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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ESQUIZOFRENIA


Toda vez que penso estar livre. Lá vem ele. Não sei o que fazer para evitá-lo. Ele habita este lugar e a pouco atestou sua residência fixa. Importuno é o que é. Mora, mas não respeita a rotina dos demais moradores – geralmente vai dormir tarde. Contudo, quando cai no sono, ronca alto. O resultado disso? Previsível: no outro dia, todos com olheiras. Como foi aparecer-me um inquilino desses. No início, na apresentação de si, parecia educado, menos hostil. Seu sorriso não representava de todo mal – agora lembro. Não, não, não era confiável coisa nenhuma! Tinha uma simpatia perversa no sorriso, tal qual como um demônio sádico seria se fosse posto no exato centro onde pudesse transitar livremente entre o céu e o inferno. Sim, o ponto fez-se aqui nesta casa: o inferno do faceiro diabinho que passou a assombrar este antigo paraíso. Enquanto isso os outros espíritos seguem a ranger os dentes. 

terça-feira, 7 de agosto de 2012

UM LUGAR CHAMADO FACEBOOK


Através de setas e dedilhar de teclados, vamos fazendo do mundo um lugar onde o trânsito de universos acaba por encontrar e refazer-se em um ambiente novo, único e artificial. O animado local de todos e de ninguém, acaba por garantir espaços e tempos privilegiados em nosso dia-a-dia. E isso não há como negar. Assim, a vida se tornou uma festa dentro de casa, de quartos, de monitores. Circulamos à toa, parados, mas por lá. Perdemo-nos e achamo-nos um pouco mais e um pouco menos. Compartilhamos. Cutucamos. Desabafamos. Enfim, desafinamos. No início achamos que o mundo se importa conosco. Durante, acabamos entendendo que nem nós mesmos pensamos isso do outro do outro que pinta um outro que está do outro lado escondendo um outro outro que no final das contas pode ser ainda outro.
Há pouco tempo nem imaginávamos que um dia estaríamos tão próximos. Cruzávamos na rua. Nem um cumprimento. Nem um mísero bom dia. Nada. Hoje entramos diretamente no âmago das casas só para dizer: “Olá! Como vai... Estou triste... Estou alegre... O sol está lindo... Está chovendo...”.  É! São tempos sem campainha, porém, vamos lembrando que as janelas estão abertas e tem sempre um cabeção espiando.
Nesse lugar, inclusive, novas mentalidades vêm se formando. Novos grupos. Novas verdades. Um mundo onde a expressão não está mais na primitiva equação entre lábios e olhos, mas entre links, emoticons e frases geralmente curtas. Poucos leem textos maiores por lá. Este último elemento, infelizmente, não é mera coincidência com as particularidades reais que já conhecemos. Contudo (como um desses navegadores e, volta e meia, protagonista também dos mesmos destemperos que cito), sei que se a convivência já é difícil. Penso também que é um verdadeiro milagre que pessoas (que são essencialmente únicas) consigam conviver por tanto tempo em um mesmo local, uma vez que tomamos nossa casa como um castelo e, como reis, queremos sempre a última palavra.  O problema é que há uma só coroa e muitas cabeças “reais”. Explico: Quando apareço pela tela do outro, sou como um súdito, ao mesmo tempo em que sou o imperador, pois a fala saiu de meus domínios. Complicado.
Acho que no futuro – quem sabe – o garimpo cultural humano, feito geralmente por antropólogos, acontecerá de dentro do facebook. Um ambiente perfeito para se estudar a complexidade da convivência e de uma vida social que não tem nada de exatidão. Ainda bem!
E como já escreveu uma vez Fernando Pessoa: “Navegar é preciso; viver não é preciso.”. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PAI, LER DEMAIS PREJUDICA A VISÃO?

Minha filha perguntou-me se ler demais prejudicava a visão. Respondi que sim, porque nunca mais o mundo é visto da mesma forma, ele deforma-se, estica, abre-se e depois clareia. Tudo isso por conta de me ver sempre lendo com o auxílio de óculos incômodos e feios. Não disse, mas sei que teve medo de no futuro ter a prisão decretada por um par dessas lunetas. Pensando nisso, ao ver a disposição com a qual se debruçava sobre determinada obra, logo pensei que deveria pôr mais luz sobre as folhas para que não sofresse com os efeitos do tempo que eu sofro, já que também, felizmente, anda gastando-o com livros. Contudo, respeitando as limitações do corpo, achei por bem tomar a atitude de reajustar literalmente o abajur. Claro, para não perder o conforto, o foco e a razão que a movia a folhear tão deliciosas páginas. Coisas de pai!
Ultimamente ando observando uma maior vontade de ler por parte de minha menina. Compreendi que antes, perguntando-me sobre o que era melhor ou não, eu acabava inevitavelmente vendendo um gosto particular e que, apesar de termos o mesmo sangue, naturalmente, como todos no mundo o são, somos diferentes. Digo mais, temos idades e anseios distintos. Acordei para isso após perceber que dormia para seus sonhos e perspectivas adolescentes. Como o abajur, clareei também. Subestimei o poder das palavras ditas e concebidas para seu gênero de gostos e inquietações, já que sem um início não pode haver meio e muito menos fim. Comecei pelo fim, eis o meu erro.
Confesso que não gosto de livros muito populares, penso que eles extrapolam e reduzem elementos que deveriam abarcar o todo e, ao mesmo tempo, atingir a todos individualmente. Chamam isso de ontologia. Penso que tudo o que é feito para agradar o maior número de pessoas, não pode ser bom, uma vez que, como dito acima, ninguém é igual, não pensam igual e, sendo assim, não poderia existir fórmula que pusesse na mesma dimensão tantas diferenças. Então me pego aqui, vislumbrando a exclusão que fiz ao negar por tanto tempo o que as palavras poderiam dar no passeio imagético em que apenas uma única visão faminta poderia perceber e escolher por si só: a do simples prazer despreocupado de uma leitura.
Dito isso, exponho a obra (“Crepúsculo”, de Stephenie Meyer), ressaltando, inclusive – indiferentes às minhas vontades, verdades e gostos –, meu prazer em ter visto mais de cem páginas sendo devoradas ao meu lado em apenas um final de semana por minha garotinha de treze anos.
Do início vai-se ao meio e ao meio vai-se ao fim. Assim, um dia ela entenderá os caminhos que lhe aguardam pelo mundo e pelas prateleiras da “bibliotequinha” cheia de palavras e inquietações do papai.  

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

NA LITERATURA TEM QUE HAVER MOSCAS


Sabem aquelas vozearias que vão timidamente latejando em nossos ouvidos? Estas são as que produzem os melhores e os piores sons já sentidos, pois, ao invés de nos confortar com uma melodia agradável e de poucas notas, acabam por nos tirar quase toda a tranquilidade através de zumbidos quase inaudíveis, mas que ficam na volta só para incomodar, enlouquecer e estorvar. Espantá-las? Isso é inútil. Elas são ligeiras demais e de tão rápidas, mesmo que se resolva fechar o livro rapidamente para esmagá-las, voam para fora e mais tarde retornam todas refesteladas para continuar a nos provocar com seus zum, zum, zuns.  Delas, não há como escapar, uma vez que os olhos já foram conduzidos a acompanhar todo movimento dessas moscas malvadas ao sentarem-se sobre as palavras e fecundá-las, acabando, enfim, por proliferar o que deveria permanecer puro e parado assim que fechássemos a obra. Não há o que fazer. Basta apenas assistir ao parto dessas palavras grávidas de mosquinhas incômodas que vão aos poucos saindo, enegrecendo, criando asinhas e voando para longe, bem longe... Até que, quando nos pensamos livres, elas retornam ainda mais gulosas por fecundar as outras inocentes que se encontravam relaxadas e quietinhas, apenas querendo  manter o sossego e a virgindade.    

terça-feira, 24 de julho de 2012

CULTIVO HUMANO NOS SÍTIOS DE RELACIONAMENTOS


Os dias de hoje nos trazem novidade, rapidez de informação e praticidade na arte da convivência. Não seria maluco em afirmar ou negar piamente essa lógica, mas, na fuga da alienação, não há como estar fora disso sem cometer o pecado da não existência (pelo menos no âmbito virtual, já que praticamente todos estão por lá e, creio, só é possível existir pelas suas vozes, ou no caso, pelos teclados). Conheço amigos que até tentaram fugir disso. Outros, mais resistente, ainda insistem em não adentrar por aquelas paragens “inférteis”, em suas opiniões. Contudo, temendo a falta de trânsito humano por não pegar carona no veículo da máquina, o tempo certamente os fará ceder quando não encontrarem mais ninguém nas ruas. Não estou defendendo nenhum “site” de relacionamento ou a extinção de praças e locais de encontros reais, apenas tendo ser razoável ao tratar dos espaços virtuais, uma vez que ando passeando e existindo por alí também e cada vez mais se apagando para os encontros que exigem um pouco mais de interação física do tipo olho no olho.  
Não sei se há coerência neste meu trato, o que sei é que não podemos tapar os ouvidos para o “boom” que isso se tornou, visto – no que temos observado – a força incrível quando o assunto inclina-se a decisões de algo que, por insistências de links, acabam por vezes no território arriscado do comum acordo. Veja, por exemplo, a quantidade de candidatos que andam nos enviando convites nestes tempos tortos e eleitoreiros; acompanhem as inquietações cada vez mais afuniladas para o pessoal, dá até para saber o ânimo em que se encontra a pessoa do outro lado, até quando ela vai fazer xixi, sabemos; e veja também o quanto os olhares se cruzam ao manifestar pensamentos que minutos depois já são frutos de arrependimentos. Meu medo é que as pessoas caiam nas armadilhas das repetições emocionais de outrora, digo isso de maneira a prever uma espécie de conspiração, pois, nos momentos em que estamos vulneráveis (e vemos muito isso) um simples digitar consolador pode criar uma atmosfera perigosa de interesses que ultrapassam o outro e acaba por proliferar-se. Perigosa essa interação, o que é natural quando muitas ideias se atropelam em um mesmo lugar. Cuidado, os políticos já sabem disso. E, hoje, o invés de beijar criancinhas pelas ruas, nos mandam links bipolares, perpassando pelos adoráveis onde tudo são gentilezas e colorido, até críticas contundentes à oposição (esta disposta em Maquiavel, O Príncipe. Não é uma ideia nova!).
Enfim, acho que devo parar por aqui para não me comprometer mais. Isso também é perigoso!

Texto publicado também no Jornal Zero Hora: http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2012/08/07/artigo-online-cultivo-humano-nos-sitios-de-relacionamentos/?topo=13,1,1,,,13

domingo, 22 de julho de 2012

PROFESSORES LEITORES E ALGUNS DISSABORES


Quando comecei a frequentar a escola, não sabia ao certo o que realmente ela representava. Falo em um diálogo comigo mesmo, uma releitura de minhas memórias que admito estarem fragmentadas em pequenos flashes. Porém, hoje, – penso – tendo condições mais claras e próximas, venho ponderar o início dessa construção.  
O fato é que tudo começou pelo gosto tardio pelas palavras, não por imposições ou obrigações, mas com exemplos de leitores de verdade, leitoras reais que foram algumas de minhas inspirações. Certamente, sendo a Literatura uma espécie de arte, nenhum argumento justificaria – acredito – a possibilidade de ela nos orientar para caminhos comuns e conhecidos como bons ou maus. Tenho para mim que na verdade ela nos desorienta, nos colocando, inclusive, em territórios de desconfortos, inquietudes e desestabilidades. Essa Senhora de voz silenciosa, nos instiga também ao desconserto dos pensamentos prontos e nos instiga a reinventarmos aqueles outros que já estavam em nós. Tal como faço aqui ao revisitar o garoto que fui e que agora estranho ao recordar.
Confesso, em meio às limalhas que vão caindo aqui neste texto, que não saberia dizer o quanto sinto ao perceber a hipocrisia do “pulo”, já que como disse, tive inspirações. Explico: Só posso pedir que alguém salte se eu tiver saltado antes. Deste modo, de pulo em pulo, vamos resumindo pensamentos que vão ficando sempre no escanteio e na superfície das hipóteses. Pois todos já sabem que ler é “bom” e que enriquece blá, blá, blá... Mas não vejo mais aqueles exemplos de carnes, ossos e espíritos. Àqueles em que falei lá em cima e que tive o prazer de revisitar sobre outras carnes durante a graduação, desde colegas até professores.
Sei também que não sirvo de exemplo para nada. Na verdade ninguém é integralmente exemplar. Mas tenho os meus espaços no tempo aonde vou costurando e dando forma aos tecidos que vão sendo puxados das linhas coloridas de alguns leitores vivos e percebidos ao longo de meus tempos.
Assim, a autocrítica me vem para tapar o rosto de vergonha com o mesmo tecido que acabei de criar por aqui, uma vez que, desde que percebi os olhares da leitura, vi também as falhas que estavam impressas em meus pontos de vistas. Contudo, percebi que era, também, humano e que como tal, é natural que tenha vícios ou falhas, na qual aponto todas, menos a de pregar em “pulos” uma leitura exata do que nunca conseguirei fazer: a de mim mesmo. 


Obs: Texto publicado também no Jornal Diário Popular de Pelotas (24/07/2012): http://www.diariopopular.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?id=8&noticia=55080


segunda-feira, 16 de julho de 2012

A NARRATIVA NÃO ACABA, RENOVA-SE NAS VOZES.


Motivados por algumas aulas de Narrativas Midiáticas Contemporâneas, surgiram algumas questões que exponho aqui como forma de compartilhar as inquietações. Assim, como aluno, leitor e ouvinte, ocorreram-me verdades que não sei bem se são de fato respondíveis ou ao menos relevantes, pois como disse, ainda estou inquieto. O que sei é que nelas ando encontrando caminhos novos para conversar com outros veículos de informação, além das obras de valor literário construídas por jornalistas e nas quais venho tomando conhecimento nestes últimos meses.  
Como nosso foco tem se destinado a um estudo sobre o Jornalismo em diálogo com a Literatura, tivemos, meus colegas e eu, discussões bastante ricas, sobretudo durante as aulas, no que diz respeito a essa afinação de sentidos. Penso que como meio de informação, ou manifestações de ideias, tais áreas estão sim, – porque não? – em constantes movimentos e reencontros, uma vez que as duas tendem a tecer um pacto, digamos assim, com seus possíveis leitores. Assim, em busca de um setor que me fornecesse subsídios para fazer conexões, ou analogias, com as duas (Jornalismo e Literatura), resolvi abranger os caminhos e alargar os espaços com reflexões bastante pessoais, ainda sendo amadurecidas no momento, mas latentes durante as leituras que ainda fazemos para a disciplina e presentes nas conversações que ainda temos em aula. O motivo seria o de tentar entender o trânsito e o ponto em comum que acaba pertencendo aos dois lados: o de narrar. Uma vez que ambas tem em seu cerne a mesma tentativa de informar algo se utilizando do mesmo veículo, a linguagem.  
Entrando, então, para uma possibilidade que extrapola para a filosofia, lembremos a conhecida máxima de Heráclito de Éfeso: “Não te banharás duas vezes no mesmo rio”. Valendo-se disso, pensemos agora em um jornalista que tem como missão repassar um acontecimento. Certamente ele o fará da forma mais aproximada que encontrar. Apesar do esforço, notemos que o fato acaba se distanciando, – mesmo que o profissional não tencione isso – pois, enquanto recontado, ele (o fato), inevitavelmente, passará a acontecer novamente e encontrará caminhos novos, até mesmo sutis, sob a versão, agora, de seu narrador. Na mesma linha seguirão os leitores (imaginemos aqui o jornal como exemplo), cada qual receberá a notícia obedecendo a valores de ordens pessoais, frutos de suas construções locais/sociais e até mesmo individuais. Ocorre aí mais um enxugamento da primeira impressão da notícia. Mas o que sobra dela, afinal?
Este espaço de “entre-lugar” pode nos fazer entender o porquê de alguns jornalistas acabarem caindo nas graças da literatura e vice-versa. O mote inicial talvez esteja na tentativa de buscar maior universalidade ao repassar as imagens, agora, autenticamente reconhecíveis na predisposição de uma nova possibilidade de reinvenção. Visto encontrar-se com a verossimilhança ao invés de tentar resgatar fatos puros que se contagiam a cada novo reconte. Mas o que vem a ser um fato puro?
Como já vimos, os pontos podem variar, logicamente. Nisso, na posição de sempre estar tentando amarrar as duas partes, do fato e do (re) leitor do fato, o narrador acaba por criar mecanismos que acabam por afastar ou aproximar o receptor do lugar descrito, mas o alcance acaba sempre por fugir, uma vez que ele já aconteceu sob os vários olhares únicos que o flagraram.
Desta forma, vamos recriando e organizando nossas ideias, estas agarradas por esse fio tênue que faz com que os leitores acabem encontrando ou, se a linha partir, perdendo-se em suas próprias versões. Tendo, inclusive, que reencontrar-se no labirinto das vozes que ouve, lê ou recria.
Assim, concluímos que o ato da narrativa nunca acaba. Ela apenas se renova sob todas as vozes e cores que encontra. E é nessa refacção de elementos que vamos dando partida ao entendimento das informações literárias em conjunto com as narrativas midiáticas, tendo como obrigação complexificar um pouco sim, uma vez que não há como inferir se não houver o combustível das inquietações. Contudo, abastecido pelas aulas, acabei, acho, fazendo algumas ponderações longínquas, no que vou relembrando se tratar de uma reflexão pessoal, portanto, como qualquer opinião não profissional (não sou jornalista), é totalmente discutível. 


Obs: Texto publicado também no Jornal do Comércio de Porto Alegre (24/07/2012): http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=99191   

terça-feira, 10 de julho de 2012

A MENINA DOENTE QUE ME TRAVOU O POEMA


Outro dia, tal como sempre fazemos nas noites de sextas-feiras, seguimos para casa de meus pais. Antes de sair, minha filha mais velha perguntou-me se podia levar um livro para distrair-se enquanto estivesse por lá. Claro, leve mesmo! – respondi em meio à ligeireza de ter que preparar a menor para o encontro, já que estava um tanto doentinha.  Esperaríamos minha esposa por lá. Seu horário a obrigava a chegar mais tarde do trabalho e, como sempre, seguiria direto.
Uma vez na casa, minha mãe – antes que eu falasse qualquer coisa – olhou para os olhinhos tristonhos da pequena e logo constatou que algo não estava certo. Pegou-a nos braços, pôs-lhe uns panos sobre a testa e a embalou. Sua atenção estava voltada inteiramente para ela e de sua conversa, quase um sussurro, só se entendia: “Gatinha, se esquenta aqui no colo da Vó. Essa febre malvada...”. Assim, deitadinha, ela foi melhorando e, antes da chegada dos demais (minha irmã também viria), já estava ensaiando um sorriso. É, estava melhor! Motivado por isso, o espírito de meu pai melhorou, estava, naturalmente, também preocupado e vendo que ela já estava nas mãos certas, principiou nosso, então, chimarrão.
A conversa evoluía, uma vez que a semana pareceu bastante longa e todos tinham algo a dizer dela. De fato o tempo passa rápido quando se está entre a família! Pois, acredito, que enquanto o mundo nos tira em verdades, nossos pais repõe com sinceridade para, assim, sairmos todos melhores ou, no mínimo, pensativos sobre nossas eleições. Em meio a tudo isso, minha outra filha, mostrando-me discretamente o então livro, apontou-me para o poeta. “Conhece ele, pai?”  Nossa! Naquele momento, ao folha-lo, encontrei-o por inteiro e relembrei pensativo de algumas aulas de Literatura na faculdade. O livro era uma dessas antologias editadas pelo MEC. Seu autor, Manuel Bandeira. Li baixinho alguns deles e quando cheguei ao poema “O menino doente”, parei. Então, pedindo a palavra, solicitei se eu podia dizê-lo e se estavam dispostos a isso. Sim, todos ouviram. Contudo, não de todo, porque ele travou-me à língua ao ver minha mãe olhando-me atenta e segurando “a minha menina doente”. Disfarcei. Tomei fôlego. E fui em direção ao banheiro.
Confesso que procurei mais tarde o poema, mas nunca consegui recitá-lo em voz alta. Ele ainda me trava. Ele ainda, de certa forma, me leva de volta e me agride com suas imagens. Sempre me emociono e me calo antes mesmo de terminá-lo.
Eis o poema:

O MENINO DOENTE

O menino dorme.

Para que o menino
Durma sossegado,
Sentado ao seu lado
A mãezinha canta:
– “Dodói, vai-te embora!
Deixa o meu filhinho,
Dorme... dorme... meu...”

Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
– “Dorme, meu amor.
Dorme, meu benzinho...”

E o menino dorme.

(Manuel Bandeira)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Exercícios de Ser Criança: um passeio pela fantasia em Manoel de Barros


Resumo:  Neste artigo, abordamos a incorporação da infância nos estudos sociológicos analisando o texto A Menina Avoada,  de Manoel de Barros. Apresentamos a criança como um ser humano em formação e potencialmente capaz de criar e de modificar culturas, considerando seus processos de apropriação, reinvenção e reprodução realizados na interação com os outros e em seu desenvolvimento. Estudamos os quatro eixos estruturadores das culturas da infância: ludicidade, fantasia do real, interatividade e reiteração. Entendemos, também, que a palavra escrita e as ilustrações são fundamentais à compreensão plena da obra, conjunto gerador de significados que nos impõe a necessidade de repensarmos nossas concepções sobre criança, infância e cultura.

Palavras-chaves: criança; sociologia da infância; literatura e infância; leitura da literatura na infância.

Veja o artigo completo no Link: 

terça-feira, 27 de março de 2012

SÍSIFO DOENTE

Levando-se a pedra
Ao topo do monte
Rolando de volta 

De volta a subi-la
Eterno castigo
Sofrido na carne
Verdades sentidas
De almas que arrastam
Além de sua rocha
Um corpo doente.


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

CURUPIRA**


Caminhei passo no passo
Em busca do passo passado
Passei por caminhos já dados
No acerto de passos batidos.

Espaços levados a outros
Passos perdidos na estrada,
Perdidos nos pés invertidos
‘Do ente’ pés tortos da mata.


** Ouçam as aliterações (os sons provocados quando recitados, aqui, os 'S's) e perceberão os passos arrastados de meu Curupira. 
Não o siga, pois ele tem pés ao contrário e te levará à demência... Abraços!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

AO SOM DOS QUATRO VENTOS




Os ventos viajam velozes
Com asas que zunem
Em verdades que vibram vitimadas
Pelas vontades contidas

De Noto, Euro, Zéfiro e Boreas.


Eles que sabem surgir e sumir
Saindo quando o seguinte soergue-se
Sempre ao controle do simples suspirar,
Em comando, do mestre Éolo:
Deus de Sábio semblante
Que quando assovia, sibila...
Varre e vira qualquer desses ventos
À sua bel vontade...

domingo, 13 de novembro de 2011

DON QUIXOTE & SANCHO PANÇA, UMA RELAÇÃO ESQUIZOFRÊNICA**


Suponhamos que nossas razões e emoções pudessem existir em dois corpos distintos. Chamaremos cada uma dessas partes de ‘Sancho Pança’ para a primeira e ‘Don Quixote’ para a segunda. Visto ser Pança um personagem gordo e que está totalmente calcado na relação com os elementos concretos do mundo (adora os prazeres da carne) e Quixote, ao contrário, exibe um físico magro e relações pouco preocupadas com a realidade física, podemos entender perfeitamente, neste caso, que o metafísico e o real estão literalmente divididos aqui em dois corpos diferentes. Miguel de Cervantes, o criador das criaturas, separou-os propositalmente de forma analítica – pelo menos em nossa leitura – para que pudéssemos perceber de maneira mais clara duas características da condição humana que, naturalmente, ocupariam um mesmo organismo/corpo. A intenção – cremos – não é de provocar ou insuflar uma situação maniqueísta (filosofia Persa que separa o bem do mal), mas provar que ambas são dependentes.
Acompanhemos a alegoria:
Imaginemos um balão cheio de gás e que toma altitude de acordo à vontade de outro SER que segura a corda que está amarrada ao bocal desse balão. Sancho, já que é pesado e tem relação segura e firme com a terra, aqui representará esse SER; e Quixote, magro e tido como sonhador, representará o balão. Todos sabem que tomando certa altura o objeto pode estourar e desaparecer, vide sua fragilidade. Daí então a importância de quem segura a tal corda, pois é ele quem regula o limite de subida dessa “bexiga”. A razão não sobrevive sozinha e a emoção, igualmente subordinada, também não. Mas seu fiel escudeiro, Sancho, em um momento de distração, afrouxa nosso suposto fio – o da medida/metrum – fazendo com que o balão, voando em uma altitude difícil de recuperar, escape às suas mãos, causando assim o rompimento e a desvinculação da razão com a emoção, o que explica a morte de nosso “Cavaleiro da triste Figura” ao final da novela. Enfim, não é possível que exista um sujeito essencial e exclusivamente racional ou emocional, somos as duas coisas, dependemos delas e nos equilibramos com elas. Cervantes há quase quinhentos anos (1605) já sabia disso, então nada aqui é novidade.
As versões “tele-novelísticas”, contudo, ainda insistem (em pleno século XXI) em querer nos convencer de que não é possível a incorporação das duas partes em uma. Fazem-nos crer que o protagonista e o antagonista ou a razão e emoção não podem coexistir em um mesmo personagem. Com isso acabamos entendendo que a parte que concerne ao “bem” deve ser tão doce que chega a atrair formigas e nos causar náuseas; e o “mal” tão negativo que representa a ruína total e o dissabor de um propósito inverossímil de humanidade.
Machado de Assis, em seu Dom Casmurro, nos prova essa tendenciosa prática em aceitarmos verdades impostas e unilaterais. A maioria dos leitores ao acompanhar os relatos de Casmurro, tende a cometer sempre o mesmo erro: condenar Capitolina como adúltera. Mas o que temos que levar seriamente em conta é que estamos sendo conduzidos pela voz do velho Bentinho, Dom Casmurro, e que não há imparcialidade em sua fala, portanto não podemos esquecer de controlar as memórias emocionais do personagem com os fatos racionais (uma vez que não conhecemos a versão de Capitu).  Pensando nisso, não olhemos para os olhos de Capitolina com a mesma objetividade que Otelo (na desmedida entre razão e emoção), erroneamente, olhou para o lenço de Desdêmona. Permitamos nos achar e não perder-nos sob a ressaca provocada pela sutileza de um primeiro olhar. Encher a barriga com eles, do ponto de vista exclusivo de Bentinho (emocional), seria provocar uma tragédia semelhante ao que, injustamente, selou o destino da mulher do poderoso Mouro, Otelo. Peço que não cometamos o mesmo. Julgar uma possível traição objetivamente é não saber apreciar o senso dos sabores das bruxarias provocadas pela dúvida que fez amarrarem-se as duas pontas do tempo e da consciência de Bento.  
Na mesma linha de raciocínio, Platão, em seu “Hípias Menor”, nos traz alguns questionamentos sobre o tema da mentira, em pensamentos conduzidos pela voz de Sócrates em discussão travada com um sofista chamado Hípias. Afinal quem é o mais mentiroso entre os heróis de Homero, Aquiles ou Odisseu? Claro, em sua extrema sabedoria, Sócrates prova ao pouco modesto Hípias que nem um nem outro devem ser escolhidos, uma vez que cada um deles faltou à verdade ao seu próprio tempo e necessidade. O que se deve levar em conta é que todos possuem, aglutinadas, as essências desses dois gregos homéricos: a força temperamental de Aquiles, representando a emoção; e a estratégia racional de Odisseu. Ambos, homens ou semideuses, propensos à corrupção.
Se quisermos novelas, leiamos as quixotescas e aprendamos a lidar com situações que explorem – em formatos mais inteligentes – toda a nossa complexa psique. Fujamos à esquizofrenia patológica de classificações definitivas, estereotipadas e ditatoriais. Abramos mais livros e, se acaso optarmos em abrirmos bíblias, tentemos não julgar os ateus como se fossem reencarnações de demônios mefistofélicos, pois ninguém é integralmente santo. Ninguém!


** Esse texto foi publicado no jornal Gazeta do Sul no dia 23 de maio de 2011 ( http://cronutopia.blogspot.com/2011/05/publicado-na-gazeta-do-sul-do-dia-23-de.html), mas reponho-o  novamente como forma de homenagem a uma futura acadêmica das letras que levará consigo seu próprio volume de Quixote. Um abraço a minha querida Cigana Carmen (epíteto que adotamos nas aulas de Literatura para burlar seu nome de nascença, Sandra Borges, e autenticar o de renascença literária, Carmen) . 
Espero que tenha apreciado essa leitura pretensiosa, querida!!! Abraços do Professor!!!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

TRABALHO DE LITERATURA SOBRE O QUINHENTISMO....


Trabalho de Literatura: Quinhentismo.
Aqui minhas alunas do primeiro ano do ensino médio da turma 1º A da Escola Frederico Kops de Sinimbu, interpretam belamente a concepção e o envio da Carta de Pero Vaz de Caminha ao El-Rei D. Manuel. Percebemos também alguns aspectos da literatura de Catequese com Pe. José de Anchieta doutrinando os povos autóctones entre outras descrições que ganham cor ao som da música de Debussy...  
Parabéns às pupilas: Amanda Müler, Patrícia dos Santos, Marília Stölben, Larissa Pranke, Simone Vogt, Bianca Stulp, Janaína Sturmm, Jéssica Wegner, Jociana Cruz e Vitória Panke. 
Um excelente trabalho queridas! 
O professor está orgulhoso!!!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A COMÉDIA DO DINHEIRO**



  Os maiores devaneios do mundo giram sempre em torno de riquezas incalculáveis. Algo como um gênio que aparece misteriosamente de dentro de uma lâmpada para realizar, em média, três desejos dos tipos, respectivamente: financeiros; e, para variar, dois outros que sempre são um mistério, pois variam de Aladim para Aladim. O fato é que outro dia tive uma surpresa que causaria furor e inveja a qualquer banqueiro suiço, porque ao invés de uma lâmpada maravilhosa tive o próprio deus da fortuna descansando em minha casa.
  Explico: A deidade, modéstia a parte, escolheu minha filha para conduzi-lo, pois sendo já idoso e cego, optou por um ombro que fosse ideal em altura, conforme exigiam suas limitações, e inabalável a seus poderes, uma criança. A menina atraiu Pluto para fora de seu mais antigo abrigo, a biblioteca (essa nas dependências da Escola Estadual Paraguaçu e sob a regência da professora Tânia Lisboa, que optamos citar para inspirar outras), reconhecendo na adaptação do comediógrafo grego, Aristófanes (455 a. C – 375 a. C, aproximadamente), em uma versão para jovens, uma obra que ainda continua despertando curiosidade e inquietação aos nossos adultos e pequeninos leitores. O fato é que essa Comédia acabou trazendo mais fortuna para nossa casa do que poderia produzir o próprio rei Midas com seu poder de transformar em ouro tudo que tocava. Minha menina, hoje, é um pouco mais rica por reconhecer, em seu tempo e jeitinho, uma obra que explora essa metáfora tão atual e engraçada: o infortúnio em perseguir o dinheiro à custa de nossa liberdade – e isso é de fato uma comédia! –, pois, como seguidores e “visionários” auto-proclamados, tornamo-nos escravos voluntários de um velho cego de 2455 anos de idade que anda a esmo pelo mundo.
  Pobre Pluto, seu simples desejo foi o de distribuir o dom da fortuna aos homens dos quatro cantos do mundo; contudo, obviamente, isso não poderia acabar muito bem – e deveras não acabou. Irritado com a desarmonia, Zeus, de um só golpe, cegou-o com um de seus raios e fez com que nós, os ambiciosos mortais, agora tivéssemos que correr a perseguir a riqueza por toda a parte e não mais o contrário. Quem é o cego afinal? E como uma menininha com apenas onze anos – em pleno século XXI – pôde atraí-lo? 
  Enfim, hoje tenho uma filha rica, logo vai ter um castelo, vide ter emprestado seus olhos a Pluto e apr(e)endido um pouco mais sobre a vida com ele!!!
** Texto publicado em 2 de abril de 2011, mas reconduzido até aqui por conta de uma boa lembrança!!! Parabéns filhota!