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sábado, 15 de outubro de 2011

SOPHIA E AS FORMIGAS...**


  Ao entrar em casa, fugindo às tensões do mundo e do trabalho, vislumbrou o que ainda não havia presenciado em todos aqueles anos (pelo menos não ali dentro!): uma trilha de insetos - formigas negras - andando nervosamente em fileiras.
  Acompanhando com os olhos a enegrecida trajetória, repetindo nuances e, praticamente, junto com elas equilibrando enormes pedaços de migalhas, a senhora, aproximando mais o olhar, contemplou a grandeza de uma pequena e perfeita organização.
   Debruçou-se...
  O chão estava magnificamente limpo, o reflexo, traduzindo o teto, captava um corpo maior em cima de outro, o córrego de pequenas pernas pareciam transitar sobre elas próprias. A transfiguração parecia óbvia quando as pinturas metamorfosearam-se sobre si, parecia a criação de algo, parecia a percepção de uma outra parte que ela ainda não conhecia.
  Minutos se passaram em relação ao entendimento do outro mundo, seu corpo estava diferente, seus cabelos resumiam-se em duas antenas, seu universo mudara, seus membros mudaram, seus pensamentos mudaram... O desejo era de apenas seguir com sua bagagem e suas, agora, irmãs que já lhe saudavam com a lembrança de que tinha trabalho a fazer. Caminhou incessantemente seguindo o que ainda não sabia. Um impulso maior lhe acometia a tradução de que algo superior estava por de trás daquele ato, algo maior, algo misterioso.
  Passou por debaixo da porta dos fundos, pelo gramado, pelas imperfeições da terra... Parou. Descansou. Seguiu. Tudo era imenso! A fileira de insetos levou-a a um enorme monte. Lá dentro, quase como se as paredes se movessem, saltou-lhe os olhos a vida que se pintava em todas as partes, a colônia de formigas era magnífica.
  - Pela primeira vez me sinto parte de um todo - pensou -, pela primeira vez...
  Largou o que havia no dorso e aliviou-se enquanto retornava. O que trazia no instinto era o que manteria a todos, o que havia portado, em peso desmedido, era o que conservaria as outras que também carregavam o mesmo peso do velho mundo sobre as costas.
O cosmo é feito de tantas aspirações grandiosas que é impossível olhar para baixo. Ao retornar, aturdida com seu novo batente, nem percebeu quando...
  - Sophia, você está aí?
  E, entrando compulsivamente, pisou-a com tanta força que nem deu tempo de gritar. Os resquícios do velho mundo que sustentavam o novo haviam lhe cobrado com uma pegada certeira.
  - O que está fazendo aí deitada?
  - Acho que adormeci...

** Esse conto já foi concebido e posto a muito tempo por aqui, porém insisto em reposta-lo!!! 

9 comentários:

  1. E eu vou relê-lo cada vez que re-postar! Hahahahahahaha ler um bom texto nunca é demais!
    Parabens Dilsão!

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  2. Dilso, querido amigo.
    Belíssimo conto!
    Com certeza, me diz muito amigo, tanto que não terei palavras a serem colocadas de forma compreensível, suponho.
    Deixo aqui meu grito de: bravo!

    Abraços para ti e família! Carmem, Eduarda e Carolie! (errei os nomes?) rsrs
    Ótimo fim de semana a todos!

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  3. Dilso,
    já ia me esquecendo, FELIZ DIA DOS PROFESSORES!
    Respeito, de todo coração, essa classe de profissionais, meu amigo!
    Tenho uma mãe que foi professora primária, e minha professora no segundo ano primário, sei o que é ter que dividi-la com os livros e outros alunos rsrsrs
    Parabéns, tudo de bom!

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  4. Dilso, que bom que postou o texto novamente: ainda não o conhecia. E como é rico o conto! Remeteu-me a nossa condição escravista de vida: Se a sabedoria nos eleva seremos, com certeza, pisados pela massa. Mas,...

    Abração,

    Rodrigo Davel

    P.s.: Ao ler o título foi imediato minha alusão a um fato que ocorreu em minha casa: minha filha, Sophia, a primeira vez que viu um fileirinha de formigas observou por um bom tempo, depois sai a acompanhá-las. Foi muito divertido. - rs

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  5. Parabéns pelo texto magistralmente elaborado, Dilso, tanto na ideia central quanto na narrativa.
    E feliz Dia dos Professores, que estão entre os profissionais mais desprezados e injustiçados e ao mesmo tempo mais necessários ao futuro do país.
    abraço.

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  6. Dilso, eu sempre respondo aos comentários l´no blog, mas como tu falou que anda deveras ocupado, vou responder por aqui.
    Eu li Os Irmãos Karamazov, do Dostoiévsky, e achei muio chato.
    Não sei se estou passando por uma fase de truculência literária, mas pra mim atualmente o que é chato é ruim (acho que isso ocorre de tanto eu ler hqs super viajandonas, que acabam cansando a mente).
    Mas, com o perdão da redundância, clássico é clássico.
    E tem livro que é igual remédio: pode ter gosto ruim, mas é necessário.
    Abraço, caro amigo.

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  7. alegoria para olhares fechados sobre o umbigo. e como o mundo, hoje, começa a perder a sua forma circular, querido amigo.
    um abraço de não resignação!

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  8. Dilso, meu grande amigo!

    Seu conto, além de espetacularmente escrito, faz-nos refletir sobre nosso papel na sociedade e no mundo.
    É uma parábola com intuito de nos despertar sobre a complexidade e importância daquilo que consideramos ínfimo.
    Um texto desse merece ser saboreado infinitas vezes.

    Parabéns pela perspicácia!

    Professor Dilso, parabéns pelo seu dia!

    Abraços do amigo de sempre e ótimo fim de semana para você e família!

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  9. Muito bom mesmo professor, acredito que quando eu ler A Metamorfose de Kafka agora entenderei muito melhor os fatos que me serão apresentados, interessante como coisas rotineiras, as vezes pequeninas, se tornam coisas grandiosas, assim como no seu conto percebo que o mundo é grande de mais e que a Cronutopia da Vida e do Tempo nem sempre nos permite conhecer todo ele... Sei lá talvez destino...

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