O romance Mãos de Cavalo, de Daniel Galera, apresenta em sua estrutura uma interessante disposição de ideias encaixadas no texto de maneira bastante criativa e madura. Sua arquitetura ganha planos independentes que se intercalam ao decorrer da narrativa, quase como um encontro entre o presente e o passado. Nota-se também, diferentemente do plano da juventude, uma linearidade na narrativa a começar pelo chamamento dos capítulos que se iniciam com horas. Quando a personagem (Hermano) corre de bicicleta e quinze anos mais tarde corre com seu carro (Pajero) é como se os dois tempos andassem para um encontro sublime e não premeditado consigo mesmo. A explicação, talvez, para o nome dado ao romance, seria justamente no aspecto que diz respeito a essa corrida. O cavalo, obviamente, não tem mãos, mas patas, o que nos leva a pensar na forma com que o animal se utiliza desses membros, nos trazendo de volta ao andamento do romance. Metonimicamente as mãos são as partes que representam a personagem central, Hermano e sua “cavalgada ou carreira” na busca por ele mesmo.
Desde o primeiro capítulo já percebemos uma riquíssima descrição de detalhes, tanto em situações ocorridas com as personagens, quanto nos espaços. Essas descrições minuciosas facilitam, também, na construção de imagens com elementos e situações engendradas na busca de harmonização entre a(s) narrativa(s): a fase adolescente e a adulta. Acompanhando a trajetória do protagonista, ruminada através de suas recordações, temos a impressão de que ocorreram algumas situações bastante traumáticas e contundentes que se refletem agora, no tempo adulto.
Veja a seguinte passagem como exemplificação do que queremos dizer:
“Ao pensar no nome da filha percebe pra onde, na verdade, está guiando seu Mitsubishi Pajero. Pela primeira vez na vida, se sente à vontade pra admitir pra si mesmo que não gosta do nome” (p. 96). Aqui a personagem já começa a refletir sobre o homem que se tornou. Seus medos e sua suposta covardia repercutem nas situações que agora vivencia.
O paralelo em que os dois tempos andam e se comunicam é que fazem com que, progredindo e retrocedendo, prendemo-nos a leitura para não perder-se nenhum fio. E assim, até o final, temos a impressão de sermos os responsáveis por criar a ponte e a tessitura de reconciliação entre os dois caminhos: o do passado e o do presente de Hermano.
** Confesso que para mim é difícil atrair-me por textos contemporâneos, mas esse inquietou-me de uma maneira bastante particular. Assim, ofereço essa pretensiosa resenha/dica de leitura à minha amiga Rejane Martins que tão bem sabe apreciar um bom e velho texto existencial...
Obs: E ainda por cima é regido pela pena de um gaúcho que tem a minha idade: Daniel Galera (1979). Bom demais!
Eu fico impressionado com essa sua capacidade de enchergar coisas que a gente não encherga quando aprecia um texto, ou um filme, ou uma ópera... Eu sou meio burrão nessas coisas... Parabens!
ResponderExcluirBem... eu ainda não li Mãos de Cavalo mas lerei, é certo, porque o gaúcho Daniel Galera me vem com tua preciosa indicação, Dilso. Não só pela consideração que tenho por tua opinião e pelo carinho da dedicatória, mas pela abordagem que nos apresenta. Tua resenha aponta, guia e convida ao texto, expõe teu ponto de vista e o sustenta de forma inteligente e instigante - um convite irrecusável à leitura! Abres mais uma porta para uma qualidade de crescimento importante de quem te lê, como eu - indício claro da tua subjetividade, querido Dilso.
ResponderExcluirAgradeço-te muitíssimo por tudo e vamos ao Hermano e suas estradas!
Dilso, meu grande amigo, ainda não conheço o autor e a obra, mas pela tua resenha e exegese, fiquei curioso e motivado a conhecer. Tens mesmo o dom da percepção das entrelinhas.
ResponderExcluirObrigado por compartilhar conosco tua visão literária privilegiada.
Saibas que tens aqui um grande amigo, admirador de tua pessoa, de teu talento e de te trabalho. Sou aficionado por tua gramática porque lembra-me muito a de Machado de Assis, impecável.
O bom para mim é que não preciso escolher palavras para facilitar o entendimento, pois o que para os outros é preciosismo, para ti é coloquial.
Parabéns pela perspicácia!
Abraços do amigo de sempre!
Adorei o seu comentário! O livro é muito bom, trabalha muito bem a questão do tempo e, além de tudo, se passa aqui no Rio Grande do Sul... juliana_arenhardt@yahoo.com.br
ResponderExcluirDilso, meu amigo!
ResponderExcluirAchei interessante a obra, não conheço, e não terei tempo de ler, infelizmente.
Fiquei aqui pensando, ou melhor, tendo meu devaneio da madrugada...,
quem sabe um dia não farás uma resenha de um livro meu? Quem sabe?...
E eu não farei um artigo de um livro teu???
O que o futuro nos reserva, caro amigo?
Abraços e ótima semana! Para ti e as gurias!
Não li esse livro, mas quem sabe, futuramente? Gostei muito da resenha. Tem algo que "invejo" muito: poder de síntese. Conseguiu pincelar aspectos relativos à obra sem estender-se demasiadamente.
ResponderExcluirÉ muito bom que leiamos obras contemporâneas, porque elas podem atrair leitores mais jovens, em sala de aula. Especialmente, narrativas curtas e com uma linguagem mais familiar.
Abração e ótima semana!
Dilso,
ResponderExcluirquerido amigo! Passei para desejar as tuas "bebês" um feliz dia das crianças, mas o seguinte, fala para elas, está bem?
Beijos a todos e a esposa também! :)