Todos somos tocados pelos próprios tambores.
Alguns amanheceres carregam aquele azul bonito que
contrasta com o verde de nossa grama. Difícil é abrir-se para a janela e
contemplar tamanha pintura. Os dias são tão rápidos que quase nem sobra tempo
para espiarmos direito essas coisas. Mas hoje parei. Fui mais devagar. Abri as
venezianas, debrucei-me preguiçosamente e deixei o mundo se colorir. Os gatos,
ao me verem assim, largaram seus banhos de Sol e pularam para dentro. Como na
mesa ficam os livros que estou lendo e esta é encostadinha à ventana (não quis
repetir janela), sempre ponho um jornal velho sobre cada um – sabem como são os
bichanos, apesar de adoráveis, deixam pegadas bem feias encima das capas.
Enfim, parece bobo de minha parte, mas por alguns instantes até fui feliz.
Agora à tarde decidi ir até a frente da casa.
Quando
percebi que a poeira levantada por aquele ventinho moderado e tristonho
bagunçou também minhas memórias. Senti-me sozinho, confesso. Olhei para o monte
de telhados se horizontando à minha frente e me dei conta de que casas são
apenas casas, nem sempre moramos nelas, mas construímos bastante. Sei bem que as
verdadeiras nos acompanham: elas moram dentro da gente. Sim, algumas tardes
escondem um monte de recordações. O Sol forte. O destempero dos ‘aléns’ que
dançam nas distâncias. Tudo isso me fez visitar o garotinho sem medo da vida,
sem medo de amar. A habitação veio para fora e me morou por algum tempinho.
Naquele momento parei de crescer, de envelhecer. Fiz o caminho inverso. Virei
criança... e ao som do motor de um carro passageiro, acordei. Olhei em volta e
me dei conta de que não dava para voltar. Ah! Por alguns instantes até fui
feliz.
A noite esvazia o dia para dentro da gente, ela
acontece para clarear nossos escuros. Os silêncios vão se soltando para que,
tranquilos, os pensamentos possam tricotá-los sem embolar. Para
afinar todos eles é preciso desamarrá-los e reorganizá-los em um único e
colorido bordado, pois as palavras revelam mundos que nem quem escreve é capaz
de ver. Ah! Como é bonito esse teto arejado por estrelas. O
anoitecer é como um cantinho escuro onde entulhamos nossos pensamentos. Sem
ordem certa, pegamos um de cada vez e vamos organizando e separando conforme
dá. O dia passou. O tempo passou. Só nós continuamos aqui a tricotar lonjuras.
Por isso tirei os sapatos e fui caminhar na grama. Como o verde, antes
clarinho, passou a musgo? Mas nossos pés não se enganam. Sentem tudo que há
para sentir. Uma espécie de conexão com o mundo, com as coisas e consigo
próprios – e ali, por alguns instantes, até fui feliz!
Ufa, que dia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Divida conosco suas impressões sobre o texto!