.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A SAUDADE EM PESSOA


Quem nunca sentiu saudades ainda não leu algum verso de Fernando Pessoa. Vale a pena, pois, segundo o mesmo poeta, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Certa vez uma amiga se foi, resolveu que passaria dois anos nos Estados Unidos, acho que em uma espécie de intercâmbio, ou algo assim. Como todas as sextas-feiras íamos juntos para o trabalho (éramos professores em uma mesma escola), acabamos virando, de certa forma, companheiros – lembrando que “co” significa ‘junto’ e “panis”, ‘tudo’. O pão, por exemplo, é o alimento de todos, da comunhão. Então, ‘companheiros’ quer dizer ‘aqueles que compartilham juntos do mesmo pão’. Compartilhávamos mesmo, tanto dos pães divinos quando dos que o diabo amassava e nos servia goela a baixo. A vida é assim mesmo, gangorra imprevisível. Do contrário, que graça teria? O fato é que ao saber de sua partida enquanto me dirigia à escola, pensei na seguinte máxima (talvez para me confortar, sei lá!): “A saudade é uma casa que nos habita: Quem fica mora dentro. Quem parte leva junto.” Sim, só me demoro em lugares que não ficam e que, só de olhar, me levam com eles. Ela nos levou. Grande Morgana!
  Na semana passada, outro trabalho me tirou da família, todos íamos à praia, porém, eu, sabendo que não poderia perder oportunidades, tive que optar. Daí pensei: “praia, campo, tanto faz, o único lugar que importa é aquele que carregamos conosco: casa nômade que – ao ser levada – nos leva a tiracolo.” A saudade estava ali, maquinando – claro! –, mas sabia que eu estava com minha esposa e filhas, fui levado por elas e eu as conservei aqui dentro, comigo. Ossos do ofício... Todos OK, sobrevivemos! Mesmo assim, naturalmente, também sei/sinto/senti que as lembranças são fiadas com fios bons, mas se os ruins ganhassem parte no pano, certamente, os primeiros seriam apenas franjas. Então fiquei só com os bordados internos. Não havia motivos para maus pensamentos sobre a distância. Fiquei dando aulas. Isso me povoou.
A vida é mesmo um porto, uns ficam, outros partem. Nossas lonjuras estão infestadas de logo ‘alis’ e até ‘breves’. Ficamos mais finos, porque, bem ou mal, a saudade é uma gordura que nos emagrece.

Enfim, o que seríamos se tudo ficasse e nada partisse? Não faríamos mais nada, uma vez que essa tal de saudade (palavra só nossa, os norte-americanos devem nos invejar por isso!) é o que nos faz revisitar o melhor que tivemos. Não, ninguém volta ao mesmo que foi.  Uma jornada nos muda, e mesmo quem fica não fica, vai: modifica-se. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Divida conosco suas impressões sobre o texto!