.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

ATÉ FUI FELIZ...

Todos somos tocados pelos próprios tambores.

     Alguns amanheceres carregam aquele azul bonito que contrasta com o verde de nossa grama. Difícil é abrir-se para a janela e contemplar tamanha pintura. Os dias são tão rápidos que quase nem sobra tempo para espiarmos direito essas coisas. Mas hoje parei. Fui mais devagar. Abri as venezianas, debrucei-me preguiçosamente e deixei o mundo se colorir. Os gatos, ao me verem assim, largaram seus banhos de Sol e pularam para dentro. Como na mesa ficam os livros que estou lendo e esta é encostadinha à ventana (não quis repetir janela), sempre ponho um jornal velho sobre cada um – sabem como são os bichanos, apesar de adoráveis, deixam pegadas bem feias encima das capas. Enfim, parece bobo de minha parte, mas por alguns instantes até fui feliz.
     Agora à tarde decidi ir até a frente da casa. Quando percebi que a poeira levantada por aquele ventinho moderado e tristonho bagunçou também minhas memórias. Senti-me sozinho, confesso. Olhei para o monte de telhados se horizontando à minha frente e me dei conta de que casas são apenas casas, nem sempre moramos nelas, mas construímos bastante. Sei bem que as verdadeiras nos acompanham: elas moram dentro da gente. Sim, algumas tardes escondem um monte de recordações. O Sol forte. O destempero dos ‘aléns’ que dançam nas distâncias. Tudo isso me fez visitar o garotinho sem medo da vida, sem medo de amar. A habitação veio para fora e me morou por algum tempinho. Naquele momento parei de crescer, de envelhecer. Fiz o caminho inverso. Virei criança... e ao som do motor de um carro passageiro, acordei. Olhei em volta e me dei conta de que não dava para voltar. Ah! Por alguns instantes até fui feliz.
     A noite esvazia o dia para dentro da gente, ela acontece para clarear nossos escuros. Os silêncios vão se soltando para que, tranquilos, os pensamentos possam tricotá-los sem embolar. Para afinar todos eles é preciso desamarrá-los e reorganizá-los em um único e colorido bordado, pois as palavras revelam mundos que nem quem escreve é capaz de ver. Ah! Como é bonito esse teto arejado por estrelas. O anoitecer é como um cantinho escuro onde entulhamos nossos pensamentos. Sem ordem certa, pegamos um de cada vez e vamos organizando e separando conforme dá. O dia passou. O tempo passou. Só nós continuamos aqui a tricotar lonjuras. Por isso tirei os sapatos e fui caminhar na grama. Como o verde, antes clarinho, passou a musgo? Mas nossos pés não se enganam. Sentem tudo que há para sentir. Uma espécie de conexão com o mundo, com as coisas e consigo próprios – e ali, por alguns instantes, até fui feliz!
     Ufa, que dia! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Divida conosco suas impressões sobre o texto!