos; mulheres grandes, pequenas – caso
queiram separar por gênero e qualidade. Como eu disse, o ‘genérico’ é frio,
prefiro acreditar que sou também um pouco de todos: Chico Buarque, Simone de
Beauvoir, Florbela Espanca. Sim, também sou mulher, sou homem: temperos bonitos.
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