Sempre
ao iniciar o ano letivo, um e outro aluno me pergunta: “Para o que serve a
Literatura?” Sim, até poderia responder de forma mais prática, mas prefiro a
verdade – ou um das muitas verdades que há: “Não serve para nada além de
inquietar. Toda a arte é uma grande inquietação.” “Vamos aprender a ler
livros?” “Vocês já sabem fazer isso!” “Então o que estamos fazendo aqui?”
“Estão aqui para aprender a sentir.” (Quando alguém, geralmente o que senta bem
lá no fundo da sala, questiona). “Ora, sentir...” “Não, meus caros! Decodificar
códigos gráficos (as letras), isso já sabemos. Agora quero ver o que podem
fazer com elas, e não estou falando do ‘be a bá’. Os mecanismos sensoriais é o
que importam por aqui.’”
É
notório que ninguém vá a uma peça de teatro, a um museu, menos ainda a um
concerto pensando em “como poderia usar isso para o Enem”. Se pensar assim da
Literatura, estará matando Calíope (uma das nove musas gregas, a responsável
pela arte literária). Saiba que ao aprisioná-la em nichos ‘decorados’ como, por
exemplo: Shakespeare pertence à Era renascentista; Miguel de Cervantes escreveu
a primeira novela literária conhecida e publicada em 1605; Lazarilho del Tormes foi a primeira obra picaresca da história;
Gregório de Matos Guerra, pertence ao Barroco; Alencar, ao Romantismo; Machado
dá início ao Realismo no Brasil; e aí por diante.
Não,
meus caros, não nego a importância do embasamento. Mas como posso falar na
poesia de Drummond sem nunca ter ouvido uma, sem nunca ter sentido nas
entranhas as suas imagens? Por isso sinto-me um arrogante quando me escapam
essas palavras: “Ensino Literatura!” Como ensinar algo que não se ensina? Sentir
é uma sabedoria que não sabemos que sabemos. Precisamos aprimorá-la e torná-la
nossa primeira essência. O exemplo é necessário.
Pensem,
amigos, Calíope não cura a ninguém. Isso pertence ao Asclépio (o deus da
medicina). Ela nos deixa apreensivos, doentes da alma, até. Cada letra, palavra
e espaços entre os versos de um poema. Tudo isso serve para nos fazer sentir
vivos. Nunca encontrará cura para os espíritos, não se trata de autoajuda, mas
de demolição e autoconstrução – e não há, segundo Nietzsche, como construir
nada sem um pouco de sofrimento. Digo: no início, até que quebre seus vícios e
paradigmas, isso pode não parecer bom. O ritmo vai te afinar e te ensinar a ser
um perdido no que parecer encontrar. Um amante, um questionador, um cidadão crítico.
É o mesmo motivo pelo qual vivemos. Nascemos para pensar e sermos pensados, para,
também, existirmos nas coisas, pois se não souber fazer isso, as coisas se
coisificam em nada, bem diante de seus olhos.
Enfim,
vamos refletir sobre o que queremos que seja a Literatura. Se quiser que me dê
respostas boas, aparentemente, não vá à escola, pelo menos não em minhas aulas,
fique em casa, leia um livro do Cury ou de outros que fomentem esse tipo de
fórmula. Eles é que servem. Não são contemplativos e duradouros. Com o tempo,
se deixarem-se sentir pela leitura, entenderão!
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