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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

E SE EU FOSSE UMA VASSOURA?

Palhas bem amarradas com arames ao redor de um bastão fino. Não sou nada sem essa trama. Sem a palhoça de minha saia, lamento não passar de um pedaço pelado de madeira. Mesmo assim, depois de vestida, tuas mãos refesteladas ainda precisam abraçar minha cintura e iniciar uma dança necessária – sem esse ritual estou morta ali no cantinho. Ah, adoro quando teus dedos já vêm me tateando para a nossa corriqueira valsa. O dia, a semana, o ano... nenhum deles acaba se não dançares comigo. A casa precisa estar limpa, eu preciso viver e tu precisas de meu balé arrastado de ‘limpa-chão’, de reinício.
Contudo, preciso dizer: detesto quando trazes as poeiras da rua. Às vezes te sinto tão pesado, amor! Até os banhos demorados parecem ignorarem essa penosa gordura. Daí sinto-me impotente, incapaz, invisível, enfim. Se teu ano foi difícil é porque não soube botar pra fora a terra fina que te pesou tanto. Olha pra mim, estou aqui sempre pronta para despoluir nosso lar. Tu permites demais a entrada das coisas de lá. Sim, preciso que valseies. Deixa eu te conduzir desta vez, te limpar. Levanta a cabeça, menino! O piso ainda conserva a terra fina do que já passou. Não quer misturá-la ao ‘porvir’, quer?
Querido, o que tens? Baila. Não me deixes esquecida por detrás desta porta. Gaste meu vestido. Minha durabilidade é vazia se não me gastares. Que eternidade é essa? Recuso-me a conservar-me nova desse jeito. Meu grito se perde. Permitas te levar, mesmo que logo me troques por excesso de uso. Desejo é morrer dançando, ‘infinitar’ um tempo pronto para receber as imagens de teus pés sobre o piso limpo, de teus suspiros ao perceber que as sujeiras do mundo ficam pouco tempo por aqui.
Pena, ultimamente só vejo tristeza. Os espelhos do chão estão opacos. Como receberemos um ano novo se o velho ainda nos ofusca? Estou cansada de te perceber ali sentado naquele sofá debochado. Force-se a pensar, mas se fores sonhar, sonhe com nossas tardes de outono, de grama cortada e de folhas secas sendo varridas ao som de meu saiote e do vento sussurrado pelo poeta. Lembras? “O vento varria as folhas/ O vento varria os frutos,/ O vento varria as flores...”.
Agora acorda. Precisas voltar pra mim. O silêncio anda ‘desacontecendo’ a nós dois. O réveillon já se fogueteou e ainda nem sequer terminamos de tirar a grossura passada do chão. Ruim acompanhar tuas pegadas em meio a tanta terra deixada pelos “ontens”. Desperta, amor! Está passando da hora de bailarmos uma nova canção...      

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