Escuro. O Avental saía
cedo. Não tinha carro. Só pernas para ganhar estradas. Sempre limpinho e
correto, nunca atrasou um só dia no trabalho. Nem mesmo o Sol encontrava forças
para acompanhá-lo, o madrugador iluminava os caminhos com outro tipo de luz: o
da necessidade. Chegava. Preparava o café. Vestia os filhos dos outros.
Levava-os à escola... Vivia o invisível. Pano vazio. Descarregado de gente.
Contudo, não era raro
receber roupas usadas de seus patrões. Quanta caridade! Que prazer redentor encontravam
nisso. Seus restos vestiam as crianças da tal criatura. Sorriam. Vão todos para
o céu por excesso de generosidade.
Enquanto filho do
Avental (ele carregava minha mãe), passei a infância vestindo descartes, e não
estou falando do filósofo René Descartes, este vesti mais tarde. Brinquedos
quebrados, camisetas surradas e sem cor... Gente muito boa. Muuuuuuuito. Bah! Mas
nunca me enganei, essa ‘bondade’ sempre foi clara para mim. Definitivamente, ao
contrário do que afirmavam, minha “velha” não pertencia a nenhuma daquelas
famílias que trabalhou (dizer isso fazia parte das doações, já que, em alguns
desses lugares, almoçava só depois de alimentar os cachorros).
Um dia, inclusive,
braba comigo, minha irmã bradou: “se não parar de incomodar, a mãe vai ficar
morando na casa do Seu X.” Nossa! Sofri por uma tarde inteira por conta disso.
Sentei no chão poeirento. Olhei para a rua. Estava tanto calor naquele dia que
o horizonte chegava a movimentar-se nas distâncias para alimentar
consideravelmente meus vazios. Aperta-me o coração precisar recordar dessa
pequena tristeza de verão – já havia esquecido. Sim, o que uma
criança vê, esquecemos. Natural deixarmos guardados os olhos daqueles meninos
que fomos. “A que horas ela volta? Mãeeeee...”.
Enfim, aprendi a ouvir
as pequenas histórias, mas necessito de, ainda, mais barbas brancas para poder
contar direitinho. Só sei escrever vivendo, sentindo. E é preciso ser velho
para ter vivido algumas dessas grandes "pequena-ações".
Para encerrar, preciso
dizer: este texto faz parte de algumas memórias engordadas por conta de um
filme que assisti ontem à noite: “Que horas ela volta?”. Obra protagonizada por
Regina Casé, arrasando na atuação. Película excelente. Bela crítica social.
Definindo em uma só palavra: necessária. Como puderam ler, o longa-metragem arrancou-me
dos dedos os silêncios antigos e a emoção de um reencontro catártico e
surpreendente com o avental de minha mãe. Espero ter conseguido passar
direitinho o que senti.
O que mais posso dizer?
Assistam, ora! Percebam essa beleza.
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