Outro
dia, tal como sempre fazemos nas noites de sextas-feiras, seguimos para casa de
meus pais. Antes de sair, minha filha mais velha perguntou-me se podia levar um
livro para distrair-se enquanto estivesse por lá. Claro, leve mesmo! – respondi
em meio à ligeireza de ter que preparar a menor para o encontro, já que estava
um tanto doentinha. Esperaríamos minha
esposa por lá. Seu horário a obrigava a chegar mais tarde do trabalho e, como
sempre, seguiria direto.
Uma
vez na casa, minha mãe – antes que eu falasse qualquer coisa – olhou para os
olhinhos tristonhos da pequena e logo constatou que algo não estava certo.
Pegou-a nos braços, pôs-lhe uns panos sobre a testa e a embalou. Sua atenção
estava voltada inteiramente para ela e de sua conversa, quase um sussurro, só
se entendia: “Gatinha, se esquenta aqui no colo da Vó. Essa febre malvada...”.
Assim, deitadinha, ela foi melhorando e, antes da chegada dos demais (minha
irmã também viria), já estava ensaiando um sorriso. É, estava melhor! Motivado
por isso, o espírito de meu pai melhorou, estava, naturalmente, também
preocupado e vendo que ela já estava nas mãos certas, principiou nosso, então, chimarrão.
A
conversa evoluía, uma vez que a semana pareceu bastante longa e todos tinham
algo a dizer dela. De fato o tempo passa rápido quando se está entre a família!
Pois, acredito, que enquanto o mundo nos tira em verdades, nossos pais repõe
com sinceridade para, assim, sairmos todos melhores ou, no mínimo, pensativos
sobre nossas eleições. Em meio a tudo isso, minha outra filha, mostrando-me
discretamente o então livro, apontou-me para o poeta. “Conhece ele, pai?” Nossa! Naquele momento, ao folha-lo,
encontrei-o por inteiro e relembrei pensativo de algumas aulas de Literatura na
faculdade. O livro era uma dessas antologias editadas pelo MEC. Seu autor,
Manuel Bandeira. Li baixinho alguns deles e quando cheguei ao poema “O menino
doente”, parei. Então, pedindo a palavra, solicitei se eu podia dizê-lo e se
estavam dispostos a isso. Sim, todos ouviram. Contudo, não de todo, porque ele
travou-me à língua ao ver minha mãe olhando-me atenta e segurando “a minha
menina doente”. Disfarcei. Tomei fôlego. E fui em direção ao banheiro.
Confesso
que procurei mais tarde o poema, mas nunca consegui recitá-lo em voz alta. Ele
ainda me trava. Ele ainda, de certa forma, me leva de volta e me agride com
suas imagens. Sempre me emociono e me calo antes mesmo de terminá-lo.
Eis
o poema:
O MENINO DOENTE
O
menino dorme.
Para
que o menino
Durma
sossegado,
Sentado
ao seu lado
A
mãezinha canta:
–
“Dodói, vai-te embora!
Deixa
o meu filhinho,
Dorme...
dorme... meu...”
Morta
de fadiga,
Ela
adormeceu.
Então,
no ombro dela,
Um
vulto de santa,
Na
mesma cantiga,
Na
mesma voz dela,
Se
debruça e canta:
–
“Dorme, meu amor.
Dorme,
meu benzinho...”
E
o menino dorme.
(Manuel
Bandeira)
Olá, amigão Dilso!
ResponderExcluirO poema é mesmo pertinente com a narrativa.
Creio que o protagonista foi travado pela emoção e comoção tanto do tema poético quanto do vivido no momento.
Mesmo passado algum tempo, a lembrança faz-se reviver, provocando, assim, novo travamento.
Nossas ações são condicionadas por nossas emoções e pouca vezes pela razão.
Que bom que a filhota tenha tão boas predileções literária. Tal pai, tal filha.
Abraços saudosos do amigo!