Quem nunca sentiu
saudades ainda não leu algum verso de Fernando Pessoa. Vale a pena, pois,
segundo o mesmo poeta, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
Certa vez uma amiga se
foi, resolveu que passaria dois anos nos Estados Unidos, acho que em uma
espécie de intercâmbio, ou algo assim. Como todas as sextas-feiras íamos juntos
para o trabalho (éramos professores em uma mesma escola), acabamos virando, de
certa forma, companheiros – lembrando que “co” significa ‘junto’ e “panis”, ‘tudo’.
O pão, por exemplo, é o alimento de todos, da comunhão. Então, ‘companheiros’
quer dizer ‘aqueles que compartilham juntos do mesmo pão’. Compartilhávamos
mesmo, tanto dos pães divinos quando dos que o diabo amassava e nos servia
goela a baixo. A vida é assim mesmo, gangorra imprevisível. Do contrário, que
graça teria? O fato é que ao saber de sua partida enquanto me dirigia à escola,
pensei na seguinte máxima (talvez para me confortar, sei lá!): “A saudade é uma
casa que nos habita: Quem fica mora dentro. Quem parte leva junto.” Sim, só me
demoro em lugares que não ficam e que, só de olhar, me levam com eles. Ela nos
levou. Grande Morgana!
Na
semana passada, outro trabalho me tirou da família, todos íamos à praia, porém,
eu, sabendo que não poderia perder oportunidades, tive que optar. Daí pensei:
“praia, campo, tanto faz, o único lugar que importa é aquele que carregamos
conosco: casa nômade que – ao ser levada – nos leva a tiracolo.” A saudade
estava ali, maquinando – claro! –, mas sabia que eu estava com minha esposa e
filhas, fui levado por elas e eu as conservei aqui dentro, comigo. Ossos do
ofício... Todos OK, sobrevivemos! Mesmo assim, naturalmente, também
sei/sinto/senti que as lembranças são fiadas com fios bons, mas se os ruins
ganhassem parte no pano, certamente, os primeiros seriam apenas franjas. Então
fiquei só com os bordados internos. Não havia motivos para maus pensamentos
sobre a distância. Fiquei dando aulas. Isso me povoou.
A vida é mesmo um
porto, uns ficam, outros partem. Nossas lonjuras estão infestadas de logo ‘alis’
e até ‘breves’. Ficamos mais finos, porque, bem ou mal, a saudade é uma gordura
que nos emagrece.
Enfim, o que seríamos
se tudo ficasse e nada partisse? Não faríamos mais nada, uma vez que essa tal
de saudade (palavra só nossa, os norte-americanos devem nos invejar por isso!)
é o que nos faz revisitar o melhor que tivemos. Não, ninguém volta ao mesmo que
foi. Uma jornada nos muda, e mesmo quem
fica não fica, vai: modifica-se.
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