Há dias em que fico observando os detalhes das pequenas
coisas. Nem sempre tudo me vem na hora, preciso escrever para reavivar os vivos
daquelas cores da primeira vez. Portanto, deixo os dedos revelarem as
fotografias de minhas memórias. Umas recentes; outras distantes; e aquelas
enfeitadas pela invenção de meus textos. Todavia, os olhos é que fazem a parte
mais fácil: capturar. Já os ouvidos, estes sim cutucam as vistas para o lado
que apresente melhor foco, uma melhor luz. As mãos, por sua vez, são
responsáveis pelos roteiros, ou melhor, pelos pós-roteiros, uma vez que a vida
só se faz ao viver. Isso mesmo. Escreve-se tudo depois. Exatamente como o
inverso do cinema, minhas “escrevinhações” funcionam assim: com a direção de
uma cena às avessas, que acontece primeiro para só depois ser roteirizada.
Credo! Acaba de se soltar a tecla “E” aqui de minha
máquina. Outro dia foi a “A”, mas arrumei. O que torna difícil este retrato. As
memórias vêm e vão muito rápido e que falta faz um “E” ou um “A” na composição.
Não poderia um “K” me abandonar? Este sim desgasto menos, acho que não tenho
nenhuma boa recordação que se desenhe com ele. Bom, de qualquer maneira, ando mais
devagar. Saquei o botão e agora me perco em palermices vagarosas capengadas
pela falta do meu querido “E”. Logo hoje que gostaria de fotografar a minha
filha (a Eduarda) neste, que se tornou, um penoso pós-roteiro de perna
quebrada. Mudo de foco. Pois, assim como eu, meu computador parece estar
ficando velho. Melhor falar de velhice, então. Vamos lá!
Onde eu parei mesmo? Ah, sim, sobre estar ficando
velho como meu teclado. Bom, pensando nisso, sinto que o tempo, às vezes, sopra
ventos redondos. Redemoinha sobre nossas cabeças e leva alguns escuros da
cabeleira da gente... Minha avó tinha razão quando gritava: "Já pra
dentro, guri! Redimunho na rua é poeira que o diabo arredonda para nos prendê
na soltura de dia santo! Deusulivre!”
Ah! e hoje tudo isso me parece tão ontem...
Pois então. Tecla quebrada. Irritação da idade...
Quando ficamos frustrados não é muito bom ficar olhando pela janela. Parece que
ela nos pensa, e esses pensamentos são perigosos. Funcionam como vaga-lumes
assanhando-se para a noite (e sempre à noite...). Se de dia não os vemos, é
porque precisam de escuros para melhor iluminar os
‘ali-por-dentro-da-gente’.
Num desses dias de vento, inclusive, estive
pensando. “Ai que medo de ficar velho. Medo de esquecer, de morrer. Acho que
vou deixar minha esposa ciente de onde guardo meus arquivos. Assim, em um
futuro (espero que) distante – quando meus dedos estiverem já mortos –, talvez
ela possa publicá-los nas “tijolações" de em um livro, porém sem o peso de
meu receio, caso nunca se venda nenhum. Mortos tornam-se bons (quero tirar
proveito disso), mesmo que nas bolinhas barrocas dos rosários que são cantados,
apenas, nos funerais. Está certo, depois, naturalmente, sei também que se
desfiarão a rolar, junto conosco, num tempo breve de espalhar lembranças.
Contudo, quero tentar isso antes de ficar vagalumeando até, aos poucos, ser
esquecido nos escuros do pó de onde voltarei a poeirar vazios.” Então, só então
percebo que não sou eu que vario, é o tempo que me varia – nos varre.
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