Pois então. As férias acabaram. A vida precisa
seguir aqueles fazedores de caminhos, que são os pés. Para eles já bastam de
bacias cheias de água morninha e sais preguiçosos. Quanto aos seus
companheiros, os dedos, eles, mais do que ninguém, precisam deixar de lado a
nudez das chinelas fios-dentais e calçar o bom e velho all-star – ah, e como esses ordinários gostam de andar pelados! Às vezes
até os censuro: “Controlem-se, rapazes! Assim é demais, pô!” Mas não há ouvidos,
restam “olvido” (no sentido de esquecimento). É. Eles me ignoram mesmo. Parece
não saberem que é hora de apertarem-se dentro dos tênis e porem-se no chão.
Porém, espertos como são, desconfio que fazem-se é de ‘dessabidos’ de suas
obrigações. “É bom que se vistam logo, minha gente!” – reclamo outra vez – “Precisam
ajudar no equilíbrio dos passos. Quanta enrolação! É importante. Vamos logo!”
Verdade, eles me dão um trabalhão. Nossa, e como são
teimosos, esses meninos! Acostumaram-se fácil ao descanso do ‘nada-pra-fazer’.
Acho que é por isso que ultimamente os horizontes parecem desorientados. Os pés
é que lhes tiram à embriaguez das distâncias, cavam pegadas neles. E se os
bonitos estavam embaciados e os dedos fazendo-se de surdos e descansados, não
há distância que possa existir para o restante do corpo, sobretudo aos olhos.
Mas deu. Vou forçá-los, uma vez que se continuarem assim daqui a pouco estarão
virando raízes. Vamos lá, gurizada! Não sou árvore. O mundo chama. Bora! Bora!
Sim, vesti-los é como vestir bebês. Ponho até
talquinho. Depois enrolo uma meia, ponho em um; outra, ponho noutro. Os tênis
vêm depois. Querem correr. E pensar que foram eles que me obrigaram a comprar
tantos all-stares. Bom, eu gosto!
Enfim, sem alternativas, tenho um pedido:
“Queridos pés e amigos dedos, chega de esconderem-se
em um cruzar de pernas. Sabem que faço isso enquanto leio. Preciso disso para sair
ao longe de dentro de mim mesmo. Desculpem se para isso não precisei de vocês.
Contudo, agora preciso. Preciso que andem e façam uma estrada bonita para nós. Entendam
o seguinte, o período de férias acabou e, se ainda estão cansados, alonguem-se,
há muitas distâncias a serem percorridas. Saibam que enquanto relaxavam na
bacia e desfilavam peladões, fiz trabalharem os olhos e os dedo. Só que neste
momento preciso que não desistam de mim. A vida chama. Levem-me daqui. Difícil,
eu sei! O que me dá a vocês outro motivo para não sossegarem. Querem atrofiar?
Venham, tracem os caminhos que só vocês sabem desenhar. Prontos? Então vamos
lá...”
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