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terça-feira, 10 de julho de 2012

A MENINA DOENTE QUE ME TRAVOU O POEMA


Outro dia, tal como sempre fazemos nas noites de sextas-feiras, seguimos para casa de meus pais. Antes de sair, minha filha mais velha perguntou-me se podia levar um livro para distrair-se enquanto estivesse por lá. Claro, leve mesmo! – respondi em meio à ligeireza de ter que preparar a menor para o encontro, já que estava um tanto doentinha.  Esperaríamos minha esposa por lá. Seu horário a obrigava a chegar mais tarde do trabalho e, como sempre, seguiria direto.
Uma vez na casa, minha mãe – antes que eu falasse qualquer coisa – olhou para os olhinhos tristonhos da pequena e logo constatou que algo não estava certo. Pegou-a nos braços, pôs-lhe uns panos sobre a testa e a embalou. Sua atenção estava voltada inteiramente para ela e de sua conversa, quase um sussurro, só se entendia: “Gatinha, se esquenta aqui no colo da Vó. Essa febre malvada...”. Assim, deitadinha, ela foi melhorando e, antes da chegada dos demais (minha irmã também viria), já estava ensaiando um sorriso. É, estava melhor! Motivado por isso, o espírito de meu pai melhorou, estava, naturalmente, também preocupado e vendo que ela já estava nas mãos certas, principiou nosso, então, chimarrão.
A conversa evoluía, uma vez que a semana pareceu bastante longa e todos tinham algo a dizer dela. De fato o tempo passa rápido quando se está entre a família! Pois, acredito, que enquanto o mundo nos tira em verdades, nossos pais repõe com sinceridade para, assim, sairmos todos melhores ou, no mínimo, pensativos sobre nossas eleições. Em meio a tudo isso, minha outra filha, mostrando-me discretamente o então livro, apontou-me para o poeta. “Conhece ele, pai?”  Nossa! Naquele momento, ao folha-lo, encontrei-o por inteiro e relembrei pensativo de algumas aulas de Literatura na faculdade. O livro era uma dessas antologias editadas pelo MEC. Seu autor, Manuel Bandeira. Li baixinho alguns deles e quando cheguei ao poema “O menino doente”, parei. Então, pedindo a palavra, solicitei se eu podia dizê-lo e se estavam dispostos a isso. Sim, todos ouviram. Contudo, não de todo, porque ele travou-me à língua ao ver minha mãe olhando-me atenta e segurando “a minha menina doente”. Disfarcei. Tomei fôlego. E fui em direção ao banheiro.
Confesso que procurei mais tarde o poema, mas nunca consegui recitá-lo em voz alta. Ele ainda me trava. Ele ainda, de certa forma, me leva de volta e me agride com suas imagens. Sempre me emociono e me calo antes mesmo de terminá-lo.
Eis o poema:

O MENINO DOENTE

O menino dorme.

Para que o menino
Durma sossegado,
Sentado ao seu lado
A mãezinha canta:
– “Dodói, vai-te embora!
Deixa o meu filhinho,
Dorme... dorme... meu...”

Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
– “Dorme, meu amor.
Dorme, meu benzinho...”

E o menino dorme.

(Manuel Bandeira)

Um comentário:

  1. Olá, amigão Dilso!
    O poema é mesmo pertinente com a narrativa.
    Creio que o protagonista foi travado pela emoção e comoção tanto do tema poético quanto do vivido no momento.
    Mesmo passado algum tempo, a lembrança faz-se reviver, provocando, assim, novo travamento.
    Nossas ações são condicionadas por nossas emoções e pouca vezes pela razão.
    Que bom que a filhota tenha tão boas predileções literária. Tal pai, tal filha.

    Abraços saudosos do amigo!

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