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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

UM ENCONTRO COM GILBERTO FREYRE

Porto Alegre. Nada me alegra em uma viagem dentro de um ônibus do SUS (Sistema Único de Saúde). Sair às quatro horas da manhã. Conservar-se livre dos pensamentos de ter que estar em outro lugar. Perambular por um dia todo em ruas estranhas. Desafiar o tempo para uma briga que não se pode vencer... Ah! Como tudo isso vai se engordando dentro de mim. Tornando-me sabido de que não é bom saber dessas dependências. Nisso, nos pensamentos, vou ouvindo as vozes orgulhosas de meu pai, tudo sem que minhas pernas ouçam – é claro: “O Dilso é pobre, mas tem gosto de rico. Ele tem bom gosto.” Pois é. Minha riqueza anda estreita. Impossível comprar alguma coisa com ela, sobretudo, a saúde. Difícil pagar um médico falando a respeito de uma virtuosa execução de Bach. Ilógico ir à farmácia e tentar encantar com poemas (em troca de algum remédio) a um farmacêutico estranho e avesso ao que não for exato e capital. Puxa! Tenho só isso para dar, sou rico de inquietações, de desassossegos, de nadas no plural...
Foi amargo, mas logo percebi que dessa vez quem se enganou foi meu pai: não se pode converter cultura em moeda. Bem triste constatar que o não saber é que, verdadeiramente, nos torna melhores, pois enxergando pouco, sentindo pouco, sofremos menos, adoentamos menos. Sim, a verdadeira riqueza está na ilusão de que estamos sempre bem, basta fazer uma oração (e claro, há anos não faço isso). Adquirir conhecimento tem dessas coisas, vamos ficando, para algumas coisas, céticos e condoreiros – cientes de que quem nos devora acaba sendo o mesmo condor que nos fez voar, ‘condoreirar’ pelos céus e enxergar clarinho o que se passa neste chão.  
Mas desta vez meus pés me levaram até uma livraria, uma bem próxima ao hospital. (Sabe, tenho uma regra: “livros e pão não podem faltar em mesa digna”.) Quando percebi que um “Casa-grande & senzala”, de Gilberto Freyre, exalava um cheiro fresquinho de padaria. Apalpei e, lógico, comprei. Dirigi-me para frente do “Clínicas” e conversei por horas com aquele Freyrão, tanto que nem consigo lembrar como foi à volta para casa. Contudo, indignado por ir entendendo um pouco mais sobre a história dos negros e mestiços, aqui no Brasil. Aos pouco fui sentindo por que eu estava ali, um gordo vestido em um corpo magro, marrom e, historicamente, defasado.
É, não foi à toa que Lima Barreto morreu na miséria. Mulato culto demais. Cor errada demais. O que melhorou? Nada. Tudo continua ali, escondido, varrido para debaixo do tapete. Quanto pó ainda precisamos respirar? Como é escuro aqui. 

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